O novo homem num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Eu sei que você sabe a minha idade, mas, olhando assim, como se você não me conhecesse, você diria que eu já tenho 60?

— Diria, diria. 60, 62...

— Não, tu tá querendo curtir com a minha cara. Tenha paciência, vê ali o Araújo, o Araújo é mais novo do que eu...

— Menos velho.

— Deixa de encher o saco, cara, leva a sério alguma coisa. O Araújo é mais novo do que eu quase cinco anos e tá um lixo, é ou não é, tu vai me comparar ao Araújo?

— Ele tem pinta de ser do mesmo tope teu, o mesmo tope.

— Qual é a tua, cara, tá cego? Olha ali aquela cabeleira toda branca, a barriga estufada, os ombros despencados, maior farrapo humano, cara!

— Tu não pode falar muito, com essa careca de bola de bilhar. E tua barriga é o maior brahma-peito, tu não pode falar.

— Tu tá querendo curtir com a minha cara, evidente que eu não pareço que tenho 60. E a careca passa a muitas mulheres uma imagem de virilidade. Os carecas...

— Alguém se espanta, quando tu diz que tem 60? Diz a verdade, diz a verdade. A verdade dói, a verdade contunde, a verdade fere, a verdade machuca, mas a mentira tem pernas curtas.

— Bem, não. Mas isso pode ser porque eu não saio contando minha idade, não é um assunto assim que eu curta, esse negócio de idade.

— Ô, ué, não foi você que puxou esse papo? Eu estava dizendo que o chope está parecendo xixi de vaca e aí você veio com essa conversa, foi ou não foi?

— É, foi. Mas é que você é meu amigo de longa data, pessoa da minha confiança. É verdade, é verdade, eu ando com um grilo de idade. Não tanto pela idade em si, porque graças a Deus eu tenho a saúde perfeita, colesterol nos trinques, tudo em cima e ainda sou espada, tu sabe que eu sou espada.

— Tu o dizes, como fala na Bíblia.

— Não, tu tá querendo curtir com a minha cara, tudo bem, mas eu estou pensando em tomar umas providências. O homem de hoje não é mais o machão de antigamente, que tinha de reprimir a vaidade. A vaidade é natural. Não se justifica que, no dia de hoje, com toda a tecnologia, o homem não se adapte. A tecnologia vence a natureza.

— Tu vai fazer o quê, plástica?

— Não, plástica não, ainda não. Mas, no futuro, não está fora de cogitação. Tu conhece o Carlinhos Judeu, conhece sim, ele é mobília ali do Flor do Leblon. Tu tem visto o Carlinhos?

— Não, nunca mais vi.

— Quando vir não vai reconhecer. Ele tá no mínimo dez anos mais moço. Também tá freqüentando os melhores salões de beleza do Rio de Janeiro. Usa uns cremes hidratantes, aplica umas máscaras rejuvenescedoras e usa maquiagem para homem — for men, é pra homem mesmo, você nem nota, mas faz um grande efeito. Ele já me passou o serviço todo, acho que eu vou em frente; se eu não cuidar de mim, quem é que vai cuidar?

— Tou te estranhando e tou estranhando o Carlinhos. Pelo que sei, ele nunca... Aliás, nem você, mas este mundo dá muita volta, quem diria...

— Deixa de ser passadista, reacionário, cara! Tu mesmo tá precisando de uma boa recauchutada, tu tá parecendo uma vemaguete batida, tá sabendo?

— É, mas tou fora, tou fora.

— Deixa de ser besta, cara. Segunda mesmo, Carlinhos e eu vamos fazer uma mesoterapia.

— Vão fazer o quê? Mezo a mezo, vocês...

— Santa in-gui-no-rân-cia, tu não sabe o que é mesoterapia?

— Acho que não. Pelo som, assim, com esse negócio de cremes e maquiagens, eu...

— Tu tem que te atualizar. A mesoterapia é a última palavra, é o grande segredo dos homens maduros belos, dizem que o Jabor faz. É meio chato, porque eles enchem você de agulhas, mas Carlinhos diz que é moleza, vale a pena enfrentar.

— Agora, me diz uma coisa. Tu te submete a essa guaribada toda, mas, vamos que dê certo, aí tu panha uma garota dessas meio taradas que gostam de coroa, uma garota jovem no maior fogo, tu dá vencimento? Sinceridade, sinceridade!

— E onde fica o Viagra?

— Pode ser para você, porque eu já tomei e não deu nada.

— Bom, comigo também não. O Carlinhos disse que com ele foi um sucesso, mas parece que não funciona com todo mundo. O Carlinhos tá numa boa, inclusive por causa da técnica que ele usa: toda mulher que diz que não dá pra ele, ele diz que ela é anti-semita e aí ganha uma porção delas com esse papo. O Carlinhos é um grande exemplo.

— Está certo, mas com ele o Viagra funciona. E nós?

— Ah, ainda tem muito recurso. Tem a prótese...

— Não faço, não faço, tenho medo de erro médico, tou velho demais para ir na da Roberta Close.

— E tem a injeção de prostaglandina! Uma injeçãozinha ali e — créu — tudo resolvido durante horas.

— Tu já tomou?

— Aqui pra nós, já, já. Eu tenho em casa, tem de guardar na geladeira.

— Não, não, maquiagem, injeção... Funciona mesmo?

— Funciona! Não tem erro!

— Tu me leva nesse médico? E esse salão de beleza do Carlinhos é discreto? Tu tem razão, hoje em dia, o homem...