Por que me ufano de meu País

(João Ubaldo Ribeiro)

Sim, atravessamos momentos de desânimo e até mesmo catastrofismo, mas a verdade é que certos instantes em nossa história recente nos fazem recobrar a confiança e o orgulho. Estou vivendo um desses instantes e, para os que, entre vocês, ainda não perceberam sua sublimidade (sempre digo: com má vontade, não se vai para a frente, vamos parar com esse derrotismo crônico), desejo partilhar, com perdão da má palavra, minha epifania. Temos recebido ou reconhecido tantas boas notícias que ficamos meio anestesiados e nem sequer nos damos conta delas.

Para mim, pessoalmente, a melhor notícia é a de que Chico Buarque é um medíocre, que deverá ser relegado ao lixo cultural muito em breve. Sempre tive inveja dele, porque o achava talentoso, íntegro, bonito e idolatrado pela maioria das mulheres, qualidades insuportáveis para os despeitados da minha laia. Agora não. Agora fui esclarecido por fontes governamentais e finalmente percebi que ele é um tanto burro, mau-caráter, feio e apenas admirado por uma meia dúzia de petistas anciãs. Que alívio, meus caros brasileiros e brasileiras! Pensem só em como Caetano e Gil, depois de enfrentar décadas de noites insones, também com inveja dele, agora devem dormir aliviados e tranqüilos. Depois há gente que critica a ação cultural do governo, é muita falta de sensibilidade. Agora nem sei se vou continuar a cumprimentar o Chico — a não ser que ele, por natural obrigação, me peça um autógrafo.

E isso num quadro em que a nossa moeda estável nos tornou um país de felizardos, acendendo charutos com notas de US$ 100 e trocando reais por francos, em Paris. Li, acho que na coluna do Xexéo, que agora existe uma casa de câmbio em Paris que troca reais por francos. Como ficou mais fácil a vida dos milhões de brasileiros que todos os anos vão à França e antes eram obrigados a passar pela humilhação de não ter dinheiro, a não ser papeizinhos coloridos que causavam frouxos de riso até em visitantes do Brasil. É só achar essa casa de câmbio, perguntar se o diretor ainda não foi demitido e acachapá-lo sob uma montanha das verdinhas nacionais. Para não falar que, embora ninguém ainda as tenha visto, já foram lançadas nossas novas moedas, todas lindas, que continuarão a ser recusadas pelos flanelinhas, essas pestes que infernizam a maioria da nossa população e, mais uma vez, devem ser denunciados como um dos nossos principais focos do atraso que, ainda, aqui e ali, nos afligem de quando em vez.

Assim como, de acordo com o que foi, faz algum tempo, repetidamente anunciado na tevê, os nossos aposentados hoje têm a dignidade restaurada e não mais enfrentam filas e pensões assassinas. Ao contrário, o Estado agora sustenta uma ralé de vagabundos que só faz reclamar e não enxerga o que lhe é dadivado. Acho que nem a Suécia ou a Dinamarca chegaram a esse ponto. Tanto assim que, por exemplo, a taxa de suicídios na Suécia é elevadíssima e certamente algum ministério é capaz de produzir estatísticas provando que a taxa de suicídios na Escandinávia é proporcionalmente muito maior que a nossa taxa de mortes por inanição, o pior cego é o que não quer ver.

E quanto à saúde, então? Principalmente depois da instituição da Contribuição Provisória (perpétua, aliás; mas não se pode querer perfeição em tudo) sobre Movimentações Financeiras, tudo melhorou e hoje, contando com o SUS e com as patrióticas empresas de seguro-saúde privadas, qualquer brasileiro pode fazer pelo menos um check-up anual. Não faz por deseducação e desinformação. O próprio presidente da República fez um e ficou muito satisfeito. Não entrou em filas, nem foi atendido com má vontade, por hospitais sem médicos ou equipamentos — enfim, foi recebido como qualquer de nós que recorra à Saúde Pública, razão por que ele, com a paciência que levaria homem de outro calibre à exasperação, nos aconselhou a sadia prática de um check-up periódico. E, quanto à falsificação de remédios, trata-se de problema que qualquer cidadão pode resolver, dirigindo-se à autoridade competente mais próxima. Não adianta ficar fazendo chover no molhado, o negócio é agir.

Em relação ao desemprego, é bem verdade que as notícias mais recentes não são das melhores, mas, aqui de novo, a impaciência é inimiga da perfeição. Todo mundo está careca de saber que, com a reeleição, esse evento patriótico que só o Chico Buarque e o dr. Barbosa Lima Sobrinho persistem em fingir que não entendem, serão criados mais 7 milhões de empregos, tudo certo, como dois e dois são cinco. Por que se movem ações de inconstitucionalidade contra medidas protetoras do trabalhador, como a redução dos salários e as demissões provisórias? Será que não se nota o esforço hercúleo de nossos dirigentes, para sanar os poucos males que ainda nos atormentam? Será que todos persistem em ignorar que as empregadas domésticas agora passam férias na Grécia?

Na área da segurança, as mesmas palavras de conforto podem ser escutadas pelos ouvidos patrióticos. Têm sido criados conselhos e comissões de toda ordem, é preciso acabar com essa paranóia de assaltos, seqüestros e assassinatos, conseqüências inevitáveis da globalização e comuns em todas as cidades desenvolvidas. Somos tão civilizados que não botamos na cadeia — e, quando inadvertidamente botamos, é em cela especial — criminosos com nível superior, não iríamos desperdiçar assim os vastos recursos que investimos e aplicamos sabiamente, na área da educação. E, finalmente, continuamos a ser um país abençoado por Deus, nosso compatriota. Pois não é que até gente que se dizia atéia, há relativamente pouco tempo, hoje é religiosíssima? Ponhamos as mãos para o céu. No meu caso, tapando os olhos, mas isso é pura questão de foro íntimo. Te cuida, Chico!