O charuto

(João Ubaldo Ribeiro)

— Bill, a verdade é que eu ainda não entendi direito essa história do charuto.

— Vá dormir, Hillary, eu amanhã tenho quatro discursos e oito reuniões, preciso descansar.

— Sim, mas bastava uma explicação mais clara para eu sossegar. Como é que foi mesmo esse negócio do charuto? O que aconteceu com a moça, tudo bem. Quer dizer, tudo bem, não, mas eu sou suficientemente adulta para entender o que houve. Agora, o charuto... Que é que você fez com aquele charuto?

— Você vai continuar a prestar atenção naquela maluca que guarda um vestido três anos sem lavar, aquela tarada? É óbvio que eu estou sendo vítima de uma conspiração. Você sabe o que o Kennedy, o John, fez? Você sabe o que dizem do Bob Kennedy com o Nureyev? Você...

— Isso não tem nada a ver com o charuto! Não mude de assunto!

— Eu já disse toda a verdade a respeito de tudo o que aconteceu, eu não minto!

— Bill...

— Está bem, uma mentirinha ou outra, de vez em quando, todo mundo conta uma mentirinha de vez em quando.

— Perjúrio, Bill, perjúrio.

— Quem é o advogado aqui, você ou eu? Você sabe muito bem que perjúrio numa causa civil é muito diferente do que numa causa criminal. Numa causa criminal...

— Não venha me dar aula de Direito! Só faltava essa! Eu quero saber do charuto, o charuto! Está certo que você não conte os detalhes do charuto aos outros, mas eu tenho o direito de saber, eu sou sua mulher e tenho enfrentado essa barra-pesada toda junto com você. Eu quero saber do charuto, o charuto!

— Muito bem, o que é que você quer saber sobre o charuto?

— Você estava fumando o charuto? O charuto estava aceso?

— Claro que estava aceso! Você está cansada de saber que eu gosto de pitar um charutinho de vez em quando.

— E aí você pegou esse charuto aceso e...

— Hillary!

— É uma pergunta normal. Na hora em que aquela moça estava... Na hora em que aquela moça... Oquei, na hora o charuto estava aceso e você pegou o charuto aceso e...

— Hillary!

— Hillary, uma conversa! O que é que você fez com aquele charuto aceso?

— Objection, Your Honor, objection!

— Você não está num tribunal, você está na cama com sua mulher e sua mulher tem todo o direito de saber o que você fez com o charuto. O marido desta mulher estava com outra mulher, que estava... Não interessa isso, o que interessa é o que você fez com o charuto.

— Resposta facílima. Eu fumei o charuto, pronto. Satisfeita?

— Você fumou o charuto. Aquela mulher ali, lhe... Lhe... Não interessa. Aquela mulher ali e você fumando um charuto. Bill, não dá para dar um desconto nessa história, não? Ela fazendo aquilo e você fumando um charuto?

— É, eu fumei o charuto.

— E a mancha no vestido dela é de cinza de charuto?

— Conspiração, conspiração! Até dentro de casa, com a pessoa mais íntima de sua vida, o sujeito tem de enfrentar a conspiração?

— Agora eu não tenho mais certeza de que sou a pessoa mais íntima de sua vida. E não mude de assunto outra vez, Bill, eu quero saber o que é que você fez com o charuto.

— Mas eu já lhe disse! Eu fumei o desgraçado do charuto! Eu fumei! E não traguei!

— Bill, eu sou uma mulher vivida, uma profissional respeitada, já li algumas coisas, já vi alguns filmes, mas nunca ouvi falar de ninguém fazendo esse... Esse tipo de coisa enquanto fumava um charuto. Aliás, nunca ouvi falar de uso sexual de charuto.

— Eu não fiz uso sexual do charuto!

— Bill...

— Eu não fiz uso sexual do charuto!

— Então o que é que você fez?

— Eu fumei o charuto! Eu fumei!

— Bill...

— Até Freud disse que às vezes um charuto é apenas um charuto, você sabe muito bem disso.

— Sim, mas ele não estava com nenhuma Monica Lewinski, fazendo... Ele não estava com nenhuma Monica Lewinski! Eu não quero saber do charuto de Freud, eu quero saber de seu charuto!

— Hillary, pelo amor de Deus, amanhã eu tenho quatro discursos, oito reuniões...

— Está bem, querido, depois nós falamos nisso. Está bem. Boa noite.

— Boa noite, querida, durma bem.

— Bill!

— Ai, meu Deus, o que foi desta vez? O charuto...

— Não é sobre o charuto, é só mais uma perguntinha, só uma perguntinha.

— Tudo bem, mais uma perguntinha.

— Você também fez alguma coisa com o saxofone?