Plantão Bahia

(João Ubaldo Ribeiro)

Se, em todo o orbe terrestre (não sei bem o que quer dizer "orbe terrestre", mas já li isso em algum lugar e achei chique começar uma crônica assim), já houve um calouro de Internet mais burro do que eu, deve ter seu cérebro conservado para benefício da ciência. Escrever esta crônica não tem nada a ver com a Internet, mas eu sempre dou um jeito de envolver-me com ela no meio do caminho e continuo topando com cenas cabeludíssimas e avisos ameaçadores, a maioria dos quais exige os números de meus cartões de crédito e me avisa de que me encontro num lugar perigosíssimo, de onde, se tiver um mínimo de princípios morais e de senso de responsabilidade social, devo retirar-me imediatamente. É muito estressante, porque tento atender às invectivas e tudo se embaralha no monitor. Venho pensando seriamente em desistir desta atividade croniquista e só não o faço porque escritor ganha menos do que gari e não tenho mais preparo físico para exercer as funções de um gari.

Além disso, há o dever e um certo senso de satisfação. O senso de satisfação é ver como vocês estão enrolados aí e eu continuo a desfrutar da safra de pimentas aqui do jardim da casa. E finalmente saí! Saí só um bocadinho, mas saí. Fui ver o Pelourinho novo, fui à igreja de São Francisco e fui tomar sorvete com meu amigo, o poeta, compositor e humanista Walter Queiroz, excelente companhia, excelente sorvete. Depois passei numa livraria, dei um autógrafo trêmulo e voltei para casa rapidamente. Enquanto isso, leio aqui nas folhas (entro na Internet, misturo os jornais com as cenas cabeludas, mas consigo pegar alguma coisa) sobre diversos fatos estimulantes que ocorrem nos centros decisórios do País e do mundo.

Quanto ao mundo, interessei-me mais por uma notícia segundo a qual, se bem entendi, estão planejando fazer um híbrido de vaca com homem.

Não tenho culpa se vocês, reacionários tecnológicos, não lêem as notícias da Internet, porque estava lá. Como é que vai ser, não sei, mas considero o feito um progresso apenas relativo, pois muitos homens já portam chifres na testa há muito tempo, sem que isso constitua nenhuma novidade, sendo até moda, em certos círculos. Creio que a idéia é fazer com que o híbrido produza órgãos para transplantes em seres humanos. Claro que, no começo, o sujeito vai passar a falar em mus, em vez de palavras, mas tudo tem seu lado bom, eis que teremos o rap-mu, o funk-mu, o hard rock-mu e outros mus musicais, o que, pensando bem, já é um avanço considerável.

Informam-me também, no setor nacional, que, nos altos escalões do poder, ninguém mais, incluindo o presidente, pode ver um telefone sem ter um choque anafilático. Qualquer telefonema é um pronunciamento à Nação, publicado com todas as letras no dia seguinte. Além disso, todo mundo detesta todo mundo no governo e, se eu fosse ministro, contrataria um provador de comida (preferivelmente um nordestino, mas não creio que nem isso dêem para nós e, além de tudo, nordestino não está muito acostumado com comida), para ver se ele não cairia duro para trás, antes de eu iniciar minha refeição. Sim e, em outra área, li que o Departamento Nacional de Trânsito agora só considera infrator o bêbado que estiver dirigindo bêbado, mas bem. É a criatividade nacional. De acordo com o guarda, haverá bêbados de cem reais a mil, ou mais, o que definirá suas condições técnicas para a condução de veículos. Não há por que chatear aquele que tomar uma garrafa de Dreher e sair dirigindo na Avenida Brasil, vamos incentivar os produtores de bebidas — e de carros também, com as batidas de limão convertidas em batidas de veículos.

Aqui na Bahia, não. Aqui vamos muito bem. Aqui já temos até Halloween, novíssima tradição centenária brasileira, que algum pesquisador logo descobrirá que nasceu na Bahia, com raízes africanas e — quem sabe? — o Olodum vai desenvolver o Axé-Halloween, com todo mundo fantasiado de leprechaun, o duendezinho irlandês que, como também se sabe, vem da profunda influência céltica na cultura brasileira. E, em Camaçari, município vizinho de Salvador, promover-se-á, dentro em breve, a Camafolia. Alegam os realizadores, naturalmente, que a palavra se deve à junção das duas primeiras sílabas do nome do município à palavra "folia". Certo, certo. Para turistas, talvez, porque eu sou baiano e essas coisas não me enganam com tanta facilidade. Camafolia, hem? Sei, sei.

Para não dizer que tudo vai 100%, há uma campanha em curso para sabotar a administração federal. É do conhecimento geral que, exibindo alegremente seus afamados caninos, o presidente, pouco antes de recomendar que todos os brasileiros fizessem um check-up médico anual, regozijou-se ante o fato de que seus súditos agora tivessem dentaduras. Pois não é que trabalham solertemente para que ele seja desmentido? Não só, aqui no Nordeste, ainda tem muita gente sem dente nem dentadura postiça, como querem proibir os práticos odontológicos de trabalhar, no interior. Um número imenso de municípios e suas populações não tem dinheiro para pagar dentistas. Os práticos, assim como as parteiras, bem ou mal, quebram o galho e muitos deles têm belas folhas de serviços prestados. Agora, os dentistas não querem que os práticos continuem a prestar esses serviços. Entretanto, pergunte a algum deles se querem sair da faculdade e montar consultório em Cocorobó, para ganhar uma galinha magra em troca de uma extração de dentes, ou um bode velho à prestação em troca de uma dentadura presidencial. Precisamos de novo discurso odontológico para pôr um cobro a essa situação, afinal os baianos sempre foram muito patriotas.

Mais uma cotazinha de sacrifício é só o que se pede. Pedem desde que eu me entendo por gente e a gente não dá, vamos parar com a vagabundagem e a fracassomania.