O banho de Tuma e outros acontecimentos

(João Ubaldo Ribeiro)

É necessário confessar: ainda não saí de casa. Quer dizer, dei aquelas saidinhas sobre as quais contei aqui, mas, sair mesmo, não saí. É muito cansativo e, além de tudo, me perco logo a uns 200 metros de casa, preferindo, assim, não me arriscar e possivelmente virar Quincas Berro d'Água na feira de São Joaquim. Aliás, minto, minto.

Tenho sido levado a um centro espírita muito simpático, que, segundo amigas muito persuasivas de minha irmã, resolve casos de maluquice iguais ao meu com grande proficiência.

Se já fiquei bom da maluquice, não sei, suspeito que não, mas a coisa tem suas qualidades. Venho entrando em contato com meus obsessores e quero crer que, em matéria de obsessor, tenho grande destaque. No começo, me assustei um pouco, mas acabei me acostumando. Tem um, incorporado num médium enorme, que foi botar as mãos em meus ombros e caiu duro, havendo sido necessário carregá-lo com esforço para a sala contígua. Mas o que mais me detesta chega numa senhora de aparência agradável, que se modifica inteiramente, ao me ver. Na última vez, ela ficou em minha frente, me olhou biliosamente e protestou.

— Por que vocês me fazem isso? — gritou.

— Por que me põem na frente desse desgraçado? Assassino! Assassino!

Jamais havendo, que eu saiba, assassinado alguém, fiquei muitíssimo abalado. Ia perguntar detalhes, mas ela (ele?) não queria conversa, só queria me xingar. Muito pacientemente, o pessoal a pegou para levá-la para outra sala, onde o outro continuava estatelado. Mas ela não desistiu e continuou me xingando.

— Desgraçado! Assassino! Eu vou acabar com ele, eu acabo com ele!

Não acabou, felizmente, mas ando bastante preocupado com os obsessores. Não conhecia nenhum até agora e vou tomar minhas precauções. No começo, tive a esperança de que, na volta ao Rio, eles não conseguissem passagem nos aviões lotados, mas já me informaram que obsessor não precisa ter passagem, vai obsessar onde e quando lhe der na veneta. Mas me disseram também que, no fundo, eles são boas pessoas, que só precisam de um pouco de compreensão e paciência. De maneira que, quando vocês me virem aí no Leblon, aparentemente falando com compreensão e paciência com alguém invisível, não se preocupem, é que estou batendo papo com um obsessor, oferecendo um suquinho a ele, elogiando seus progressos e assim por diante. Eu sou normal!

Também normal será, nestes tempos pós-modernos e politicamente corretos, o prefeito alemão, cujo nome no momento me escapa, que se elegeu numa cidadezinha da antiga Alemanha Oriental e, depois que se elegeu, apareceu vestido de mulher. Tem 40 anos, mulher e dois filhos, mas, de repente, descobriu que não queria mais ser homem, o negócio dele era ser feminino. Num gesto preconceituoso e vingativo, os eleitores fizeram um plebiscito e o destituíram do cargo. Ele, que conta com o apoio da família, não se abalou. Disse que vai arranjar um emprego, mudar de sexo e passar a mariposar nos bares circunvizinhos.

"Sei que 40 já é uma idade meio difícil para essas coisas", disse ele.

"Mas eu boto fé e vou em frente." Esses obsessores não são moleza, aconselho vocês a cuidar dos seus.

Aqui na Bahia, poucas novidades. Meu amigo árabe Luciano Quibe Frito veio me visitar, se queixando das mazelas da idade. Imaginem vocês que agora ele só está com oito namoradas. Para quem o conheceu nos tempos áureos, é uma visão triste. Somente oito, que desalento.

Ele, que é rico milionário, fica praticamente sem ter o que fazer. Meu coração se partiu e me deu vontade de fazê-lo entrar em contato com seus obsessores. Afinal 68 anos é ainda a flor da mocidade e ele não merece destino tão ingrato. Vou dar um frasco de Viagra a ele e mantê-los a par dos progressos que ele certamente fará.

Sim, mas a que se refere o título desta crônica? Refere-se a Tuma, o cão de guarda de minha irmã, assim chamado em sincera homenagem ao ex-delegado Romeu Tuma, não só pela sua extraordinária dedicação ao serviço como ao prognatismo inferior que lhe dá uma certa semelhança física ao semblante do delegado. Tuma é de uma raça estranha, mestiço de doberman com pastor alemão e não é conhecido pelo bom humor. Só vim a ser apresentado a ele agora e não posso dizer que ele é presidente de meu fã-clube. Pelo contrário, já chegou a querer provar meus braços e minhas pernas diversas vezes. Aliás, é tão simpático que, mesmo à noite, quando sai do canil para patrulhar a casa, sai amarrado, num complexo arranjo de cordas corrediças que meu cunhado inventou.

Teoricamente funciona, mas de noite, na hora do centro espírita, eu só saio me encostando na parede.

Pois minha irmã que, como todas as mulheres de minha família, é quem é mesmo o macho da família, dá banho em Tuma. Devia ser filmado, porque ele não aprecia muito a ablução e, quando ele não aprecia alguma coisa, é melhor estar no Casaquistão, ou qualquer lugar assim. Ontem, teve banho e acho que vou fundar um circo, para minha irmã dar palmadas em tigres e leões, eis que tigres e leões são hambúrguer para Tuma. Depois vocês ficam pensando que minha vida na Bahia, nestes dias, tem sido moleza. Entre Tuma e obsessores, venho vivendo mais perigosamente do que na Ataulfo de Paiva, em dia de jogo da seleção.

Mas não há de ser nada. Agora, no Dia de Santa Bárbara, começou a temporada de festas na Bahia, a qual só acaba depois do carnaval.

Quando o carnaval passa, é só terças, quintas, sábados e domingos, além do intervalo da ressaca de segunda-feira. Pensando bem, não tenho essa certeza toda de que vou voltar ao Rio, até porque o próprio Tuma se veste de baiana e sai atrás do trio elétrico.