O futuro é róseo

(João Ubaldo Ribeiro)

Fiz uma viagenzinha curta, durante a qual não li jornal nenhum, e voltei para casa contaminado pelo otimismo que parece nos cercar.

Peguei os jornais, assisti aos noticiários de tevê e ando muito bem impressionado com a nossa performance. Os preços estão baixando, o Banco Central está segurando o dólar que fica querendo cair, não vai haver recessão, o PIB vai crescer, a área social vai receber muita atenção e grandes investimentos, o presidente resolveu se dar conosco, realmente não se pode desejar nada melhor. Claro, uns dois ou três desempregados de minhas relações discordam um pouco disso, mas estão olhando o panorama com olhos ressentidos, é uma opinião comprometida, que não pode ser levada em conta. E, claro também, sempre há um escandalozinho ou outro para entrar de desmancha-prazer na história, como esse negócio do Banco Marka.

Talvez fosse mais patriótico deixar o problema do banco para lá, pôr uma pedra em cima do assunto. Por que remexer numa questão desagradável, resultado talvez de alguns erros de boa-fé, mas que é apenas uma gota no oceano, diante da magnitude dos problemas nacionais?

Está feito, está feito; o que não tem remédio, remediado está, pior seria se pior fosse, para que provocar ressentimentos e traumas, atrapalhando o País numa hora de recuperação? É tudo, aliás, culpa dos boateiros, que tanto mal fazem a nosso país. Todo mundo já ouviu boatos sobre como havia gente previamente informada do confisco feito no início do governo Collor. Todo mundo ouve boatos desse tipo e igualmente ouviu boatos sobre como havia gente que sabia antecipadamente da recente desvalorização do real. Com tanta boataria, é até compreensível que as pessoas fiquem desconfiadas, mas não tem nada que desconfiar mais, está tudo sob controle, o pessoal aprendeu a lição e não vai fazer mais esse tipo de coisa. Ouvidos moucos para boateiros e fracassômanos, é o que sempre digo.

Inventaram também, se bem me lembro do detalhe, que o mundo vai acabar em agosto. O mundo vai acabar desde que me entendo, mas desta vez o pessoal que interpreta Nostradamus tem algumas certezas. Quem já leu Nostradamus sabe que é mais difícil de compreender do que psicanalista francês, mas não me lembro de nada do que ele previu que não tenha sido constatado, porque, depois do acontecido, fica fácil encaixar. Se ele escreveu "a águia da cruz torta entrará no terreiro do galo de barrete", é óbvio que queria dizer que a Alemanha de Hitler iria ocupar a França, só que antes ficava difícil de perceber.

Portanto, é perfeitamente possível que o mundo acabe mesmo em agosto, mais um golpe solerte contra o Brasil, logo agora, que estamos nas bicas de entrar numa boa definitiva.

Torcendo para que Clinton ameace bombardear São Pedro ou quem mais se arrogue a querer acabar o mundo, podemos prever que, em futuro próximo, o governo e o mercado substituirão Deus, nas áreas em que Ele se tem revelado manifestamente incompetente. A engenharia genética, por exemplo, proporcionará a oportunidade de que se baixe uma MP (que, como se sabe, a partir de exemplos como a CPMF, é na realidade Medida Permanente), estabelecendo o sexo das crianças que deverão nascer, evitando-se desequilíbrios que podem ser nocivos, se as coisas forem deixadas a cargo da natureza irresponsável. Quem tiver um filho, para citar um caso, só poderá ter em seguida uma filha, ou vice-versa. Além disso, o Ministério do Planejamento fornecerá metas de produção de vocações e talentos. Uma porcentagem de nascituros será engenheirada para ser de economistas, outra de médicos, outra de garis, outra de donas de casa e assim por diante, preenchendo as necessidades sociais e as metas sempre tão sabiamente quantificadas pelos nossos dirigentes.

Não haverá violência, descontentes ou marginais, todos estarão satisfeitos, empregados no que gostam de fazer e felizes da vida.

Mais felizes ainda ficaremos com o Programa Nacional de Implantação de Chips Comportamentais. Primeiro uma comissão de notáveis (falar nisso, onde andam as comissões de notáveis faz pouco tempo tão faladas? Não temos notado nada) escolhe padrões de comportamento socialmente aceitáveis. Depois, em duas concorrências públicas (a primeira será anulada por força de boatos de superfaturamento), se escolherá a multinacional que implantará chips eletrônicos nos cérebros de todos os brasileiros inconvenientes, programando-os a ater-se ao comportamento desejável. Ninguém quererá mais jogar lixo no chão, tirar meleca em público, assaltar, espalhar boatos ou falar mal do governo — enfim, as possibilidades são infinitas. A paz social será garantida, até porque, se o camarada por acaso estiver com fome, poderá comparecer a qualquer Posto de Informática Pública (os populares chipões) e lá pedir que, mediante o pagamento de um Darf simbólico em qualquer banco, um funcionário ligue dois eletrodos na cabeça dele e o faça sentir-se cevado como um abade medieval. E aí ele pode até morrer de inanição, mas se sentindo suntuosamente alimentado, vai ser outra coisa.

Está um pouco mais longe, mas o tempo será também controlado e, desta forma, acabaremos com as secas do Nordeste, que tantos transtornos causam e estragam o jantar de tanta gente, diante das imagens na tevê.

O Ministério de Programação Meteorológica cuidará de tudo. Certamente surgirão alguns problemas, como um deputado querendo inundar ou secar um município em que não ganhou a eleição ou uma queda no sistema provocar uma estiagem de dois anos na Amazônia, mas isso será contornado com a prática e com as políticas saneadoras que serão vigorosamente implantadas, depois que se descobrir que um funcionário do ministério estaria recebendo propinas para mandar chover em certas propriedades rurais, em detrimento de outras.

Podia estender-me ainda, mas quero deixar espaço para a imaginação dos leitores. Nem o céu é mais o limite, porque não haverá de estar distante o dia em que a ONU exigirá o impeachment de Deus e finalmente poderemos ter completo domínio sobre nosso destino como espécie, até então exposto ao desleixo divino. Aí mesmo é que o mundo não vai acabar, como demonstra, por exemplo, a crise na Iugoslávia, que o homem vem resolvendo com a racionalidade e objetividade habituais. Podemos sonhar com o futuro, sonhos fantásticos. Até porque, em qualquer banca de jornal, por apenas R$ 19,99, será possível comprar todo tipo de sonho para programar em nossos chips e, em três vezes sem juros, inclusive no cartão, qualquer um poderá adquirir uma Tiazinha virtual, para ser esfolado e chibateado como gostamos, no sacrossanto recesso dos nossos lares.