Tudo a mesma coisa

(João Ubaldo Ribeiro)

Mais uma semana começa, tudo como sempre, até mesmo aquela Seleção engodilhada que vimos passar sufoco diante da intimidadora equipe mexicana. Para vasta decepção de muitos, mormente dos endividados pobres, o mundo não acabou no domingo passado, pelo menos que eu saiba (pode ter havido algum atraso na comunicação, o pessoal encarregado da Hecatombe Final talvez seja parecido conosco e não conseguiu entender ainda como é que se disca no novo emaranhado, provedores da Internet certamente falharam ou o sistema não funcionou mesmo, como deve ser o mais provável), de forma que cabe resignar-nos e fazer o que temos de fazer; no meu caso, escrever aqui. Simples, talvez lhes pareça, mas vida de cronista nunca foi moleza, ainda mais que não acontece nada de diferente, é sempre tudo a mesma coisa.

Como pimenta no dos outros ser refresco continua entre as grandes verdades da existência, dirá a simpática amiga ou o generoso amigo que várias coisas diferentes aconteceram por estes dias e que, com esta conversa, estou querendo, além de encher lingüiça, mascarar a preguiça.

Julgamento injusto, prejudicado por um enfoque superficial e pouco solidário com o infortúnio alheio. Por exemplo, foi novidade a infernal choldraboldra (dei com esta palavra outro dia, achei que não deveria ser egoísta e a repartiria com vocês) da mencionada alteração no sistema de ligação interurbana, que não sei se ainda prossegue ou piorou? Ponham a mão na consciência, alguém achava que ia funcionar tudo direitinho e melhor para a gente, como anunciavam em toda parte, às vezes tomando cadernos inteiros de jornais (grana correndo, grana correndo — e adivinhem de onde é que ela sai, em última análise)?

Claro que ninguém achava, e não funcionou mesmo. Não sei quantos negócios se frustraram, quantos namoros ou casamentos acabaram, quantas mortes ocorreram por falta de ligação para pedir socorro, quantos compromissos e oportunidades se perderam, quanto prejuízo houve e talvez ainda esteja havendo. Só sei, como vocês também sabem, que os responsáveis deveriam pagar pela inépcia tão espetacularmente ostentada, até porque, Deus, que também não deve estar agüentando mais, resolveu não deixar caírem raios, para não botarem a culpa n'Ele novamente. E sei, como vocês também sabem, que não haverá responsáveis, embora possam armar uma CPI, que é a providência em moda no momento e que equivale, como igualmente sabemos, a papo furado, nem pizza sai mais.

Existirá escândalo ou descalabro maior do que cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, das maiores e mais importantes do mundo, metrópoles de um país também importante, ficarem com os sistemas de comunicação telefônica praticamente incapacitados por dias a fio? Terão gasto mais em propaganda do que na montagem do sistema? Foi só um problemazinho passageiro, e pronto? Não foi uma ameaça à segurança nacional? O que é que está havendo? Como é que aprontam essa trapalhada inqualificável (à nossa custa, à nossa custa, é bom nunca esquecer, pois, com ou sem privatização, tudo acaba nos sendo cobrado) e fica por isso mesmo, excetuada a possível demissão de algum digitador que haja cometido um engano? Mas é o que está acontecendo e vai continuar acontecendo. E eis aí, para vocês, outra prova de que nada de diferente sucedeu, percebem o que quero dizer?

Se algum mais teimoso insiste em dizer que não percebe, desenvolvamos um pouco o cenário esboçado acima. Não é preciso imaginação, o ponto de partida já foi dado. Não apareceram, nem aparecerão, responsáveis por esse fiasco grotesco e vergonhoso. Mas existe um culpado. É o culpado de sempre. E quem é o culpado de sempre? Se algum de vocês ainda não acertou a resposta, ou vive numa solitária ou está por aqui de passagem rápida. O culpado, é claro, somos nós, o povo. O homem da Anatel já disse na tevê. (A propósito, que é uma Anatel? Ou, por outra, não respondam, porque certamente não sabem e eles podem ficar preocupados e pipocar mais nosso dinheiro em comerciais de US$ 1 milhão por segundo, com uma atriz e modelo loura e de biquíni, falando de um celular a bordo de um iate de 40 metros e dizendo: "Faça como todo mundo, também confie em que a Anatel só pensa em você, até quando você está relaxando em seu iate", ou qualquer outra semelhante.) Pelo menos eu vi um homem da Anatel explicando que o problema se deveu ao fato de termos querido experimentar demais o novo sistema e aí causamos o congestionamento Ou seja, aconteceu alguma coisa diferente? Óbvio que não, a culpa é do povo outra vez, este povo atrasado, deseducado e moleque, que resolve testar o sistema novo que tanto o induziram a venerar por antecipação e a se preocupar em aprender. Só se aprende fazendo e o povo quis apenas obedecer ao que praticamente lhe viviam ordenando por todos os lados. Mas pisou na jaca de novo, não entendeu o espírito da coisa, a propaganda era só propaganda, era para movimentar o mercado publicitário, que também é filho de Deus. E o sistema novo era só um sistema novo para quebrar a monotonia, não um negócio para se ficar usando assim à toa, mesmo pagando. O povo voltou a estragar tudo e mostra como nunca acontece mesmo nada de diferente. Indo às conseqüências que no Brasil são lógicas, qual vai ser o próximo passo?

Por tal malfeitoria do povo, o próximo passo será castigá-lo levemente (o brasileiro é por natureza cordial e bonachão), criando a CPIT — Contribuição Provisória (Permanente, mas não vamos violar a tradição) para Incompetências Telefônicas, aí uma besteirinha de 25 centavos por ligação, que só será aumentada por Medida Provisória (Permanente, mas não vamos violar a tradição) em janeiro de 2001, quando se verificar que todo o dinheiro arrecadado foi desviado para o evento cultural Padre Anchieta e o Trio Elétrico, comemorativo dos 500 anos de baianos dançando na praia.

Eu até nem ia falar tanto sobre isso hoje, mas fui falando, fui falando e perdi o limite. Ia falar um pouco em outros probleminhas, tais como as mudanças nos planos de saúde. Descobri agora, apesar de, ainda como sempre, não ter entendido nenhuma das explicações, que as mudanças, ao contrário do que se anunciara antes, eram para beneficiar as seguradoras e não nós, os segurados mais inseguros do planeta. Os preços vão aumentar, em vez de baixar, e eu já beirando os sessentinha.

Mas isto, pensando bem, também não é novidade, burro foi quem, como eu, acreditou. Chega, o espaço acabou. E, além do mais, tenho de procurar um tranqüilizante, porque vou tentar passar a crônica para a redação por e-mail ou fax, ambos dependentes de ligações telefônicas. No pasarán? Brasileiros e brasileiras, ainda morremos disso.