Essas mulheres de hoje em dia

(João Ubaldo Ribeiro)

Não sei como é que foi que o papo passou da matéria plástica para as mulheres. Papo de boteco é assim mesmo, muito volúvel. Eu, que melancolicamente constato mais uma vez ser o decano da turma, estava gostando mais dos assuntos anteriores, pelo menos nisso a condição de mais velho me trazia vantagens. Fui o primeiro a lembrar que plástico antigamente se chamava "matéria plástica" e, ainda por cima, recordei a galalite. Galalite também era um tipo de plástico, que tinha um cheiro horrível e nada feito com ele prestava. Vivamente cumprimentado, indaguei se alguém sabia do nome de um sabonete popular, não contando o Vale Quanto Pesa, que, por alguma razão, todo mundo mais ou menos do meu tempo não esquece, assim como o Lifebuoy, que estigmatizava com a ameaça de CC (iniciais de "cheiro de corpo", para informação de vocês, jovens insensatos, que acham que a palavra "cecê" deve ter vindo do latim ou do inglês) os que não o usavam, dizendo desdenhosamente "ele é o tal, que não usa Lifebuoy".

Ninguém sabia e eu, certeiro como um arqueiro olímpico, bati em cima: Dorly. E repeti o slogan: "Sabonete Dorly, preço por preço, o melhor."

Novamente aplaudido, deixei embriagar-me pelo sucesso e trouxe lágrimas aos olhos de alguns presentes, ao evocar a revista Eu Sei Tudo e a seção das aparências que enganavam na revista O Cruzeiro, a cargo (acho que só eu e a família dele, ou dela, sabemos disso) de Tetê Signorelli. E por aí fui, desde as pílulas de vida do dr. Ross, a Glostora, Gumex e Quina Petróleo Oriental até o tempo em que estrogonofe era a comida mais chique que havia e o Ibrahim anunciava que, numa festa altamente kar, fora servido um tremendo estrogô — de leve. E todos os presentes adoraram milhões, pois que, nessa época, quando a gente gostava muito de uma coisa, dizia "adorei milhões".

Creio que as mulheres adentraram o papo talvez na hora em que estávamos tratando de revistas em quadrinhos. O macaco Pituca, na Vida Infantil, o Falcão Negro na Vida Juvenil, Joel Ciclone, o mágico Karzoni (Mandrake é mais famoso, mas Karzoni, assim como o príncipe Íbis e seu triângulo mágico, não fazia nada com gestos hipnóticos, modificava a realidade mesmo), Augustinho Mocho em Mindinho, o Homem-Bala e a Mulher-Bala... Não, não foi nessa hora, foi na hora das marcas de carro. Eu já tinha passado por Studebakers, Packards, DeSottos, Buicks, Nashes, MGs e coevos, quando alguém observou que, naquele tempo, mulher que entrava em carro desacompanhada (ou ia ao cinema desacompanhada, ou ao médico, ou a qualquer coisa) ficava malfalada.

— No tempo da gente, mão no peito até por fora da roupa era trabalho de meses — resmungou um, rancorosamente.

— Por dentro, tinha cara que ficava noivo de aliança no dedo e não conseguia! Hoje em dia, essa molecada pega a maior moleza, vai saindo do MacDonald's direto pro motel!

Revolta geral, mudança imediata e brusca de assunto. Sim, as mulheres de hoje em dia, que horror. Nem na Playboy, que no começo da década de 60 era mais ou menos contrabandeada dos Estados Unidos, elas apareciam como aparecem hoje, com tudo de fora, já não há mais o que mostrar. E pensar que, na década de 50, um exemplar do número da revista Esquire que trazia a foto da injustamente olvidada Colleen Miller só de calça comprida e sem sutiã era disputado a tapa e a gente deixava o buço crescer e pagava inteira no cinema só para ter a chance de ver o peito de Françoise Arnoul escorregar para fora da combinação durante meio segundo, glória das glórias! Hoje não, hoje é essa sem-vergonhice, isso tira a graça de tudo, a verdade é essa.

Sim, a verdade é essa, todos concordaram. Todo mundo ali estava em plena forma e quem não estava tinha a que recorrer. A medicina, graças a Deus, continua muito adiantada, como sempre. Depoimentos graves sobre o Viagra. Alguns céticos, outros, na maioria, entusiásticos. Funciona, sim, é só tomar as precauções devidas, criar o clima e ingerir a medicação na hora certa, o timing é importantíssimo. Em alguns casos, convém tomar também um tranqüilizante, para domar a natural ansiedade.

Mas, de resto, é só uma questão de timing. Janta-se civilizadamente com a moça, toma-se um vinhozinho com moderação e, quando se pressente que, daqui a mais ou menos uma hora, ser-se-á chamado à ação, vai-se discretamente ao banheiro e ingere-se a pílula. Funciona, funciona, é testemunho unânime de todos os que já experimentaram. Não fica aquela coisa dos 20 anos — também o que é que você quer —, mas não envergonha, é um grande progresso.

Para não falar no implante. Concluiu-se que é preciso acabar com esse preconceito besta contra o implante. Claro, estavam todos normais, em perfeitas condições, nem reposição hormonal o médico disse que era necessária, mas a pressão da mulher de hoje em dia é demais, tem-se que reagir com todos os recursos que a ciência propicia. Relataram-se diversos casos de implantes, sempre feitos por amigos e conhecidos ausentes, que se revelaram sucessos estrondosos, criando os maiores espadas sessentões do pedaço, só vendo para acreditar. É, o implante também constitui um caminho e um horizonte radiosos.

E assim ia a conversação, quando o olhar de um dos presentes congelou-se e os outros o acompanharam. Quem vinha de lá? Ninguém conhecia a morena que ondulava rua acima, sabendo perfeitamente o efeito que causaria. Umbiguinho de fora, short mais curto que os da Carla Perez, seios que a brisa do Leblon beijava e balançava, tudo, mas absolutamente tudo, irretocável, uma provocação que chegava às raias da criminalidade. Ah, essas mulheres de hoje em dia. Ela passou, estabeleceu-se um silêncio absorto. Logo o papo voltaria, é claro, mas, naquela hora, o que todos pensaram foi a cruel verdade, de enunciado sempre doloroso: o grande mal da nova geração é que a gente não pertence mais a ela.