Novidades de fim de ano

(João Ubaldo Ribeiro)

O ano, naturalmente, já acabou. Os anos têm acabado cada vez mais cedo. Antigamente, ainda esperávamos mais ou menos pelo Natal, com a notória exceção da Bahia, onde o fim sempre se apresentou no dia 4 de dezembro, festa de Santa Bárbara, se sedimenta no dia 8, festa da Conceição, e só vai embora, com grande relutância, depois da Semana Santa, como no resto do País. Aqui no Rio se anuncia a venda dos ingressos para o Sambódromo, em São Paulo as escolas de samba e o Rei Momo prometem o maior carnaval do mundo e, na referida Bahia, sei que muita gente já se encontra em concentração. Ninguém projeta mais nada, paga mais nada, faz mais nada. Fico pensando se não seria mais realista e mais de acordo com nossas tradições decretar logo um feriadaço, cujo encerramento se comemoraria com uma micareta nacional, logo em seguida ao Sábado de Aleluia e outro feriadão, para desintoxicação.

Não obstante, há algumas novidades, duas ou três das quais me parecem merecer pequenos e despretensiosos comentários. A primeira pode até não ser verdade, mas foi noticiada, embora sem a ênfase devida. Segundo li, uma empresa americana se prepara para usar a Lua como outdoor. Falhada a tentativa de pagar alguns bilhões de dólares ao Vaticano para fazer os padres substituírem o "Senhor esteja convosco" por "Beba Coca-Cola", agora potentes canhões de raios laser estariam sendo preparados para projetar na Lua logotipos e slogans. Acho justo. Afinal, os americanos foram os únicos a chegar pessoalmente à Lua e daqui a pouco o Congresso de lá aprova uma lei anexando nosso (nosso, não; deles) satélite, em ato a ser mais tarde designado pela História como a Anschluss selenita. Os próximos eventos serão a instalação de uma filial da McDonald's e a controvérsia sobre se não se trataria de uma boa idéia mandar todos os negros para lá, com a exceção de alguns atletas, cantores e atores, por motivos comerciais. Já tentaram com a Libéria uma vez, mas, desta feita, os negros não vão poder queixar-se, pois terão um planeta só para eles. Sem atmosfera e pequenininho, mas de qualquer forma um planeta — e, afinal, não se pode querer tudo, para não falar que os negros são muito resistentes e acostumadinhos a passar sem algumas coisas, não será a falta de ar e de gravidade que os prejudicará. Não é mais a globalização, é o sistema-solarização e, graças a Deus, não deverei estar por aqui, no dia em que o casamento de um neto do Bill Gates será celebrado enquanto se projeta uma foto do casal na Lua.

No setor interno, a originalidade brasileira volta a afirmar-se com o vigor costumeiro, pois somos o único país do mundo a manifestar todos os sintomas de inflação, sem ter inflação. A cada dia os preços sobem, sempre bem acima dos índices oficiais, mas não temos inflação. Se alguém ousar sugerir a um economista oficial que há inflação, tomará um esculacho desdenhoso em economês portuglês e será rotulado de fracassomaníaco, neobobo e analfabeto. Os economistas fora do governo vêm expressando opiniões diversas, mas para isso há soluções óbvias, tais como pô-los também no governo, situação que, como se sabe, muda muito a maneira de ver as coisas, notadamente para economistas e sociólogos. A minha área de atividade, por cujo trabalho a remuneração é habitualmente simbólica, é que talvez enfrente algumas dificuldades, porque, por mais que a gente se esforce, os supermercados perseveram em não aceitar símbolos como pagamento, são contra a cultura, os safardanas. E, mesmo que aceitassem, os símbolos não sobem, da mesma forma que não sobem os salários, só os preços mesmo, mas ninguém vai dizer que isso é inflação, o real é uma rocha inabalável.

Cabe ainda apontar outros progressos. O pessoal que quer acabar de vez com a hipocrisia, reconhecer a guerra civil e transformar as Forças Armadas em polícia acaba de receber considerável reforço. Como se sabe, todo militar é treinado para a função policial, a Escola Superior de Guerra encontra-se prestes a criar a Faculdade Hercule Poirot e já podemos aguardar a fundação do Primeiro Regimento de Detetives do Comando Militar Leste, a criação de postos como capitão-investigador, major-inspetor, coronel-delegado e assim por diante. E, melhor do que isso, creio que vou sugerir aos síndicos de prédios e dirigentes de associações de bairros que requisitem pelo menos um pelotão para fazer a patrulha de cada quarteirão. O precedente já foi habilidosamente aberto para a nação e só não ponga no bonde quem não quiser, estamos numa democracia, onde todos são iguais.

Como se viu e ouviu, estava o nosso presidente viajando e mais uma vez dando um show de poliglotismo, oratória, simpatia e liderança no mundo ocidental, quando ameaçaram invadir sua fazenda. Tomou-se uma medida simplíssima, tão óbvia que nem se percebia. Mandaram 250 soldados do Exército nacional para garantir a fazenda do homem, ou seja, cinco vezes mais do que para o Timor Leste. No primeiro momento, estranhei. Achei que, na qualidade constitucional de comandante-em-chefe das Forças Armadas, o homem daria um telefonema para o Brasil e diria ao oficial responsável que retirasse as tropas imediatamente, pois tudo indicava que não ficava bem mobilizar o Exército para proteger uma fazenda particular. Que eu saiba, ele não fez isso. Criticou a medida, mostrando, mais uma vez, que, apesar de insistirmos, essas trapalhadas do governo dele não têm nada a ver com ele, e deixou tudo rolar. Estranhei, sim, mas logo vi o que ele queria dizer e minha má vontade não deixou perceber. Qualquer um pode falar com um comando das Forças Armadas e solicitar o mesmo tipo de proteção. É isso que o homem, por vias discretas, queria mostrar. Nós somos felizes e não sabemos e mal posso esperar o dia em que receberei aqui em casa o meu recém-nomeado ordenança, o qual, sob a supervisão do oficial de dia do Leblon, estará a meu serviço. Lá por março ou abril, quando o ano 2000 se iniciar e o Avança-Brasil, depois de avançar bastante em nosso bolso, já estiver na floração, vocês vão ver como tudo será diferente.