Merry Christmas!

(João Ubaldo Ribeiro)

Quase escrevo esta crônica diretamente em inglês, nossa língua de escolha, notadamente na Barra da Tijuca, mas fiquei com um certo receio de que o jornal a rejeitasse, ou então a entregasse ao tradutor de filmes americanos que, no filme O Presidente Negro, fazia com que toda hora se falasse no "porta-voz da casa", quando no original constava "speaker of the House", que significa presidente da Câmara de Representantes, nos Estados Unidos. Não haveria mal nenhum, não só porque todo mundo fala inglês, ou pelo menos acha que fala, como porque já transformamos em tradição nacional o Halloween e o Thanksgiving, cabendo perfeitamente que adotemos o "Merry Christmas" como saudação natalina habitual ou redijamos na bela e universal língua de Shakespeare, já que a nossa, além de não prestar para nada, ainda tem crase.

E, pelo menos no título, a crônica fica original, pois já escrevi tantas vezes sobre o Natal que, com os neurônios cada dia mais escassos e rateantes, certamente vou repetir o que disse ou contei em outras ocasiões. Podia também fugir ao óbvio e evitar o assunto, mas me acostumei a desejar feliz Natal aos leitores e a todos em geral, até porque sempre planejo, mas nunca mando cartões e muito menos respondo a eles. Acresça-se a circunstância de que, afinal, é o último Natal do milênio (cartas sobre como o milênio realmente começa em 2001 para o editor, pelo bem que os remetentes querem às amadas senhoras suas mãezinhas) e não se pode ignorar isso, embora eu não saiba bem por quê.

E é o primeiro Natal que vou enfrentar fazendo dieta. Nunca fiz dieta em minha vida, mas, desta vez, ao notar que minha barriga se comparava desfavoravelmente à da mulher de um amigo meu já às vésperas do parto e, principalmente, que nem meus bermudões mais espaçosos abotoavam na cintura, resolvi que se impunha uma providência heróica. Nada, pois, de rabanadas — na Bahia, chamadas "fatias de parida", por motivos que sempre ignorei, mas dos quais começo a suspeitar. Peru, em o havendo (li que nós, da classe média, estamos adotando o frango de Natal), só da carne mais sem graça, aquela branquicela e esfarelante, e sem molhos ricos. Aliás, sem molho nenhum. Passas, avelãs, nozes, panetones e mais todos esses produtos de um típico Natal brasileiro, esquecer. Vinho, só escondido de mim mesmo, o que fica um pouco difícil. Enfim, sangue, suor e lágrimas à frente da ceia de Natal.

Mesmo assim, não tenho do que me queixar. Vejo aqui nas gazetas que o programa "Natal sem fome" este ano está bem mais mirrado do que já era antes. Claro que Natal sem fome não quer dizer muita coisa e não deixa de ter razão quem torce o nariz para esse tipo de iniciativa, pois todos sabem que o buraco é bem mais embaixo, mas eu não torço o nariz. É melhor do que nada. Ter pelo menos uma chance de comer no decorrer de um ano inteiro deve ser uma experiência inesquecível. Contudo, parece que nem isso estará ao alcance de muitas das famílias miseráveis que em outros Natais se beneficiaram, porque as doações minguaram. E, diante desse fato, me queixar de estar fazendo dieta chega a ser obsceno, não me queixo.

Se razões de queixa tenho, é que continuo ficando mais velho e, apesar de a alternativa ser desagradável, não é estimulante ficar mais velho. Não me esqueço de Jorge Amado me falando, como acho que já contei aqui, mas conto de novo — é coisa da idade mesmo; nós, senis, vivemos repetindo as mesmas histórias: "Compadre", me revelou ele, com ar filosófico, "já me falaram muito nas alegrias da velhice, mas ainda não me apresentaram a nenhuma". No limiar da terceira idade, expressão abominável que, empregada em relação a mim, me fará tender a portar pistolas à cinta, acho que passarei pela mesma experiência e, se o bom Deus continuar misericordioso para comigo, ninguém jamais me verá alegremente piruetando num baile de idosos ou fazendo tao-chi-chuí, chao-chu-chuan, ou qualquer outro nome que tenha aquela ginástica chinesa tão do agrado da geração pelanca e cujo espetáculo me induz grave melancolia.

Ficando mais velho e com a sensação, talvez enganosa, mas sedutora, de que antigamente o Natal era melhor, pelo menos o meu Natal. Papai Noel, por exemplo, existia. Lembro que o vi diversas vezes, entregando presentes na calada da noite, em Aracaju. Um dos nossos vizinhos adultos, em cujo quintal vi Papai Noel, curiosamente muito parecido com ele, pulando às pressas para fora da janela do quarto da empregada, até deixou de rir de mim, quando mencionei esse episódio. "É, foi Papai Noel, foi Papai Noel, sim", disse ele, querendo mudar de assunto, antes que sua mulher, que estava por perto, me pudesse ouvir. E tenho saudades dos preparativos da ceia, quando dona Antônia, que veio de Muribeca, interior de Sergipe, fazer um pedido a meu pai e nunca mais saiu lá de casa, insistia em assumir a responsabilidade de matar o peru. "É hoje!", rosnava ela, mirando facinorosamente o condenado, na mão esquerda a garrafa de cachaça regulamentar, na mão direita uma machadinha reluzente. Só que os perus, lá em casa, sempre viravam de estimação, porque dona Antônia tomava uns golezinhos da cachaça dele e acabava ameaçando usar a machadinha contra quem quisesse cumprir a sentença contra seu companheiro de copo.

Sim, eram talvez melhores que os de hoje, os meus Natais. Mas nada impede que, no festivo tilintar das caixas registradoras ou no matraquear das impressoras de faturas, se sinta no ar o espírito natalino, todo mundo só pensando no aniversariante. É apenas um detalhe que, em muitas cidades, a Missa do Galo, por motivos de segurança, seja antecipada para as 8 ou 9 horas ou se aconselhe, pelos mesmos motivos, que se compareça a ela em grupos, preferivelmente com a cobertura de agentes especialmente contratados. E não vai deixar de haver assaltos, mas pelo menos serão assaltos acompanhados de um fraternal ho-ho-ho-ho. Feliz Natal para vocês todos.