A situação nacional num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Não tem jeito, não tem jeito pra nada, mas nada mesmo. Nem o chope daqui, que já foi o melhor da cidade, presta mais. Ô Valdemar, quando eu pedi sem pressão, não queria dizer que era para você me trazer uma tulipa de xixi de jumento! Bota pressão nessa josta, pô! Agora, também não é para botar espuma demais, eu já tou careca e não preciso mais de xampu! Tu vai ver, vai sair a mesma desgraça de chope. Não tem jeito. Neste país, não tem jeito para nada, já desisti de ter esperança.

— Também não exagera. A situação é grave, mas sempre há esperança.

— Esperança em quê?

— Ah, sei lá, tem muita coisa boa acontecendo por aí.

— Em que setor, por favor?

— Bem... De enxofre assim...

— É enxofre? Tu quer dizer "de chofre", né não? Viu você? Até o português está indo pra cucuia. Aliás, já foi, descansa em paz.

— É eu sei, é que eu às vezes confundo. Mas não vem ao caso. O fato é que podemos ainda ter esperança. Eu sou um otimista e tu é um pessimista.

— Esperança em quê? Nem no futebol nós não somos mais nada, já foi tudo pro brejo! Nunca, nunca, meu Deus do céu, quando é que tu já viu, em toda a nossa história, a gente encarar um jogo contra a Venezuela como decisivo? A Venezuela! Tenha a a santa paciência, a Venezuela, o Equador...

— Isso é só uma fase. O Felipão vai acertar esse time.

— Como? Fazendo mágica? Dando uma de David Copperfield e desviando a bola por telepatia, na hora em que o goleiro venezuelano for fazer uma defesa? Ora, me deixa, que eu não nasci ontem. Acontece é o seguinte: esses caras vão para a Europa e ganham dez mil dólares por cada vez que tocam na bola. Você então acha que eles vão arriscar essas canelinhas de ouro? Amor à camisa? Ora, morde aqui pra ver se sai leite, me deixa, cara.

— Pois eu boto fé nessa seleção. E boto fé no país, é só organizar um pouco mais as coisas, pensar positivamente...

— Pensar positivamente? O único pessoal que tá pensando positivamente é a turma que já engordou comprando e vendendo dólares.Tu já viu a situação do dólar? Quer dizer, a situação do dólar, não, a do real, tu já viu? Já me disseram que vai chegar a quatro por dólar até antes do fim do ano.

— Mas aí a gente tem de compreender. É uma coisa transitória, é um problema causado pela situação da Argentina.

— Tudo aqui é causado pela Argentina, agora é moda dizer que tudo é problema causado pela Argentina, grande rivalidade. Só porque eles jogam bola melhor do que nós, isso justifica a decadência do nosso futebol?

— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Eu tou falando em situação econômica.

— Que situação econômica, cara?

— A deles lá, com o peso amarrado ao dólar, o parque industrial pouco modernizado e assim por diante.

— Ou seja, problema deles, não nosso.

— Mas afeta a gente aqui.

— Afeta coisa nenhuma. Tinha era de engrossar! Falta macho no governo, essa é que a grande verdade! Tu sabe que o Brasil sozinho representa quase 50 por cento da economia da América Latina, inclusive — inclusive! — inclusive o México? Outro dia eu li que 30 por cento do que a Argentina produz é comprado por nós. Trinta por cento, cara! Tem que engrossar. Chega pra eles e fala: tudo bem, vocês querem segurar o seu coreto à custa de balançar o nosso. Então vão vender sua bagulhada en la casa de la abuelita, pronto. Aí eu queria ver. Mas não, ficam com esse negócio de entendimentos, não sei o quê, e a gente continua pegando em baixo. O mercado só vive nervoso, já reparou? Tudo deixa o mercado nervoso, tinha que dar um sossega-leão pra ele. Outro dia, ficou nervosíssimo com a Turquia. E tome dólar pra lá, dólar pra cá, neguinho só levando uma nota com esse nervosismo e a gente entrando pelo cano.

— Também não é assim, a Argentina também compra muita coisa produzida por nós.

— Compra uma merreca, nem se compara. É porque eles preferem o mercado nervoso, que é lucro para eles, a dar um chute no traseiro da Argentina, esta é que é a verdade. Podia ter um prejuízo temporário aqui ou ali, mas eles não iam se segurar e iam ter de parar de botar banca e assumir o seu devido lugar, que é cantando tango, jogando bola, fazendo psicanálise e entupindo as praias de Santa Catarina. Falta macho no governo, a verdade é essa! Falta tudo, aliás.

— Não é bem assim. Você pode não gostar dele, mas ele é um homem honesto, que...

— ...que não sabe de nada da esculhambação que há no país, não sabe quem são os corruptos, não sabe nada. E, quando fica na cara que ele sabe, o que é que ele faz?

— Também não é assim. O processo político...

— O processo político foi ele passar metade do primeiro mandato fazendo planos, a segunda transando a reeleição e o segundo mandato transando a sucessão, isso é o que ele faz. Ele teve a cara-de-pau de dizer que não sabia do problema da energia, só depois é que foi admitir que sabia, mas o culpado é São Pedro. Aliás, o culpado nunca é o governo. Minto, às vezes é. Às vezes, quando a situação engrossa, ele vai para a tevê e baixa o malho no governo dele mesmo e até no povo.

— Eu desisto, não dá pra discutir com você.

— É, te falta munição. Ô Valdemar, tu tirou esse chope de algum radiador de caminhão? Valdemar, tu não me engana, tu é argentino disfarçado de cearense. A culpa é da Argentina!