O dengue num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Me diz uma coisa, é “a dengue” ou “o dengue”?

— Não sei, nos jornais sai “a dengue” e “o dengue”. Vai ver, ninguém sabe e aí chutam.

— É, então eu nunca vou saber. Não tenho mais preparo físico para encarar um dicionário. De qualquer forma, não tem importância, pode ser uma coisa ou outra, o que interessa é não pegar. Eu, confesso a você, tou vivendo apavorado.

— Também não é assim. O governo está tomando providências.

— Providências? Providências? E o governo toma alguma providência? Onde é que tu habita? Brêizil, nô? Ainda nem resolveram se o dengue é federal, estadual ou municipal, quanto mais providências!

— Não, nada disso, é que você sempre foi meio do contra, fala mal de tudo por princípio.

— Não, senhor, tu tá muito enganado. Eu sou é patriota e é por isso que fico sacaneado com o que fazem neste país. Essa história mesmo do dengue ser federal, estadual ou municipal é uma prova do que eu digo. Que é que a gente vai fazer? Pedir que o mosquito apresente um alvará ou um hábeas-corpus, na hora que ele for morder? Cobrar ISS dele? Isso num país em que pode perfeitamente aparecer um babaca defendendo os direitos humanos do mosquito? Tu tá de brincadeira. Eu quero ver é ação! Daqui a pouco não tem mais ninguém sem dengue. Olha ao derredor, como dizia o poeta. Olha aí.

— Não saquei nada. Que é que tem ao redor?

— A freqüência, cara, a freqüência! Tu não tá notando que, prum sábado ao meio-dia, tem muito menos gente do que devia ter?

— É, mas isso pode ser um problema econômico. Tem muita gente que não pode mais custear um boteco com assiduidade.

— Qual é problema econômico, cara? Todo mundo anda pendurado, isso não quer dizer nada, is zi Brazilian uêi ófi láifi. O problema é o dengue! Só assim de cabeça: o Waldir está de dengue, a mulher e filha também, o Morais também tá, o Peçanha, o Murilão, o Azevedo, bote nome nisso. Tá todo mundo de dengue e não tem tratamento, só paliativo.

— Que é isso, tem a prevenção também, o governo está se mexendo.

— Muuuuito! Mas muito mesmo! Por exemplo, tu sabia que eles importaram mata-mosquitos até da Bahia e o pessoal está pagando a própria hospedagem? Tão pagando pra trabalhar, cara, tu já soube disso em algum lugar?

— É, mas eu tenho certeza de que vão corrigir essa situação.

— Vão corrigir banana nenhuma. Os caras vão acabar se pirulitando, vá ser altruísta assim em Caixa-pregos! Pagar pra trabalhar, cara? É só você parar pra ver o que esse seu governo — seu, porque meu ele não é — está fazendo!

— Não, senhor, o ministro Serra está atento e...

— Ele está atento à candidatura dele, isso sim! E a inaugurar hospitais, reformas e assim por diante, pra fazer média com os otários.

— Exagero de novo. O presidente...

— O presidente? O presidente? Fê-agá-cê? Tu já tá de porre no meio do quarto chope? Sua Excelência nem sabe que tá tendo epidemia de dengue no Rio de Janeiro.

— Mais exagero, mais exagero. Claro que ele tá sabendo e deve estar preocupado.

— Ele está preocupado é com a próxima viagem e o próximo discurso em francês, isso é que ele tá preocupado. Não tem dengue em Brasília, como é que ele vai saber?

— Que burrice, cara, ele é o presidente, está informado.

— Pras negas dele! Tu não viu o negócio da Petrobrás? Aliás, Petrobras, sem acento, porque aqui tudo é em inglês e em inglês não se usa acento. Olha...

— Por exemplo, o Exército já foi convocado para colaborar na luta contra o dengue.

— E aí vai chegar de Urutu por cima das poças, é isso? Vai metralhar as larvas do mosquito, é isso? Qual é a tua, cara, te orienta! Vão pegar um bando de recrutas que nem ler sabem direito e botar na rua para fazer show, isso é o que eles vão fazer. Já viu Exército especializado em caçar mosquito? Só aqui!

— Tu é muito pessimista, não é bem assim. O presidente...

— Pára com esse negócio de presidente! O presidente não só não está sabendo de nada, como não vai ficar sabendo até que algum parente dele pegue a doença, e olhe lá. Tu não viu o que aconteceu na semana passada?

— O que é que aconteceu?

— Aconteceu que a Petrobrás — pra mim é e sempre será com acento — disse que ia aumentar o preço dos combustíveis e ele aí, com aquela cara que eu não agüento mais ver, falou que não ia ter aumento e aí a Petrobrás disse que ia aumentar, sim, e aí ele botou o rabo entre as pernas e se desdisse. Ele não tá sabendo de nada, cara, vai por mim!

— Exagero, exagero. O presidente...

— Qual é exagero, nem presidente, cara, abre os olhos! A única coisa que ele vai fazer, quando souber da epidemia, é ir prá televisão e fazer um discurso esculhambando o mosquito e dizendo que temos que dar um basta nesta situação, como se ele não fosse o presidente desta josta. A culpa é do mosquito! Abaixo o mosquito, o mosquito é subversivo, não tem direito à cidadania brasileira, é isso que ele vai dizer. E vai propor que o Congresso casse o passaporte dos mosquitos e exija cadastramento, ou recadastramento, porque aqui tudo tem que ser recadastrado de seis em seis meses! Não sei como você esquece que o que ele diz não se escreve e o que ele escreveu não se diz, ele mesmo falou. Mas tu tem razão, o pior ainda não chegou.

— Que pior?

— Século catorze! Peste bubônica! Pode anotar que ela vem aí, nós somos um país pioneiro. Um brinde dos não-dengados à peste bubônica, que pelo menos tem remédio. Tchin-tchin, avança, Brasil!