Panorama eleitoral da ilha

(João Ubaldo Ribeiro)

Estive em Itaparica até o fim de semana passada e receio que não temos grandes novidades em relação ao assunto que parece ocupar todo o noticiário, ou seja, as eleições presidenciais. Quanto às estaduais, há um certo movimento, com carros de som desfilando e tocando jingles e praticamente todas as paredes pichadas, como recomenda a boa democracia, inclusive no Rio e São Paulo. Nesse ponto, nos igualamos a todas as grandes metrópoles. Em relação à Presidência, contudo, receio que não haja paixões desenfreadas. Mas participei de debates eventuais no Mercado Municipal Santa Luzia, principal centro de negócios da cidade, e de lá trago algumas lembranças, bem como do bar de Espanha, um dos mais importantes centros de reuniões na nossa zona central.

Foi no bar de Espanha que aprendi que não só pouca gente sabe o nome de todos os presidenciáveis, como não lhes dão tanta importância. As razões são diversas, mas a mais relevante, acho eu, é a revelada por Bobó do Alto, a quem perguntei por sua escolha para presidente da República.

— Não escolhi ainda nenhum — respondeu ele. — Nem sei se vou escolher ou botar o primeiro número que me vinher na cabeça, na hora do voto. Pode, não pode?

— Não sei, não tenho certeza se a máquina aceita.

— Como é que não aceita? Eu sou do tempo que a gente botava na urna a chapa e podia escrever o que quisesse. Onde já se viu máquina mandar na gente? Isso pra mim é atraso!

— Bem, a máquina não manda na gente, mas a gente tem que votar nela. Você pergunta ao pessoal do Fórum se ela aceita qualquer número.

— Não vou perguntar nada, eles vão é me dar o número do candidato deles, eu não sou besta. Se não puder, eu pego os números, escrevo cada um num papelzinho e mando minha filha mais nova sortear um e aí voto nele.

— Mas Bobó, isso não se faz. É muito importante votar certo.

— É muito importante prás negas deles! Pra mim, é tudo igual, não vejo diferença.

— Não são todos iguais.

— São iguais, são todos uns merdíocres!

— São o quê?

— Uns merdíocres!

— A palavra certa é “medíocre”.

— Isso pra você, que é todo metido a fino e de vez em quando fala difícil, pra se exibir. Pra mim, o certo é merdíocre, a própria palavra indica. Vá escutar eles falando na televisão. Todo mundo vai dar emprego pra todo mundo, não vai ter mais ladrão, não vai ter mais pobreza, não vai ter mais invasão americana no Amazonas, não vai ter mais maconheiro, não vai ter mais favela, não vai ter nem calo no pé, ninguém enganou nem engana ninguém, é uma beleza, sopa no mel. Morda aqui, ó! São todos uns merdíocres e está acabado! Foi eles que me deram esta camisa, ói aqui pra eles todos!

Vi-me obrigado, para evitar o clima de tensão que se formava, a me afastar discretamente, não sem tempo de ouvir Espanha me perguntar se eu resolvo alguma coisa na máquina do banco instalada aqui, porque ela só dá notas de dez.

— Com esse movimento nenhum que está aí — disse ele — como é que eu vou trocar uma nota de dez? E aqui quem gasta dez é só barão, feito você. O povo mesmo vai na base do centavo e olhe lá! Bobó tem razão, é tudo uns merdíocres!

Concordei solidariamente, disse que ia ver se fazia chegar ao banco tão escabrosa ameaça à economia local e, mais que depressa, antes que me envolvessem numa polêmica violenta, fui ver o pessoal do Mercado. Descobri que a teoria da merdiocridade está bem mais difundida do que parecia à primeira vista. Güeba mesmo me disse a mesma coisa que Bobó, e Zé Pretinho veio buscar junto a mim alguns esclarecimentos, na companhia de Major.

— Você já viu que nunca é culpa deles, é sempre da gente?

— Não, não de vocês todos. Eles dizem que a culpa é dos outros políticos, os adversários.

— Os aniversários também, mas a gente é que eles falam mais. Você não fica escutando toda hora que o Mercado caiu, que o Mercado está nervoso, que o Mercado isso ou aquilo? Você tá vendo alguém nervoso aqui? Quer dizer tem uns nervosos mesmo, mas o Mercado aqui foi reformado e não caiu e quem está nervoso é porque deve e não pode pagar, mas aí toma umas duas e esquece.

— Mas não é ao Mercado daqui que eles querem dizer. É o mercado...

— Então é o Mercado Modelo, em Salvador. Só se é no Mercado Modelo, porque aqui ninguém tá fazendo nada pra prejudicar.

— Não é isso, é que...

— Então eles que digam qual é o mercado. Porque o Mercado daqui não tem nada a ver com a roubalheira deles. Eu também tou com Bobó, mais Major, mais Nirto, mais todo mundo aqui. Eu mesmo não faço questão, porque Deus não dá asa à cobra, mas, se votar pra presidente, vou votar naquele muderninho por nome Ciuro, que é casado com um peixão. Não vou votar por causa dele, vou votar por causa do peixão. Uma mulher daquelas possa ser um pouco magrinha demais, mas é um peixão, aí eu vou votar nela.

Mais uma circulada e pude constatar que, além dos evangélicos, muitos dos quais votarão em Garotinho, o resto ou está com Ciro, por causa de Cabeça Branca (apelido local de dr. ACM), ou está decidido a sortear o voto, ou, melhor ainda, a vendê-lo pela melhor oferta. Mas, no fundo, todos os candidatos são mesmo considerados uns merdíocres. A única candidatura garantida é a da Patrícia Pilar, aquele peixão.