A Cuckoldry Corporation num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Você já leu que agora tem corneador profissional? Aliás, corneador e corneadora, depende do caso.

— Ué, claro! Conheço muito Ricardão e muita Ricardona por aí. Aliás, hoje em dia...

— Não, cara, não é isso, é profissional mesmo. Profissional mesmo.

— Ah, garoto e garota de programa, não é? Claro também. A velha não acha quem queira dar assistência a ela e aí contrata um garoto de programa, sai até anúncio em jornal, você pensa que eu vivo no século XIX?

— Errou outra vez, não é nada disso, deixa eu falar? Tu sempre teve essa mania de achar que sabe tudo, não é nada disso, é uma novidade, uma grande inovação. Tu não sabe de tudo. Posso falar?

— Pode, pode. Eu quero saber que grande novidade é essa.

— A novidade é que agora o corneamento é uma atividade empresarial.

— Claro novamente. Tu pode dizer que a cafetina ou o cafetão são empresários, não deixam de ser, de certa forma. Se tu queria me pegar nessa, quebrou a cara, eu não nasci ontem.

— Pô, quer deixar eu falar? Deixa eu falar!

— Tá certo, não precisa brigar, eu ouço.

— Não é aqui, é no Japão.

— Também já ouvi falar. Lá tem cara que é doido por garotinha de uniforme de colégio e tem uns caras que vestem as meninas de fardinha e soltam na rua, para os otários. Viu você que eu tou por dentro?

— Ai, cacete, tu vai me deixar falar?

— Não já deixei? Você falou agora em cafetão japonês, todo mundo sabe que tem cafetão japonês.

— Não é nada disso, pô, tem é empresa especializada, tudo legalizado.

— Também tou sabendo que tem organização nesse ramo. Na Holanda tem até vale-prostituta, para os desempregados que estão numa pior e aí o governo dá uns vales a eles pra eles irem na zona e não causarem perturbação. Tu não tá contando nenhuma novidade mesmo.

— Deixa eu falar, pô! Deixa eu falar! Não é nada disso, é umas empresas que prestam um serviço muito interessante. Antes que tu abra a boca pra dizer besteira, escuta só. No Japão tem umas empresas que alugam corneadores. Por exemplo, o marido quer ser corneado e aí contrata a empresa e...

— Aqui também tem disso. Tem uns caras que gostam de ver a mulher deles transando com outro, tem suruba, tem tudo, nessa matéria até que nós somos um país muito desenvolvido.

— Não é nada disso, cara, pô, deixa eu falar! Claro que existe esse tipo de gente, eu mesmo já... Deixa pra lá, o cavalheirismo não permite. O que eu quero dizer é muito diferente. Por exemplo, o cara é rico, a mulher vira um bagulho ou então é uma jararaca. Aí o cara quer se separar e fica com medo de ter de rachar a fortuna com o bagulho dele. Aí, o que é que ele faz? Vai na empresa, dá a ficha da mulher dele toda nos mínimos detalhes e aí a empresa faz o planejamento e escolhe um cara pra paquerar essa mulher, já sabendo tudo o que agrada ela, tem que ser um profissional altamente qualificado. Aí a mulher se apaixona pelo cara e ou larga o marido — claro que desse dia em diante o profissional se pirulita e ela nunca mais vê ele — ou então o marido arma um flagra e aí facilita as coisas na hora da separação, porque o juiz leva isso em conta. Tu já percebeu o potencial desse negócio? Mas não é só isso, as aplicações são inúmeras. Outro exemplo. A mulher sabe que o marido tem uma amante, mas não quer se separar dele. Aí o que é que ela faz?

— Contrata um amante pra ela, né não?

— Tu não tem a menor visão empresarial, cara. Isso é óbvio que ela pode fazer sozinha, a não ser que seja mestiça de gambá com hipopótamo. O que ela faz é ir na empresa especializada e contratar um sedutor pra amante dele. Às vezes sai caro, mas também não é um serviço fácil, tem que ter norráu e infra-estrutura. A mulher dá os dados da amante e aí a amante é paquerada, o sedutor às vezes tem de gastar grana com presentes caros, colar de pedras preciosas, altos jantares de cem dólares a ervilha, essas coisas. Mas funciona, e as empresas vão de vento em popa. Pelo que eu entendi, já tem uma porrada delas em funcionamento, cada uma ganhando mais do que a outra. Tu pode até não gostar de japonês, mas não pode negar que é um povo extraordinário.

— É mesmo, é mesmo. Tou de queixo caído, tu tinha toda a razão, eu não fazia idéia dessa novidade.

— É, mas o brasileiro também é um povo extraordinário, tirando os políticos e mais umas duas dúzias de três ou quatro. Aliás, pensando bem, eu tenho uma proposta de negócio pra a gente discutir. O campo está aberto pra essa iniciativa no Brasil, já pensou? Tu, que não tem visão empresarial, fica na administração. Eu fico no setor de vendas e serviços, já pensou?

— É, é uma boa mesmo.

— Rapaz, fico felicíssimo vendo você concordar. Eu até já bolei um nome para a firma: Cuckoldry Corporation. Eu pesquisei com meu filho, que estuda inglês, e descobri que “c-u-c-k-o-l-d-r-y” em inglês quer dizer mais ou menos “cornidão”. Pronuncia-se “cácoldri”. Um nome inglês fica bem e, além de tudo, facilita a exportação de franquias. Tás comigo, não?

— Em princípio tou. E a gente podia incluir os sapatões e as bichas também, duvido que a japonesada já tenha bolado isso. Aí a gente...

— Retiro o que disse sobre tua visão empresarial! Daqui para as cinco, a gente já bolou tudo! Filó, mais dois chopes, enquanto eu não fico rico e nem piso mais aqui!