Tudo sob controle

(João Ubaldo Ribeiro)

As boas almas que acompanham esta coluna sabem que já me manifestei contra isso sobre o que irei manifestar-me, novamente contra. Nunca é demais, principalmente para nós, apreciadores de futebol. Não me refiro a mudanças de regras que se propunham, por exemplo, a transformar o futebol numa espécie de basquete jogado com os pés, com a partida dividida em quartos e o cronômetro parando. Coisa de americano, um povo que acha futebol um esporte chato feito para meninas jogarem e prefere assistir a beisebol, um esporte, esse, sim, chato, que consiste em um jogador mascando fumo e cuspindo para o lado, enquanto outro, acocorado, coça as partes pudendas e ainda outro brande um bastão, ao tempo em que o resto produz uma coreografia incompreensível.

Refiro-me ao imponderável, ao que querem retirar do esporte e que faz parte de seu encanto, sua magia e seu folclore. Agora estão aperfeiçoando o uso de sistemas de sensores especiais, para praticamente todos os esportes. Se a bola de tênis bater levemente fora do campo, não haverá problema. Um sensor esclarecerá a situação e um futuro herdeiro de McEnroe não poderá lançar a raquete para cima, mastigá-la e xingar o juiz. Na natação, sensores informarão se o concorrente queimou a largada ou cometeu irregularidade semelhante. E, imagino eu, coisas do mesmo jaez deverão ir ocorrendo com todos os esportes.

Pois que ocorram, se é o destino desses esportes. Lamentável — dir-se-ia — mas inevitável. Agora, para quem foi criado com futebol, já basta o impensável que vem ocorrendo ultimamente, o Brasil tomando susto com a Baixa Eslobóvia ou Buzizilândia do Norte ou, ainda, perdendo de virada para o Curiquistão. De resto, deixem o futebol em paz. Já existem projetos de sensores para tudo em futebol, não só através da reprodução imediata das jogadas em telões, como para ver se a bola realmente passou da linha de gol. É possível isso? É possível eliminar a figura do juiz ladrão? Onde e a que situação se reduzirão as torcidas vencidas? O juiz parará o jogo e esperará o replay no telão, para ver se dá falta ou não? O bandeirinha pedirá substituição da bola porque o computador nela embutido travou? Absurdo inadmissível.

Aí mesmo é que eu, que já tornei mais do que raras minhas visitas a estádios, dos quais quanto mais velho fico mais medo tenho, nunca mais vou aparecer neles. Acho que nem sequer vou querer assistir aos jogos pela televisão. Qual vai ser a graça de o time da gente perder e a gente não poder descer para o boteco impávida e encarar a torcida adversária com uma frase como “também, botando o Lalau de juiz, o que é que vocês queriam?” Em breve, com o desenvolvimento da tecnologia, acabarão tornando-se inúteis as funções hoje desempenhadas por árbitros e bandeirinhas. Vão bastar os sensores, os computadores e os telões. Isso até que algum magnata resolva que gente jogando também dá despesa e trabalho demais, passando a disputa a ser virtual.

O mundo está perdido. Agora Sua Excelência dr. Bush acaba de fazer passar pelo Congresso americano, se não me enganam as notícias que leio em jornais e revistas, a lei que cria um tal Departamento de Segurança Interna. Por lei (morda aqui, ó, mas é lei), a CIA não pode espionar cidadãos americanos, ainda mais dentro de território americano. O FBI, que é a polícia federal de lá, está restrito a crimes definidos exclusivamente em leis federais, ou qualquer coisa assim. Falta algum órgão encarregado de vigiar os cidadãos, visitantes ou residentes, que agora é criado pelo dr. Bush. Perguntará algum de vocês que mal há nisso.

Que mal há nisso é que a privacidade de ninguém no mundo estará mais garantida, até nos mínimos detalhes, como o uso do banheiro. Os americanos, sem a necessidade da ajuda do dr. Bush, já vêm marchando nessa direção há algum tempo e quem quiser que pense que, como usuário de computador, por exemplo, não tem sua vida escarafunchada o tempo todo. Em breve, sob o pretexto de ajudar o consumidor, os eletrodomésticos vão estar conectados à internet. Já existem diversos protótipos, prontos para entrar no mercado na primeira oportunidade. Oficialmente, para prevenir defeitos, até efetuar certos reparos e, enfim, dar assistência ao consumidor. Pois sim. Na máquina de lavar, por exemplo, informarão quantas cuecas você lava por semana, quanto e que sabão usa, quanta água usa e mais dezenas de coisas que, juntadas com os dados fornecidos pela geladeira, o fogão, o aspirador e quejandos, farão o retrato de toda sua vida privada, ou, pelo menos, de grande parte dela.

Haverá um certo Registro de Informação Total, que ninguém sabe direito o que é que vai ser, mas já se tem uma idéia, o qual se encarregará de manter uma ficha de cada cidadão. De câmaras de tevê, inclusive na rua, a escutadores, tudo será devidamente fuçado, se eles quiserem. E quererão, é claro. Já há empresas, nos Estados Unidos, que fazem exames rotineiros para saber, por exemplo, se funcionários seus fumam maconha em casa. Se o sujeito cumpre sua obrigação direito e é da geração riponga, que diferença faz para a empresa que ele queime um baseado no fim de semana? (Atenção, não estou propondo a legalização de nada; cartas de protesto para o editor, pelo amor de Deus.)

Perguntarão vocês o que é que nós, brasileiros, temos com isso. Ora, meus caros, se vigiam os americanos, não vigiarão a nós, caso lhes dê na veneta? Maravilhas de um mundo novo. Quem diria que, iniciado o milênio, todo mundo ia ser artista de tevê? Doravante, não facilite e faça caras e bocas até para sentar no trono, o prevenido vale por dois.