Problema social num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Eu confesso a você, hoje eu sou um homem desiludido com os aviagrados.

— Com os avinagrados? Que é que tem de avinagrado nesse bolinho de bacalhau aí? Eu também não sou muito chegado a vinagre.

— Não é avinagrado, é aviagrado. Aviagrado, com base no Viagra.

— Eu não sabia que tinha essa palavra. Pensava que Viagra era um remédio só. Tem vários agora, é?

— Não, Viagra mesmo só tem um. Mas apareceram diversos outros parecidos, uns dizem que até melhores, mais fortes, mais seguros, não sei o quê. Aí eu chamo tudo de aviagrado, pra facilitar.

— Ah, isso eu não sei porque não uso. Eu não uso essas paradas.

— Eu sei, eu sei. Tu tá batendo meia ponto cinco e não usa essas paradas. É o decano aqui do balcão e não usa essas paradas, eu sei. Tu não usa porque é viúvo e mão-de-vaca demais pra pagar uma garota de programa, é por isso que tu não usa, corta essa onda de que não precisa. Não precisa mesmo, pensando bem, quem é que ia querer um bagulho igual a tu, sem cobrar na bandeira dois? Aí tu sente um aperto no bolso e outro no coração e não usa, além de que Viagra também não é baratinho, tá tudo contra você.

— Tudo bem, eu aceito tua maledicência, tu sempre teve inveja do meu sucesso com as mulheres desde o tempo em que isso aqui nem asfalto tinha, pode falar. Pode confessar, aliás. Quer dizer que nem com Viagra o negócio funciona mais, tu chegou na decadência do império romano? Experimenta urtiga, neguinho diz que em Roma antiga o pessoal usava urtiga e funcionava.

— Qual é urtiga, cara, é uma coisa que talvez seja sofisticada demais pra tu manjar, tu só lê pule de corrida de cavalo, tá por fora do desenvolvimento. É um fenômeno social novo.

— É o quê? Quem foi que te ensinou essa? Taí, gostei. Fenômeno social novo, tá legal. Tu deve estar freqüentando algum boteco novo durante a semana, pra sair com essa. Nunca pensei — fenômeno social novo, tá legal. Tão fundando o Viagra Social Club, é isso? Na Barra, só pode ser na Barra!

— Depois o ignorante sou eu. Fenômeno social não é clube, cara, é um treco mais complexo, tu tem de sacar, é um troço que acontece na sociedade, no meio das pessoas.

— Tudo bem, não te esqueça que tu passou quase treze anos na faculdade e não se formou e eu me formei, não te mete a besta comigo também, não, qual é.

— Então não atrapalha, deixa eu falhar... Quer dizer, deixa eu falar!

— Eu deixo tu fazer tudo o que tu quiser, “deixe eu falhar” foi boa, é isso mesmo, diz aí por que tu falha, ho-ho.

— Se é pra curtir com minha cara, então não falo mais.

— Não, não, vai em frente, vai em frente. O Viagra falha e aí...

— Não é nada disso, o Viagra não falha, o que falha é a vontade, tu não fica com vontade de tomar o Viagra, isso tá rendendo umas complicações e tou vendo que vai sobrar pra mim. E pra muitos, e pra muitos! É o seguinte, o aviagrado não falha, mas tu tem que estar a fim. Tu tem de tar a fim da transa, senão não adianta.

— Isso todo mundo sabe. E daí? Tu cria um clima, bebe um copinho de vinho... Não pode beber demais, tu sabe! Pois, já me disseram que tu cria um clima, vê um filmezinho erótico, toma um copinho de vinho, tal e coisa...

— Pois é, nas primeiras vezes funciona, mas depois... Cara, tu sabe o que é 32 anos de casado? Ali, 32, batido, toda santa noite?

— Mas, com licença, desculpe eu falar, com todo o respeito, a Rosemary, pra idade... 52, 53? A Rose...

— São 32 anos de casado, cara, não tem nada que resolva isso!

— Mas, antes do Viagra, tu mesmo comentou comigo que o negócio já vinha ladeira abaixo, então ela não pode estranhar.

— Não pode? Agora mesmo é que ela estranha. Esse é o fenômeno social que eu tava falando, taí o fenômeno social, as mulheres tão se tocando disso e não tão gostando!

— Tão se tocando de quê? Que só funciona se o cara tá a fim?

— Exatamente. Antigamente tu tinha a desculpa do princípio de diabete, próstata, variz, uma porção de chutes que o urologista te ensinava, mas agora ela sabe que não tem nada disso: mandou um Viagra, funciona.

— E aí tu não toma e ela saca que é falta de vontade e aí...

— Bateu em cima, cara. Aí fica muito pior do que antes do Viagra. Ela saca e aí vem aquela encheção de saco em cima de você, que não tem quem agüente. Ah, porque ela sabe que não vale mais nada, ah, porque isso não fica assim, ah, porque ela vai descobrir com quem tu anda tomando Viagra na rua, ah, tá certo que ela é uma ruína da Babilônia, ah, não sei o quê, é um inferno!

— Deve ser mesmo, tu tem razão, eu não tinha pensado nisso, o Viagra sai pela culatra.

— Exatamente! Tudo não podia falar melhor.

— E agora, cara?

— Tou numa solução de emergência. Por enquanto, acho que vai quebrar o galho, mas tem que aparecer um Viagroton, um negócio assim. Felizmente, meu urologista me arrumou uma alergia. Viagra agora me dá alergia. Não dá nada, mas ele telefonou pra ela e garantiu que dava e vai funcionando. Mas, se ela descobre que não dá, e aí? Se tu conhecer um laboratório que leve um por fora pra dar um resultado de diabete broxante, tu me fala, que eu pago o que eles pedirem. Graças a Deus que no Brasil a gente consegue qualquer coisa, mas a ciência tem de progredir, não pode ficar criando problema social!