Pais e filhas num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— E o Messias, que tem quatro? Tu manja o Messias, um que só vem aqui de vez em quando, mas é freguês antigo. Um magrelo, de bigodinho igual àqueles bigodinhos de antigamente, um que usa camisa do América.

— Sei, sei, um que anda muito com um boné marrom, não é?

— Esse mesmo, coitado do Messias.

— Que foi que houve com ele? Botou quatro pontes de safena? Quando eu cheguei fui ouvindo tua frase sobre as quatro. Mas tá certo que botar quatro pontes não é graça, mas só aqui, olhando aqui em redor, tu vê que não é nenhuma novidade, ele até pode estar entre os últimos da lista. Tu mesmo tem quatro também, o Faustino também, o Bigode eu não sei mais nem quantas, o Márcio tem quatro e uma mamária, o Marcelão...

— Não, cara, tu tá chegando agora, tu não sabe o que a gente está falando. Não tem nada de safena, é filha. Filha, filha, filha mulher, tu manja?

— E qual é a novidade? Eu vivia querendo uma menina, mas em casa só nasceu homem e, graças a Deus, já tão criados e nenhum deu pra veado. Foi a Lúcia que me chamou a atenção. Eu tava me queixando do Robério, que tá com 25 e ainda não quer nada, só vive tomando suco, jogando videogame e surfando. Tomando suco, jogando videogame e surfando. Tomando...

— Sim tudo bem, eu conheço o Rob, tudo dia ele acorda às duas da tarde e passa por aqui com a prancha dele.

— Sim, tudo bem, mas não é isso. É que eu, acreditando em Deus e em Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, sempre agradeci só termos tido filho homem e nenhum deu pra veado. Eu não tenho nada contra veado, até curto uns papos com eles, geralmente são uns caras espertos, interessantes. Tem veado ilustre em toda a História. Os seus eu sei que não são veados, os seus filhos saíram uma perfeição de rapazes. Tem muitos grandes homens veados, eu soube até que o Lórence da Arábia era. E nenhum de seus filhos deu pra tomar injeção nem de cocaína, nem de maconha, nem de nada. Só isso já é uma bênção, como me diz o próprio Messias, nem veado nem drogado. Algum dos filhos do Messias deu pra veado? A essa altura? Coitado do Messias.

— Não, não é nada disso, o Messias não tem filho homem.

— E então são quatro lésbicas? Ai, meu Deus, coitado do Messias. Todas as quatro? Mas já se viu? Logo o Messias, de origem nordestina, vendo um espetáculo desses, realmente é triste. Num caso desses... As meninas... Agora, é fogo, mas também não é o fim do mundo, é preconceito do Messias. Eu e a Lúcia concordamos num ponto: tomara que seja homem, mas, se for invertido, não vamos discriminar um filho só porque ele é veado ou lésbica. A gente ia procurar orientação, ler uns livros, conversar com ele ou ela... Eu imagino que tu encarar a sapata com quem tua filha vai casar deve ser uma barra, mas dá pra segurar. Francamente, tou decepcionado com o Messias. O homossexual...

— Não é nada disso, cara. As meninas andam com homens mesmo. Elas são até normais demais, o problema dele é esse.

— Droga? Pírcingue na língua, tatuagem na barriga?

— Nada disso, cara, é tudo menina normal mesmo, sem essas perversões. O problema é que são quatro adolescentes, uma atrás da outra.

— E qual é o problema? Tem problema nisso? A Lúcia tem duas irmãs, o velho dela nunca sofreu nada por isso. Pelo contrário...

— Não é isso cara, é que não tem mais namoro. Quer dizer, namoro como antigamente. No nosso tempo era uma hierarquia: paquera, namoro, noivado, casamento. Tudo certo.

— Mas ainda existe a mesma coisa.

— No interior. Aqui na cidade grande, não tem mais. Agora elas primeiro ficam. Você não acha meio indecente, não, uma filha sua...

— Eu não tenho filha.

— É, eu sei e portanto você não pode falar, por inexperiência. Mas procure se colocar no lugar do pai de uma. Pra começar, qualquer namoro, em qualquer idade, deixa o cara grilado. O sujeito cria a filha com todo o cuidado, faz sacrifício, dá o melhor de si, a mãe dá toda assistência e aí vem um sacaneta de lá e mete a mão e a filha é mais dele do que de você, sacou?

— Ô, é a lei da vida.

— Pode até ser, mas ponha-se no lugar do cara que a filha vem e fala pra ele: tou ficando com o Marola hoje de noite, tá? Avisa pra mamãe. Tu já imaginou?

— Ah, já, já, deve ser duro.

— Duro? E quando eles ficam na casa do cara mesmo? O Messias se consola: “tudo bem, pior seria se ela saísse pra um motel de quinta aí, ou ficasse no carro pra ser assaltada”, essas coisas. E, de fato, ele tem razão. Mas encarar o Marola assim na cara da gente, ou então ver, como o Messias já viu, o Marola sair do banheiro com a toalha, ir todo enrolado para a cozinha, abrir a geladeira e beber água do gargalo da garrafa?

— É verdade, eu acho que não segurava essa, não.

— Segurava, segurava! O Messias também achava que não ia segurar, mas segura, são os novos tempos. Ele vai segurando. Mas esse Marola já tá enchendo as medidas.

— É cafajeste?

— Claro, e vive de uma merreca que o pai dá a ele por semana. O Messias me disse que está passando pela maior humilhação.

— Como assim?

— Toda semana ele dá um dinheiro pra Laurinha, mulher dele, com a finalidade exclusiva dele comprar camisinha, porque o fela da... Porque o Marola não tem dinheiro pra comprar camisinha. O Messias me contou isso chorando, outro dia, tu saca? Realmente, um pai dar dinheiro pra camisinha de um... Ah, deixa pra lá. Maurício, outro chope aqui, pra agradecer a meu santo!