Perigos da sexologia

(João Ubaldo Ribeiro)

Como alguns de vocês sabem, cheguei a iniciar a carreira de sexólogo, por causa de um livro que escrevi. Muito mais comumente do que se pensa, há leitores que não conseguem acreditar que se escreva sobre algo que nunca se experimentou. Volta e meia fica difícil conversar com eles. Uma vez, questionado sobre uma cena de parto contida em outro livro, encontrei dificuldade em provar que nunca tive um filho, digamos, pessoalmente — e até agora não estou seguro de que me dei bem. O interlocutor não pareceu muito convencido de que o famoso lado feminino de que hoje todos os homens têm de se orgulhar e manter com afinco, não era tão radicalmente desenvolvido em mim. O bigode, a careca e a voz grossa não se revelaram suficientes para tornar incontestáveis meus argumentos, pois, ao que tudo indicava, ele conhecia algumas boas mães de família com tudo isso e talvez mais alguma coisa. Suspeito que devo ter uma reputação meio estranha em certos círculos.

No auge da minha fama de sexólogo, a coisa andou complicada, notadamente em relação a aulas, teóricas e práticas. A gente lê que setores consideráveis da mulherada liberou geral faz tempo, mas a sensação é de que isso só acontece nos noticiários e estatísticas. A experiência, contudo, me induz a discordar. Os telefonemas de madrugada, com trilhas sonoras arrepiantes, até que podiam vir de uma tarada ou outra, mas, por exemplo, as visitas, todas de senhoras e senhoritas bem compostas e de ar equilibrado, eram bem mais inquietantes. Uma comissão (sei que talvez seja difícil de acreditar, mas recebi visitas de grupos interessados em meus préstimos) chegou a me chamar de irresponsável, por não assumir meus deveres, diante da necessidade de superar o atraso que, segundo ela, ainda impera no terreno sexual. Tentei fazer ver às militantes que certamente elas tinham razão e não seria eu quem as desmentiria, mas, infelizmente, eu não reunia condições para capitanear iniciativas redentoras, não só nessa como em inúmeras outras áreas. A História será meu juiz e espero que me avalie com clemência, ao descobrir que, talvez por minha causa, não tenha vingado o movimento “Suruba pela Paz”, que era a bandeira de um dos grupos, cujo eloqüente nome de guerra, aliás, não tenho coragem de divulgar aqui.

Já passada a crista da onda, inimizei-me sem querer com uma repórter que desejava conhecer meu pensamento sobre a pedofilia e a prostituição de menores. Disse a ela que não sabia nada do assunto e ela, com uma risadinha, não parou com as perguntas. Continuei a protestar ignorância, ela se irritou. Se eu não queria falar, que não falasse, mas pelo menos, como autoridade reconhecida, discorresse sobre a prostituição comum. Já embaraçadíssimo, voltei a confessar desconhecimento e, vergonha das vergonhas, não fui capaz de falar nada sobre os travestis da avenida Atlântica, dos quais só conversei com um faz muitos anos, numa festa não recordo onde, e que tive na conta de uma senhorita o tempo todo, para, depois da saída dele (dela?), em quem dei na despedida os dois beijinhos de praxe nas bochechas, ser unanimemente gozado pelos presentes.

Na esteira de um rosário de fracassos e decepções penoso demais para ser desfiado aqui, achei que a carreira estava esquecida, tinham finalmente descoberto que eu não passara de mais uma dessas promessas que se apresentam muito reluzentes para logo fenecer. Cruel engano. A julgar pela demanda, deve estar havendo falta de sexólogos e meu arraigado medo de telefones tem piorado bastante. Ontem, depois de um cerco que durou o dia todo, finalmente cedi e atendi a outra repórter, que nem queria saber de preliminares. Foi logo indagando se eu tinha ficado com alguma jovem recentemente. Claro, ela não citaria meu nome, era matéria confidencial. Mas, como minha reputação não deixava dúvidas, com quantas jovens mesmo eu tinha ficado nos últimos meses?

— Ficado, ficado? Como assim, ficado com jovens?

— Ficado, ficado! Não é possível que você não saiba o que é ficar. Você conhece uma moça e fica com ela, tem umas que ficam com dois ou mais por noite.

— Ah, sim, bem... Desculpe desapontar você, mas não tenho ficado com nenhuma moça. Aliás, a bem da verdade, nunca fiquei com ninguém.

— Você o quê? Não é você que vive falando contra a hipocrisia?

— De vez em quando. Mas isto não tem nada a ver com hipocrisia. De fato eu nunca fiquei, eu não fico. No meu tempo a gente não ficava e hoje em dia, sinceramente...

— Tudo bem, você é casado, deve ter suas conveniências, apesar de eu garantir seu anonimato. Mas esse discurso não cola e eu tenho que lhe comunicar que me senti muito desiludida com sua falta de autenticidade e sinceridade. Eu não queria dizer isso, porque até agora era sua fã, mas encerrei, a gente não pode acreditar em mais ninguém. Vou jogar seu livro fora, sabia?

Direito dela, o respeitável público não gosta de ver suas expectativas frustradas. Talvez isso se remedeie quando a estação de mulher pelada começar e alguma amiga minha, como outras precedentes, me peça um texto para suas fotos sem roupa. Vou torcer. Mas nuvens carregadas se avolumam no horizonte, pois não é que o primeiro convite foi para eu dar uma “demonstração de pioneirismo” e escrever para um projeto de homens pelados? Meu próximo romance vai intitular-se “Firma reconhecida” e versar sobre a vida empolgante de um tabelião de notas. Espero que o máximo que se solicite de mim seja uma carimbadinha eventual. E, pelo amor de Deus, no bom sentido.