O novo Papa num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

Eu sei que ninguém agüenta mais falar no assunto, mas tenho certeza de vai rolar papo papal novamente, sem querer fazer trocadilho. Tu também acha que a Igreja precisa de renovação, não acha, não?

— Não tenho certeza. Eu, particularmente, gostava mais do tempo da batina e do latinório, tinha mais mistério, a gente respeitava mais os padres.

— Tu tá por fora, cara, tu não tá vendo que as posições da Igreja não dão pra sustentar? É só você ler nos jornais, é a questão da camisinha, do casamento dos padres, dos homossexuais, do aborto, da ordenação das mulheres, uma porção de coisas em que a Igreja precisa se atualizar.

— Já eu acho o contrário, acho que já se atualizou demais. A Igreja não faz mais mágica, não tem mais mistério, você fala com um padreco desses de jeans, cabelão, camisa aberta no peito, tatuagem e amiguinhas, e aí procura um cara de prestígio aqui mesmo, já que prestígio no céu não deve ser com ele.

— Nunca esperei ouvir isso de você, cara, que reacionarismo horroroso! A Igreja precisa é escutar a voz do povo, precisa da participação dos fiéis.

— De acordo. Precisa de participação dos fiéis mesmo, mas os fiéis não querem ir lá para discutir reforma agrária e desemprego, eles querem ir lá para conversar com Deus e os santos, isso é o que eles querem e não deixam. Aí eles vão a uma igreja pentecostal e dão o dízimo deles na maior felicidade, porque lá tem Jesus, tem milagre, tem combate ao demônio, tem cura, tem uma porção de coisas que antigamente a Igreja tinha e hoje não tem mais.

— Que coisa mais triste essa tua posição! Os fiéis não querem nada disso, eles querem é uma Igreja sintonizada com a realidade de hoje em dia, querem ser ouvidos.

— Eles sempre puderam ser ouvidos. Ou se ajoelhavam e rezavam, ou falavam com o padre, ou se queixavam pro bispo. Sempre houve isso, embora hoje geralmente o padre prefira convidar o fiel para um drinque e trocar umas idéias sobre a conjuntura nacional e a novela das oito a ficar nessa conversa de salvação, paraíso, essas coisas que ele não revela, mas acha babaquice.

— Cara, eu estou de queixo caído com você, nunca pensei em ouvir essas idéias vindas de você, é uma decepção. A Igreja tem que acatar as posições dos fiéis, tem que mudar mesmo, acho que não há quem não concorde.

— Então tá certo, a Igreja é uma democracia. Deus se candidatou, foi eleito, precisa respeitar o eleitorado, a decisão da maioria etc. Então está certo.

— Não, agora você também já está me gozando, eu não sou idiota para falar uma coisa dessas. O que eu quero dizer...

— O que você quer dizer eu já sei. E, pensando bem, dá até pra aceitar numa boa. É uma mudança meio radical, mas admito que pode ter suas vantagens, principalmente para o Brasil.

— Cara, quantos chopes tu já tomou hoje? Tu nunca regulou direito, mas hoje tu tá demais, não tá juntando coisa com coisa.

— Não é nada disso, é que eu sou um sujeito de mente aberta. Se a maioria pensa como você, então não se vai rejeitar tudo assim de pronto, eu realmente vejo aspectos positivos nessa renovação. Me deu um estalo de repente e aí eu confirmei mais uma vez que Deus escreve mesmo por linhas tortas. Tu me conhece desde o curso primário, tu sabe que eu penso rápido. Pensei aqui e senti que, se isso que você disser puder ser plenamente realizado, será uma vitória. E uma vitória não só para o Brasil como para minhas posições.

— Eu não falei que tu não tava juntando coisa com coisa? Tu não disse que discordava das mudanças? Como é que passou a concordar?

— Velocidade de raciocínio, velocidade de raciocínio, cara, já falei. Com essa tua solução, só resta saber se o Papa pode ser escolhido entre leigos. Deve haver um jeito, porque minha idéia é que somente um certo candidato brasileiro preenche as condições e, se as normas permitirem, já tá eleito.

— Não saquei de novo, quem é esse cardeal?

— Cardeal nenhum, mas está na cara quem é. É o Lula, claro, candidato ideal. E o problema de não ser padre não existe, ele mesmo já falou que não tem pecado. Até o Papa que morreu dizia que tinha pecados, mas ele não tem, então não vai dar problema. Só com o projeto Inferno Zero, ele garante a vitória. Já imaginou tu entrar para uma igreja com a garantia de não ir pro inferno? É só pagar a Contribuição Provisória para a Salvação da Alma, tirar carteira na Comissão de Beatificação Participativa, tomar parte no Recadastramento Nacional dos Católicos e Simpatizantes e pronto, céu garantido, tu tem toda a razão, essa renovação vai ser muito positiva. E o Papa pode viajar muito, que é o que ele sabe fazer, tu tem razão, habemus papam, habemus Lulam.

— Eu sei que tu tá curtindo com a minha cara, mas o feitiço vira contra o feiticeiro. Pode não ser assim como tu diz, mas mudanças realmente seriam um benefício para a Igreja. Só que também seria uma derrota para sua posição.

— Nada disso, cara, seria minha vitória. Primeiro, ele ia aceitar logo, até porque é vitalício e é isso o que ele quer, pelo menos mais uns trinta anos por cima da carne-seca. Para o Brasil, ia ser a glória um papa brasileiro. E, para a ala dos que não querem inovação, já viu, não é? A gente conhece ele o suficiente para saber que a única inovação ia ser a abolição da bênção na Praça de São Pedro, porque ele nunca ia estar no Vaticano. E o único problema seriam as missas de improviso, mas Deus é alegria e não ia se importar com umas risadinhas durante os sermões. Você tem razão, vamos dar o comando da Igreja a ele, pra ter certeza de que não vai mudar nada. Ganhei essa, raciocínio rápido, raciocínio rápido.