O eterno feminino num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

O cara que aparecer na minha frente pra me dizer que compreende as mulheres, eu primeiro falo que ele é um mentiroso sem-vergonha e, se ele não gostar, eu meto a mão na cara dele, podes crer. Ninguém jamais entendeu, ninguém entende, ninguém jamais entenderá.

— Não sei se eu concordo. Se você pensar bem, ninguém entende o ser humano. E a mulher, como ser humano...

— Mulher não é ser humano! Tu já começa com a afirmação errada, mulher não é ser humano, é outra espécie! E que por sinal sempre se deu muito melhor do que nós e agora está se dando ainda melhor. Você sabe o que é que nós, homens, somos? Nós somos vassalos, é o que nós somos e sempre fomos! Vassalos, escravos, abaixo de escravos, propriedades imobiliárias!

— Você já deve ter chegado com umas duas no juízo, já deve ter passado no Azeitona antes de chegar aqui.

— Nada disso, meu caro amigo, estou chegando diretamente do recesso do lar, este é o meu primeiro chope e, se Deus quiser, não há previsão para o último.

— Não é isso, é porque tu até pode não ser um intelectual, mas...

— Não me xinga! Se tu me chamar de intelectual eu rompo contigo, intelectual um cacete, eu tenho horror desses caras, devia estar tudo numa fazenda, pegando na enxada e dizendo as besteiras deles às vacas. Intelectual é uma merda, intelectual...

— Tudo bem, mas você sabe perfeitamente que as mulheres sempre foram oprimidas e discriminadas. Essa liberdade é recente, é uma conquista que resultou de muita luta.

— Tudo chute! Elas sempre estiveram por cima da carne-seca! Sempre foram elas que mandaram! Eu não vou nem discutir isso com você, qualquer historiador desmoraliza o que tu falou, eu mesmo tenho um livro lá em casa que tu cai o queixo. E, além disso, não me interessa, eu não sou progressista como você, nem nesse nem em outros pontos, tu é que sempre tá querendo mostrar sintonia com as últimas do momento, tu sempre foi assim desde o “paz e amor”, desde até “a família que reza unida”, eu te conheço.

— Não, eu procuro me manter atualizado, a realidade muda, nossas opiniões também têm que mudar.

— As minhas, não! Eu continuo do tempo em que mulher não tinha direito a TPM! Aliás, nem existia TPM, era tudo considerado frescura e cólica menstrual era psicológica, tudo pra aporrinhar o homem. Aliás, mulher não fica doente, tudo é pra aporrinhar o homem. Esta é uma grande verdade, mulher não fica doente.

— Cara, tu tá me dando um susto, tu não tá falando sério. Tu deve é ter tido uma briga feia com a Solange e aí...

— Claro que eu tive uma briga, é muito simples. São 38 anos de casado, 32 morando aqui no Leblon praticamente no mesmo lugar e hoje, pela primeira vez, eu resolvi responder ao discurso que ela faz há esses 32 anos, toda vez que eu saio pro boteco. Aí não deu papo e eu já cheguei aqui nesse estado, minha pressão deve estar batendo nuns 20 por 14. E minhas duas filhas estavam lá, estava a Vanessa, minha nora, todo mundo contra mim, é claro.

— Mas então tu deve ter dito alguma coisa muito ofensiva.

— Disse zorra nenhuma! Tu já experimentou encarar um coral de jararacas te esculhambando com o que elas lêem nessas revistas que deviam ser proibidas? Nem Mussolini encarava! E era capaz de me cobrirem de porrada, não duvido nada!

— Mas que exagero, cara, tu tá transtornado, tu...

— Tou! Tou! Tou transtornado! Tou mesmo! Eu sou de outro tempo, minhas convicções são outras, que, aliás, são também a da maioria, só que todo mundo é covarde e hipócrita e fica repetindo essas babaquices pra fazer média socialmente.

—— Não é nada disso, tu tá enganado.

— Eu não tou nada enganado! O Lula tinha toda razão, quando improvisou que elas andam muito ousadas e daqui a pouco aparece uma querendo ser presidente da República.

— Ah, isso também já é preconceito demais. Aliás, a tendência é essa mesmo, já tem havido muitas mulheres governantes, a Golda Meir, a Indira Ghandi, a Margaret Thatcher... O que o Lula falou...

— ...Tá certo! Ele tá certo! É o que todo mundo pensa e não tem coragem de dizer e aí ele vai lá e fala. Aliás, eu queria lhe dizer que eu sou a favor do que ele diz e sou improvisista de primeira hora. Ele diz o que o povo pensa, é isso mesmo, só quem não gosta é intelectual e veado, que, aliás, é mais ou menos a mesma coisa, se tu for olhar bem olhado, é tudo meio boiola. Eu sou improvisista convicto. Mulher, meu amigo, deixou desencostar a barriga do tanque, tá lascado. Ele tem mais é que abrir o bocão e dizer o que todo mundo pensa ali, pão, pão, queijo,queijo.

— Mas ele não fala contra as mulheres e tem mulheres trabalhando com ele, inclusive no Ministério.

— É a política! A política é que obriga ele, ele não é burro e não vai dar essa mancada de falar contra elas. Mas duvido que ele não pense igual a mim, ele fala o que o povo pensa, essa é que é a verdade, é por isso que todo mundo gosta dele e só a baitolada intelectual e da imprensa é que não gosta. Por mim ele tá reeleito, só não tá se abandonar o improvisismo.