TEORIA GERAL DO ESTADO

mapa do site

Textos de Apoio

 

James Madison e a teoria de freios e contrapesos

 

            Talvez este modelo tão divulgado da "doutrina da separação de poderes" tenha seu fundamento mais restrito na tese formulada por James Madison nos Artigos Federalistas. Madison, esclareça-se, não tinha qualquer pretensão de ser fiel a obra de Montesquieu; o estadista norte-americano enfrentava problemas específicos de sua época e de seu país, e as idéias de Montesquieu vieram mais como inspiração que como comprometimento teórico[u1] . O pragmatismo de Madison veio se aliar ao também pragmatismo de Montesquieu.

 

            Uma revolução, no entanto, separava os dois pensadores (não só um oceano e quase um período de cem anos). A Inglaterra e a França de Montesquieu possuíam estruturas bem diferentes dos Estados Unidos de Madison. Talvez a principal diferença entre elas fosse a divisão social; as potências sociais de Montesquieu já não existiam no novo continente, nem um rei, nem uma nobreza, apenas o povo. Novas divisões sociais começavam a surgir, menos rígidas que as do antigo regime. Também novo espírito moldava a sociedade norte-americana - a tolerância, a liberdade, o pluralismo, o igualitarismo e de maneira incipiente o capitalismo (liberismo)  se contrapondo a uma sociedade dogmatizada pela religião, marcada pela hierarquia, pelo status e ainda pela homogeneidade de valores, e presa a uma economia monopolista[u2] .

 

Destaque-se não só o pragmatismo dos pensadores norte-americanos, mas as circunstâncias que levaram Madison a escrever aqueles três artigos federalistas. Pretendia convencer as assembléias estaduais a aprovar a nova constituição. Não se trata, portanto, apenas de um trabalho acadêmico (científico), mas também com efeitos políticos diretos e imediatos, preocupado, antes de tudo, em demonstrar a eficiência de sua teoria.

 

            Coube a Madison formular sistematicamente uma teoria jurídica da separação de poderes. Ou melhor, para não fazermos uma confusão terminológica, uma teoria jurídica da desconcentração da função legislativa. Madison não vai abordar o tema da natureza dos atos estatais como fez Kelsen, mas enfrentará o problema formulado por Montesquieu de que todo poder tenderá a abusar dele; abandonando, no entanto, a idéia das potências sociais e se preocupando com o exercício do poder pelos órgãos estatais, agora juridicizados.[1] Fica, no entanto, implícito nos outros artigos federalistas o temor da "tirania da maioria" e de um órgão legislativo unicameral. Cabe lembrar que a maioria que Madison, Tocqueville e Stuart Mill tanto temiam - semelhante ao temor de Aristóteles - constituía não somente a maioria quantitativa dos votos, mas a classe social dos mais pobres que é majoritária na sociedade em oposição à classe dos ricos, minoritária.

 

            Madison reproduz o mesmo modelo do governo da Inglaterra, muito embora, observasse o modelo inglês descrito por Montesquieu e não o vigente no tempo da revolução norte-americana - parlamentarista. Assim como no modelo de Montesquieu, os órgãos do processo legislativo são a câmara alta, a câmara baixa e o chefe de Estado. Fazendo as devidas adequações: a câmara dos lordes foi substituída pelo senado (representativo dos estados-membros), a câmara dos comuns foi substituída pela casa dos representantes (representantes do povo) e o rei foi substituído pelo presidente da república (com mandato determinado e submetido a eleições periódicas). Assim como Montesquieu, a preocupação de Madison era com a desconcentração do poder (ou função) legislativo; ou melhor, com um poder legislativo exercido compartilhadamente. Não se pode deixar de notar, embora Madison em nenhum instante mesmo implicitamente assim afirmasse, que esta estrutura do poder distribuído, com três órgãos participando da criação das leis, reafirma a tese do governo misto.

 

            Três aspectos ainda enfatizam a diferença entre a separação de poderes de Madison e a mesma doutrina de Montesquieu: a ênfase na representação política (e no espírito republicano[u3] ),[2] o federalismo e o presidencialismo. Aproximam-se quando Madison elabora a doutrina dos "freios e contrapesos" sobre a qual Montesquieu já havia formulado algumas considerações.

 

"Um exame, mesmo rápido, da Constituição britânica nos mostrará que os ramos legislativo, executivo e judiciário estão longe de ser separados e distintos uns dos outros".[3]


 

[1] "A acumulação de todos os poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - nas mesmas mãos, quer de um, de poucos ou de muitos cidadãos, por hereditariedade, autonomeação ou eleição, pode com justiça ser considerada como caracterizado a tirania". Cf. Hamilton, Madison & Jay. O federalista, p. 393.

[2] "seria necessário que todas as designações para as magistraturas supremas do Executivo, do Legislativo e do Judiciário tivessem a mesma fonte de autoridade - o povo". Cf. Hamilton, Madison & Jay. O federalista, p. 417.

[3] Madison segue apresentando exemplos desta interferência mútua entre os poderes, que Montesquieu já havia feito singelamente. Cf. Hamilton, Madison & Jay. O federalista, p. 393.