TEORIA GERAL DO ESTADO

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PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Ana Carla Di Pace

 

1. Aristóteles e a separação das funções do estado na Grécia antiga; 2. Do modelo americano; 3. Da separação dos poderes segundo Montesquieu; 4. Da separação dos poderes por Locke; Conclusão.

 

 

 

A concepção da separação dos poderes surge neste contexto, principalmente através de LOCKE e MONTESQUIEU. Posteriormente esta concepção seria enriquecida através da experiência dos Estados Independentes da América do Norte.

A concepção da separação dos poderes, de fato, só poderia surgir e ser aceita em um contexto de uma sociedade pluralista, de tolerância, de relações sociais amistosas, de entendimento mútuo, de diálogo e de humanização, e jamais em um ambiente de constantes conflitos.

 

 

ARISTÓTELES E A SEPARAÇÃO DAS FUNÇÕES DO ESTADO NA GRÉCIA ANTIGA

 

ARISTÓTELES não chegou a formular uma teoria acerca da separação das funções do Estado, mas já na Grécia Antiga, distinguiu que o governo se dividia em três partes: a que delibera acerca dos negócios públicos; a segunda, que exerce a magistratura (uma espécie de função executiva); e a terceira é a que administra a justiça. Estas três partes do governo discriminadas por Aristóteles guardam estreita semelhança com as modernas funções e ou poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A importância dada ao funcionamento destas ”três partes do governo” é semelhante ao conferido aos três poderes, modernamente, ou seja, de elemento básicos de uma sociedade politicamente organizada. Diz Aristóteles.

Realizada a distinção das funções do governo, Aristóteles tratará da composição destas funções. A ênfase dada na composição das funções do Estado ou do governo é um elemento fundamental de diferenciação, com as modernas concepções da separação das funções ou poderes do Estado, de Montesquieu, de Locke e do modelo americano, nas quais a ênfase é nas relações entre os três poderes, sem evidentemente, desprezar os aspectos constitutivos das funções do poder.

 

 

DO MODELO AMERICANO

 

MADISON, nos artigos no. 47 e 48 da obra “O Federalista” trata especificamente do tema da Separação dos Poderes.

Observa MADISON que na estrutura do Governo Federal não foram separados os ramos Legislativos, Executivos e Judiciários, o que seria essencial para a preservação da liberdade. A concentração de todos os poderes Executiva, Judiciária e legislativa nas mãos de um, de poucos, de muitos cidadãos “por hereditariedade, autonomeação ou eleição“ constitui verdadeira tirania.

À época, criticava-se a estrutura do Governo Federal por não ter realizado uma separação dos ramos Executivo, Legislativo e Judiciário na Constituição. Estas críticas era fundamentadas na obra de MONTESQUIEU, especificamente no “Do Espírito das leis”. Nesta obra, o filósofo francês teria exposto que nenhum dos poderes poderia exercer qualquer atribuição ou função que coubesse essencialmente aos demais poderes; assim o Legislativo não poderia julgar em nenhuma hipótese, o Executivo não poderia elaborar leis em nenhum caso e o Judiciário não poderia fiscalizar a aplicação das leis, tarefa afeta ao Executivo. Esta concepção consistiria numa completa e absoluta separação de poderes, segundo afirmava esse crítico.

Entretanto, MADISON defende a Constituição dizendo que, na verdade, a absoluta separação dos poderes, na prática, não existe. Em todas as nações e Estados onda há a separação dos poderes, por vezes, um poder exerce uma função que, em princípio, caberia aos demais poderes. Sustenta ainda que MONTESQUIEU teria sido mal-interpretado. A melhor interpretação de MONTESQUIEU acerca da separação dos poderes não poderia se restringir a uma interpretação literal do texto, mas deveria analisar as fontes de pesquisas do filósofo e a realidade da aplicação do princípio da separação dos poderes.

MONTESQUIEU se baseara na Constituição inglesa, para formular sua teoria e esta como as constituições de todos os Estados onde os três poderes são separados, por vezes, um poder pode exercer atribuições dos demais e vice-versa. Na Constituição britânica da época, o magistrado integrava a autoridade legislativa. Ele tinha a incumbência privativa de celebrar tratados com nações estrangeiras, e estes tratados em determinadas situações passam a ter força de lei. Cabia-lhe a nomeação de todos os membros do Judiciário, removê-los ou então: “... vindo as duas Casas do Parlamento, e convocá-los, quando achar conveniente, para constituírem um de seus conselhos constitucionais. Um ramo do Legislativo representa também um grande conselho constitucional para o dirigente executivo, bem como, por outro lado, é o único depositário do Poder Judicial em casos de impeachment” (MADISON).

O magistrado executivo é ainda investido da suprema instância de apelação em todos demais casos e os juízes estavam intimamente vinculados ao Legislativo para participarem de suas deliberações, embora não tivessem direitos a voto.

O poder é, por natureza, usurpador e corrompe a vontade humana transformando um democrático num tirano. Verificamos, anteriormente, através da análise das Constituições dos Estados americanos que na prática só existem uma separação de poderes relativa, parcial, nunca absoluta. Constatamos outro assim desta análise que há desequilibro na relação entre os três poderes. Não é suficiente dispor no papel acerca das atribuições discriminadamente de cada um dos poderes, mas é imprescindível algum mecanismo que garanta, na prática das relações entre os três poderes, o respeito à esfera de atuação específica de cada poder determinada na constituição; este mecanismo consiste nos freios e contrapesos.

Numa democracia, onde o povo exerce diretamente as funções legislativas – modelo democrático proposto por Aristóteles, democracia grega – é extremamente perigosa a atuação do Legislativo, “que: “...está constantemente exposto, por sua incapacidade para deliberar regularmente e aplicar medidas, às intrigas ambiciosas de seus magistrados executivos – é de temer-se que a tirania surja em uma emergência favorável no mesmo quadrante”.

Já numa república representativa, a esfera de atuação do Executivo é mais precisamente delimitada: “onde o Legislativo é exercido por uma assembléia, credenciada por uma suposta influência sobre o povo e com uma absoluta confiança em seu poderio; sendo suficientemente numerosa para perceber as tendências que atuam sobre a massa, mas não tanto que se torne incapaz de perseguir os objetivos de suas ambições, utilizando os meios prescritos pela razão – é contra os abusos deste legislativo que o povo deve orientar suas suspeitas e concentrar todas as suas precauções”.

 

 

DA SEPARAÇÃO DOS PODERES SEGUNDO MONTESQUIEU

 

MONTESQUIEU trata do tema da separação dos poderes do Estado na sua obra “Do Espírito das Leis”, no livro décimo primeiro.

Para MONTESQUIEU, o princípio da Separação dos Poderes é uma decorrência da liberdade. Para assegurar a liberdade na vida social, dentro do Estado, é imprescindível a Separação dos Poderes do Estado.

A liberdade democrática consiste em o povo fazer o que quer, no entanto, a liberdade política impõe a consideração da liberdade dos demais membros da sociedade. No Estado, ou seja, na sociedade em que há leis, a liberdade não pode consistir em fazer o que se quer individualmente, mas o que se quer coletivamente. Através dos representantes, o povo expressa sua vontade como uma unidade política e são elaboradas leis visando atender a este conjunto de vontade que pretende representar a vontade geral ou majoritária de uma dada sociedade.

As leis, portanto, é que informa o que se deve querer e quando se pode ser constrangido a fazer o que não se deve desejar.

Liberdade para Montesquieu é o direito de fazer tudo o que as leis permitem ou não proíbem. Assim, a liberdade política é mais restrita que a liberdade moral.

Segundo MONTESQUIEU, na democracia e na aristocracia, onde o povo possui uma maior independência de vontade, não há verdadeira liberdade. A liberdade política só seria encontrada nos Estados Moderados, todavia, mesmo nestes, por vezes, não existe, quando ocorre o abuso do poder. A experiência histórica demonstra que sempre que o homem tem poder, sua tendência é abusar dele até onde encontrar limites. A experiência histórica também demonstra que o meio mais eficaz de impor limites a um poder é através de um outro poder de igual força. Assim é que MONTESQUIEU sintetiza: “... Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. Uma constituição pode ser de tal modo, que ninguém será constrangido a fazer coisas que a lei não obriga e a não fazer as que a lei permite”.

Em regra, os Estados possuem um mesmo objetivo, o de manterem sua independência, o que só pode ocorrer se mantida a estabilidade, a unidade interna.

Assim, os Estados, em geral, tem por objetivo a manutenção de sua liberdade política.

Para Montesquieu, quem detinha o poder acabava por abusar dele. Partindo dessa premissa, ele escreveu sua teoria visando uma divisão de poderes, uma separação de funções. Assim, dividindo o poder em grupos distintos, cada órgão melhor exerceria suas funções, fazendo com que o poder limitasse o próprio poder.

            Dividindo o poder, temos aquele que produz as normas, o poder que as administram de acordo com os limites traçados pelo primeiro, e o que decide de maneira singular os atos particulares com vistas às normas gerais. O Executivo e o Judiciário respondem pela aplicação da lei. Já o Legislativo é quem dita os rumos a serem seguidos pelo povo e pelo Estado.

            É importante lembrar que esta distribuição de funções foi elaborada para que cada órgão melhor desempenhasse a sua atividade, porém, em harmonia com a atividade de outro, independentemente. Isto não quer dizer que esta distribuição de funções e independência entre órgãos seja absoluta. Existem interferências entre os poderes do Estado, para que haja um controle recíproco de suas atribuições, visando ao equilíbrio entre si.

DA SEPARAÇÃO DOS PODERES POR LOCKE

 

O maior objetivo de o Homem ingressar na sociedade é o gozo da propriedade em paz e segurança. A lei é o instrumento que possibilita a proteção deste bem e o poder que as elabora – Legislativo – é, por conseguinte, a primeira positiva e fundamental e de todas as comunidades. Nenhuma lei pode ser elaborada por outro poder, pois a função de legislar é privativa do legislativo. É o que diz LOCKE: “Esse poder Legislativo não é somente o poder supremo da comunidade, mas sagrado e inalterável nas mãos em que a comunidade uma vez o colocou; nem pode qualquer um e dito de quem quer que seja, concebido por qualquer maneira ou apoiado por qualquer poder que seja, ter força e a obrigação da lei se não tiver sanção do legislativo escolhido e nomeado pelo público; porque sem isto a lei não teria o que é absolutamente necessário à sua natureza de lei; o consentimento da sociedade sobre a qual ninguém tem o poder de fazer leis senão por seu próprio consentimento e pela autoridade dela recebida”.

Entretanto, o Legislativo não pode ser um poder arbitrário sobre a vida e a fortuna das pessoas, pois que sendo um pode formado pelo conjunto dos membros da comunidade, não pode constituir poder maior do que essas pessoas possuíam antes de entrarem para a comunidade, "por que ninguém pode transferir a outrem mais poder do que possui, e ninguém tem poder arbitrário absoluto sobre si mesmo ou sobre outrem, para destruir a própria vida ou tirar a vida ou a propriedade de outrem" (LOCKE).

O poder Legislativo não pode aturar através de decretos extemporâneos e arbitrários, devendo exercer sua função através de leis promulgadas, fixas e por juízes autorizados, conhecidos. As leis devem ser escritas e claras para que não causem incerteza na sua interpretação e aplicação. Os homens entram para sociedade de terem segurança, pois que no estado natural, a interpretação e aplicação da lei da natureza, sendo livre causava uma multiplicidade de conflitos e interpretações, o que resultava em insegurança.

O poder supremo, o Legislativo, não pode tirar do Homem o seu direito de propriedade, pois que o objetivo de entrar em sociedade é o de preservá-lo, não poderia, contraditoriamente, reduzir o seu alcance. Por isso, é aconselhável que o Poder Legislativo seja permanente para que a cada legislatura se faça uma avaliação dos representantes que foram arbitrários, que utilizaram o Poder legislativo indevidamente.

Os governos, é verdade que necessitam de recursos financeiros para sustentar suas atividades, sendo, por conseguinte, imprescindível que os impostos sejam pagos na proporção necessária para mantê-los e de acordo com as possibilidades de cada um; contudo, é mister o consentimento da maioria direta ou indiretamente ou por seu intermédio de seus representantes. Aqueles que não obedecerem estes princípios violarão a lei fundamental da propriedade e solaparão as bases do governo.

Somente o povo é titular do Poder Legislativo e, portanto, somente o povo pode delegar o poder. Aquele que é delegado do povo – os seus representantes – não podem, por conseguinte, delegar o poder de legislar. É neste sentido que LOCKE diz que: “Sendo o poder legislativo derivado do povo por concessão ou instituição positiva e voluntária, o qual importa em fazer leis e não em fazer legisladores, o legislativo não terá o poder de transferir a própria autoridade de fazer leis, colocando-a em outras mãos“ (LOCKE).

O Poder Legislativo deve apenas elaborar as leis, mas não executá-las. Se o Poder Executivo pudesse executar as leis, com o tempo somente iria elaborar leis de seu interesse, e conseqüentemente, distintos do interesse da comunidade. Assim, a função de zelar pelo cumprimento das leis deve caber a um outro poder, denominado Executivo.

O terceiro poder é denominado Federativo e exerce uma espécie de relações internacionais, para evitar a ocorrência de conflitos, resolvê-los de forma pacífica. Os Estados independentes mantém uma relação de estado de natureza uns em relação aos outros, já que cada um possui um ordenamento jurídico próprio, daí a necessidade do Poder Federativo, o qual tem por fim a gestão da segurança e o interesse público fora da comunidade.

Os poderes Executivo e Federativo devem ser exercidos pela mesma pessoa, pois que possuem natureza similar; este consiste na ação do Estado no âmbito externo, nas relações internacionais, enquanto que aquele executa leis municipais da sociedade dentro dos limites da comunidade e dos que a integram. Colocar estes dois poderes em mãos de pessoas diferentes ocasionaria “desordem” e “ruína” (LOCKE), pois que como ambos exigem “a força da sociedade para seu exercício, é quase impraticável colocar-se a força do Estado em mãos distintas e não subordinadas”.

 

 

CONCLUSÃO

 

O tema da Separação dos Poderes é um dos temas mais atuais em termos de Teoria Geral do Estado e da Constituição. Uma discussão sobre o Estado que não passe por este tema, estará fadada ao fracasso e, conseqüentemente, ao desperdício de tempo.

Com base na inter-relação entre os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, é que o Estado é estruturado e pode desenvolver suas atividades.

Modernamente, o maior problema, na discussão deste tema é o de delimitar a esfera de atuação de cada poder, bem como os pontos de contato e de comunicação ente os três poderes.

A tripartição de funções no Estado é princípio que remonta à Antigüidade helênica, com Heródoto e Aristóteles, e depois com Cícero e John Locke, tendo sido definitivamente sistematizado por Montesquieu.

Madison pregava a necessidade de disciplinar o relacionamento entre as funções do Estado, mediante um sistema de freios e contrapesos (checks and balances), a fim de estabelecer uma interdependência entre elas. Tal interdependência autoriza a qualquer das três funções do Estado exercer atribuições naturalmente peculiares a um dos restantes, sem ferir, com isso, a Constituição. Assim é que, se tomarmos como exemplo a Constituição brasileira, veremos que o Poder Executivo pode legislar, o Legislativo julgar e o Judiciário legislar, a partir do momento em que cada tribunal elabora seu regimento interno.

Assim, a expressão separação de poderes tem significado meramente político, porque juridicamente é equivocada. Não há, em verdade, separação de poderes no Estado, porque o poder político é, naturalmente, uno, indivisível. Daí preferirmos o termo função. O próprio Montesquieu, cuja obra Do Espírito das Leis se fez conhecida principalmente por ser considerada pioneira na doutrina da separação de poderes, jamais afirmou existirem três poderes no Estado devidamente separados; doutrinou, isto sim, pela necessidade do equilíbrio entre os poderes, inspirando o princípio dos freios e contrapesos, já mencionado, para ingleses e norte-americano, de forma que cada poder limitaria os demais. Na verdade, como assinala o eminente publicista Hely Lopes Meirelles, os apressados seguidores de Montesquieu deturparam seu pensamento, passando a falar em divisão e separação de poderes, como se estes fossem estanques, quando é certo que o Governo é resultante da interação dos três poderes do Estado.

Em todo governo, há três poderes essenciais; a cada qual o legislador prudente deve atribuir o posto mais conveniente. Quando tais poderes são bem ordenados, o governo segue bem naturalmente e de suas diferenças resultam, também, as diferenças do governo. O primeiro destes três poderes é o que delibera sobre os negócios do Estado. O segundo compreende todas as magistraturas ou poderes constituídos, quais sejam, aqueles de que o Estado necessita para agir, suas atribuições e a maneira de as realizar. O terceiro abrange as funções jurisdicionais.

Um estudo destas teorias poderia, por exemplo, auxiliar na solução adequada para a polêmica da atuação normativa do Executivo através de medidas provisórias. Por solução adequada não pretendemos dizer uma solução definitiva, com status de verdade absoluto, mas uma solução fundamentada que, por sua coerência, possibilite uma maior aceitação.