'Não haverá refúgios no País'
Cientista brasileiro no IPCC explica que efeitos
ainda piores do aquecimento serão sentidos em
todo o Brasil
Lígia Formenti
Os efeitos do aquecimento global no Brasil serão
sentidos de Norte a Sul do País. O aumento da
temperatura virá acompanhado de uma série de
ameaças: prejuízos econômicos, com a queda de
produção das maiores commodities; extinção de
espécies da fauna e da flora; maior exposição
das cidades litorâneas, provocadas pelo aumento
do nível do mar. A descrição feita pelo
pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) José Antonio Marengo, um dos
cientistas que participaram do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas
(IPCC), é de fazer inveja a roteiristas de filmes
de catástrofes. “Não haverá refúgios climáticos.
Todos vão sentir.”
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, admite
que o País não está preparado para as conseqüências
das mudanças climáticas. “O que é mais dramático:
nenhum país está.” O ministério encomendou
sete estudos detalhados sobre os efeitos do
aquecimento. Entre eles, uma análise minuciosa
dos efeitos no Brasil, os reflexos do aumento da
temperatura na faixa costeira, nas ilhas. Também
serão avaliadas as correntes marítimas e peixes,
o reflexo do aumento do nível do mar e os corais.
A partir dos resultados, esperados para o próximo
mês, o ministério espera adotar medidas para
reduzir ou, na pior das hipóteses, para se
preparar para a nova realidade.
Um dos trabalhos é conduzido por Marengo. O
estudo estima que até o fim do século a
temperatura na Amazônia aumente 8 °C, numa visão
pessimista - 5°C a mais que a média mundial
esperada. A região Sudeste registraria aumento médio
de 5°C.
A Amazônia viraria cerrado. Entre 10% e 30%
desapareceria, junto com várias espécies de
plantas e animais. No Sudeste, haveria aumento de
chuvas, grande circulação de ventos, veranicos e
maior propensão a desastres naturais. Na região
costeira, as cidades mais vulneráveis seriam
Recife e Fortaleza, com a subida do nível do
oceano.
RAPIDEZ ASSUSTADORA
Cientistas brasileiros preocupam-se com a rapidez
com que o aquecimento vem ocorrendo. “Cenários
que prevíamos para os próximos 15 anos podem se
concretizar em 2 ou 3”, afirma o pesquisador da
Embrapa Eduardo Assad, co-autor de um estudo sobre
os efeitos na agricultura.
A preocupação é tamanha que anteontem, um dia
antes da divulgação do relatório, ele e
integrantes de uma rede de 30 laboratórios de
pesquisa fizeram uma reunião para tornar mais ágeis
os estudos e propostas de solução. “O que
pretendíamos fazer com calma agora terá de ser a
toque de caixa”, constata.
Pelas projeções iniciais do estudo, desenvolvido
numa parceria com Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e o Instituo Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), com base em dados do
IPCC de 2001, o aumento da temperatura global
atingiria a produção de dois dos principais
produtos da agricultura nacional: soja e café.
Num cenário mais pessimista, o aumento da
temperatura levaria à redução de 70% da
produtividade de soja. O café ficaria restrito a
áreas menos quentes. O arroz e o milho sofreriam
queda de produtividade de 30%. Entre as propostas
para enfrentar esses efeitos, está o
desenvolvimento de uma nova geração de sementes
transgênicas, mais resistentes. “Uma das idéias
é analisar espécies do cerrado, para identificar
quais os genes destas plantas responsáveis pela
resistência ao clima”, conta Assad.
“Mas há outras propostas em análise. Como a
adoção de práticas para reduzir a erosão.”
Hoje, milhares de hectares usados para plantação
de grãos são usados apenas quatro ou cinco meses
no ano. “É imprescindível que tais áreas
fiquem cobertas. A vegetação é essencial para a
retenção da água naquele espaço de terra.”
Assad cita ainda a inclusão de culturas que
auxiliassem o seqüestro do carbono, como o
eucalipto ou o milho, dendê e feijão. Tanto
eucalipto quanto o dendê citados pelo pesquisador
são mais eficazes na captação de carbono que
plantações de soja ou feijão. “Faríamos
associação de culturas economicamente
importantes com outras que evitem o
aquecimento.”
SIMBIOSE E EXTINÇÃO
O pesquisador do Inpe Carlos Nobre também há
anos dedica seus estudos aos efeitos provocados
pela mudança na temperatura global. Em seus
estudos, ele observa que a região Centro-Leste da
Amazônia é a que apresenta maior potencial de
sofrer com o aumento das temperaturas globais.
Atualmente, conta, as chuvas já são menos
abundantes.
Nobre observa que, na região há um número
significativo de animais que desenvolveram uma espécie
de “simbiose” com a região que vivem. “Se
houver a savanização, muitos deles poderão ser
extintos. E o triste é que algumas das espécies
vivem apenas em determinadas regiões da Amazônia.”
Em outras palavras: há o risco de, com a mudança
do clima, desaparecerem espécies que hoje nem
mesmo são conhecidas pelos cientistas. “Seria
um estrago enorme. Sobretudo se levarmos em conta
que há suspeitas de que em toda Amazônia existam
plantas e espécies com grande potencial econômico.
Seria uma perda de uma riqueza que nem chegamos a
conhecer.”
Os efeitos do aquecimento em outras regiões já
começam a ser sentidos. Nobre cita o exemplo de
um anfíbio, batizado de Arlequim, que vive nos
Andes. Com a mudança do microclima, essas espécies
acabaram desenvolvendo fungos na pele.
Desapareceram.
Todos são unânimes em afirmar que o combate ao
desmatamento é tarefa número 1 a ser perseguida
no País. Sem falar na adoção de modelos de
energia limpa, renováveis, que reduzam a emissão
de gás carbônico na atmosfera. Neste aspecto,
afirmam, o País tem apresentado bons resultados.
Como biocombustíveis. “Mas é preciso ampliar a
oferta de matrizes energéticas”, constata
Nobre.
Para ele, não há um modelo único a ser seguido.
“Hidrelétricas sempre tão elogiadas podem
muitas vezes emitir mais gases que provocam efeito
estufa que uma termelétrica.”
Como exemplo, ele cita a usina de Balbina, ao
norte de Manaus. “Ela produz uma quantidade mínima
de energia. E sua construção foi à custa de um
desmatamento de grandes proporções na região”,
recorda. “Pois as árvores que entraram em
decomposição, no fundo do lago, produzem gás
metano, tão prejudicial para o ambiente quanto
uma termelétrica”, completa.
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