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Círculo de Viena
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA

Quarta Unidade - SÉCULO XX:

  • Círculo de Viena;
Por Antônio Rogério da Silva

A atmosfera filosófica dos países de língua alemã no século XIX esteve impregnada pela tradição idealista dos românticos Fichte, Schelling e Hegel. Esses autores não se satisfaziam com a simples descrição de como as coisas acontecem no mundo e procuravam, então, obter o pleno entendimento dos fenômenos através da descoberta de suas causas metafísicas, inacessíveis pelo método indutivo das ciências. Não obstante esse predomínio intelectual, alguns físicos, entre eles Gustav Robert Kirchhoff (1824-1887) - cuja pesquisa descrevia as reações fotoquímicas dos elementos - e Ernst Mach (1838-1916) - físico e filósofo empirista radical -, protestaram contra tal tendência de buscar um porque de todas as coisas. Para esses autores não haveria um agente metafísico que fosse responsável pelos acontecimentos, motivo pelo qual passaram a descrevê-los em termos de leis empíricas.

O positivismo decorrente dessa postura procurou livrar a pesquisa científica dos encargos metafísicos acerca de um suposto "porque" de algo acontecer. Nas primeiras décadas do século XX, já era possível fazer frente às concepções idealistas de um modo mais evidente. Em 1924, o filósofo alemão Moritz Schlick (1882-1936) reuniu em torno do seminário que organizava na Universidade de Viena os filósofos e cientistas de inspiração empirista para debaterem os critérios de verdade e pesquisa mais compatíveis com o método científico. Lá já estavam o físico Philipp Frank (1884-1966), o filósofo Otto Neurath (1882-1945) e o matemático Hans Hahn (1879-1934), aos quais se juntaram com o tempo Rudolf Carnap (1891-1970), Herbert Feigl (1902-1988), Friedrich Waismann (1896-1959), entre outros. Participavam ainda do grupo, sem no entanto serem filiados, Ludwig Wittgenstein e Karl Popper (1902-1994), que logo foi considerado "a oposição oficial" ao Círculo de Viena (1).

Em linhas gerais, esses pensadores tinham em comum uma nova concepção filosófica fundada apenas nas descobertas de uma investigação daquilo que fosse possível de ser conhecido, deixando de lado tudo que resultasse de crenças injustificadas ou de suposições metafísicas. Ao tentar unificar as ciências sob um método considerado correto, procediam à análise da linguagem científica e sua estrutura teórica. Por conseguinte, procuravam fazer uso de uma lógica formal, desenvolvida a partir da obra do matemático alemão Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848-1925) e do lógico inglês George Boole (1815-1864). A análise feita deveria adotar como regra o princípio da verificabilidade ou verificação, pelo qual se distinguia as sentenças significativas do ponto de vista factual através da possibilidade de verificação. Dependendo das condições observadas a proposição poderia ser aceita como verdadeira ou rejeitada como falsa. Essas idéias foram defendidas e divulgadas na revista Erkenntnis (Conhecimento), a partir de 1930. Mas com a morte de Schlick o grupo se desfez, já desgastado que estava com as repercussões contrárias a sua postura positivista.

Lógica, Ciências e Linguagem

Longe das discussões metafísicas a lógica pôde avançar além do ponto que Aristóteles havia deixado o silogismo como principal modelo de inferência. Os trabalhos pioneiros de Boole e de Frege apresentaram uma vinculação direta entre a lógica e a matemática que permitiram considerar as sentenças da linguagem como uma interface humana para estruturas mais simples que poderiam ser aplicadas a outras máquinas computadoras, cujos primeiros projetos só se tornaram possíveis graças a esta aproximação inédita. Boole publicou dois livros fundamentais para incorporação da lógica à matemática: o primeiro, Análise Matemática da Lógica (1847), e o segundo, Investigação sobre as Leis do Pensamento (1864). A realização desse projeto permitiu que fosse criada a chamada álgebra de Boole de ordem binária, isto é, quando as variáveis só podem assumir apenas dois valores excludentes, ou verdadeiro (1) ou falso (0), tendo como operadores a conjunção (^) - também interseção - , a disjunção (v) - ou união - e a negação (¬). Ao respeitar os axiomas de associatividade [a ^ (b ^ c) = (a ^ b) ^ c; a v (b v c) = (a v b) v c]; comutatividade [a ^ b = b ^ a; a v b = b v a]; distributividade [a ^ (b v c) = (a ^ b) v (a ^ c); a v (b ^ c) = (a v b) ^ (a v c)]; identidade [a v 0 = a; a ^ 1 = a] e complementação [a v a' = 1; a ^ a' = 0], a álgebra de Boole estaria apta para simular qualquer cálculo das proposições feitas sobre essa estrutura, tal como o pensamento de um ser racional.

No mesmo ano em que Nietzsche editava Assim Falou Zaratustra, 1884, Frege apresentou sua definição lógica de número ao demonstrar também a fundamentação lógica das leis da aritmética, no seu livro Os Fundamentos da Aritmética. Para isso, Frege procurou separar todos os aspectos psicológicos de sua investigação daqueles meramente lógicos e tudo que fosse subjetivo do que fosse objetivo. Toda busca pelo significado das palavras deveria ser feita no contexto da proposição e não fora desta tendo em vista a distinção clara entre conceito e objeto (2). Nesse sentido, Frege chegou à conclusão de que todas as leis da aritmética são juízos analíticos e a priori, ao contrário do que havia afirmado Kant. Pois essas leis não seriam aplicáveis a coisas exteriores, mas sim aos juízos que são feitos sobre tais coisas. Por conseguinte, ao tratar das conexões entre esses juízos, as leis da aritmética também estariam lidando com as leis da natureza, que nada mais são do que juízos sobre o mundo exterior. Sendo assim, para que uma lei da natureza pudesse ser considerada válida seria necessário saber se seu respectivo juízo fora inferido de forma válida do ponto de vista lógico. Destarte, Frege inaugurou uma nova forma de investigação analítica das leis naturais, partindo da maneira pela qual suas proposições são elaboradas.

A guinada radical dada por Frege à lógica clássica, agora simbólica, passando dos silogismos ao estudo da formulação de proposições, tal como em Boole, permitiu aos filósofos encontrar a certeza das leis empíricas que não podiam ser fornecidas pela fenomenologia metafísica dos idealistas. Carnap estabeleceu, por sua vez que a única tarefa legítima da filosofia das ciências seria o esclarecimento das estruturas da linguagem científica e da matemática, a partir de Sintaxe Lógica da Linguagem (1934). Além das leis quantitativas que descrevem as experiências por meios de uma quantidade numérica - como, por exemplo, "todos pregos que contém ferro são atraídos ao extremo de uma barra que tenha sido magnetizada" -, Carnap postulava leis qualitativas mais simples que se expressariam na forma lógica de uma implicação ("se x, então y"). Uma explicação científica deveria seguir essa forma de propor leis e não acrescentar entidades metafísicas que nada acrescentem ao conhecimento, como espírito absoluto, ou enteléquias (efetivação da potência das coisas) aristotélicas.

(...) O ponto que eu desejo enfatizar é este: não é suficiente, para os propósitos de uma explicação, simplesmente introduzir um novo agente, dando-lhe um novo nome. Você precisa também fornecer leis.
(...) Da noção de uma enteléquia [ou qualquer conceito metafísico] não extraímos novas leis, ela não explica mais que uma lei geral já disponível. Não nos ajuda nem mesmo a fazer novas previsões. Por essas razões não podemos dizer que nosso conhecimento científico foi ampliado. O conceito de enteléquia, a primeira vista, pode acrescentar algo a nossas explicações; mas quando a examinamos mais profundamente, vemos que é vazia. É uma pseudo-explicação (CARNAP, R. An Introduction to the Philosophy of Science, cap. 1, pp. 15-16).

O primeiro Wittgenstein influenciou Viena, mas o segundo foi influenciado pelo CírculoWittgenstein participou do Circulo de Viena na época em que apresentava o Tratado Lógico-Filosófico como tese de doutorado em Cambridge (1929). Um ano depois se afastou do seminário vienense e começou a escrever suas Investigações Filosóficas (1953), que só vieram a ser publicadas, depois de sua morte, ocorrida em 1951. O Tractatus foi escrito na esperança de ter elucidado todos os problemas aos quais as soluções da filosofia tradicional tinham gerado equívocos típicos de um uso impróprio da linguagem. Assim, o objetivo era encontrar as condições que deveriam ser satisfeitas para que se empregasse uma linguagem logicamente perfeita. Na linha de pesquisa que veio a ser adotada pelo Círculo de Viena, Wittgenstein terminou sua colocação da forma simbólica perfeita de uma lógica linguística defendendo a separação de tudo que fosse místico, ou sem sentido e significado preciso.

O método correto da Filosofia seria o seguinte: só dizer o que pode ser dito, isto é, as proposições das ciências naturais - e portanto sem nada que ver com a Filosofia - e depois, quando alguém quisesse dizer algo metafísico, mostrar-lhe que nas suas proposições existem sinais aos quais não foram dados uma denotação. A esta pessoa o método pareceria ser frustrante - uma vez que não sentiria que lhe estávamos a ensinar Filosofia - mas este seria o único método estritamente correto (WITTGENSTEIN, L. Tratado Lógico-Filosófico, 6.53, p. 141-142).

Círculo Partido

Popper participou do Círculo de Viena apenas como ouvinte, apresentando alguns artigos para publicação em seus veículos de divulgação. De fato, nunca se vinculou a esse seminário como membro efetivo. Seu primeiro contato aconteceu por intermédio de Hans Hahn, em 1926. Na época, Popper interessou-se pelas conferências e obras de Neurath, Carnap e Wittgenstein. E, apesar de suas críticas ao positivismo dos vienenses, recebeu incentivo de Herbert Feigl para publicar suas impressões.

Logo em seu primeiro livro, Lógica da Pesquisa Científica (1934), Popper criticou o positivismo lógico por levar fatalmente a um solipcismo, à visão exclusiva da perspectiva subjetiva de um indivíduo sobre o mundo. O passo que conduziria a essa condição decorre de uma concepção ingênua de que "o mundo não é, pois, nada senão as minhas impressões sensoriais" (3). A oposição de Popper ao Círculo concentrava-se nessa interpretação introspectiva da percepção das coisas. Popper defendia uma postura mais realista que evitasse esse retorno subreptício a uma metafísica idealista que radicalizava as sensações, a ponto de tornar o mundo percebido pelo sujeito como sua própria criação particular, posto que não haveria nada mais de certo além dessa percepção. O realista crítico, ao invés de considerar tudo falso ou enganador, partiria para construção de hipóteses passíveis de ser complementadas pela colaboração de vários outros domínios científicos que lhe fossem coerente.

As críticas de Popper ao empirismo radical trataram apenas um dos dois aspectos problemáticos do positivismo lógico. O outro dizia respeito ao método de verificação, que supostamento corroboraria as experiências sensíveis e as teorias construídas pelo sujeito a respeito do mundo exterior. A grosso modo, faltou uma teoria da confirmação que fosse indubitável pelos padrões dos vienenses a servir de base para uma lógica científica. Uma estrutura desse tipo nunca chegou a ser formulada em definitivo. Além disso ao invés de se concentrar em uma análise das proposições científicas, isoladamente, passou-se a acreditar que a falta de um estatuto preciso para o significado das expressões era devido ao desprezo de uma interpretação mais ampla, holista, que levasse em conta o contexto da frase em um encadeamento de outras proposições, em um parágrafo, por exemplo. Desse modo, após a morte de Schlick houve uma dispersão do grupo por diversas instituições européias. E mesmo o idealismo metafísico que dera origem as posições críticas extremadas do Círculo de Viena já tinha perdido sua força nos principais centros. Mesmo Wittgenstein, na segunda fase de sua obra adotou posições menos radicais em relação à lógica da linguagem científica, em favor de uma postura mais próxima do pragmatismo estadunidense.

Notas

1. Título irônico que lhe foi atribuído por Neurath.
2. Veja FREGE. G. Os Fundamentos da Aritmética, introdução, p. 202.
3. POPPER, K. Sociedade Aberta, Universo Aberto, p. 41.

Bibliografia

AYER, A. J. As Questões Centrais da Filosofia; trad. Alberto Oliva e Luis A. Cerqueira. - Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia; trad. Desidério Murcho et al.. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

CARNAP, R. An Introduction to the Philosophy of Science. - Nova York: Dover, 1995.

FREGE, G. Os Fundamentos da Aritmética; trad. Luiz H. dos Santos. - São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)

POPPER, K. Sociedade Aberta, Universo Aberto; trad. Mª Helena R. de Carvalho. - Lisboa: Dom Quixote, 1983.

WITTGENSTEIN, L. Tratado Lógico-Filosófico; trad. M. S. Lourenço. - Lisboa: Caloute Gulbenkian, 1987.