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Romantismo na Filosofia
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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA

Terceira Unidade - SÉCULO XIX:

  • O Romantismo como Consequência de 1789;
Por Antônio Rogério da Silva

Com Rousseau e Kant, os elementos necessários para deflagrar o Romantismo já estão colocados. Uma visão fantasiosa da natureza como berço feliz da humanidade, no qual o homem vivia tranquilamente, gozando de força e saúde, aliada à defesa do direito de revolta contra o despotismo, bem como a valorização dos sentimentos puros foram os ingredientes fornecidos por Rousseau para incendiar a Revolução Francesa. Por outro lado, a ênfase em uma subjetividade que descobre em si mesma as limitações para a razão especulativa; a argumentação por um livre-arbítrio constitutivo dos seres racionais autônomos, apesar de fazerem parte de um mundo sensível, e o incentivo de Kant para o desenvolvimento de uma liberdade de pensamento ajudaram a formar a imagem de um sujeito capaz de transformar a realidade conforme a reflexão de seu espírito. Os ideais do Romantismo que tomaram conta do século XIX foram forjados, então, a partir dos desdobramentos de fatos históricos marcantes e das consequências de teorias sobre a capacidade de um sujeito dotado de sensibilidade e entendimento descobrir seus próprios limites e construir um conhecimento compatível com sua autonomia e autodeterminação.

Auto Coroação de NapoleãoA Revolução Francesa sintetizou no voluntarismo das ações individuais e no turbilhão da massa - o somatório das decisões tomadas por cada um - os desejos iluministas de livrarem o ser humano da tutela de um soberano despótico, seja político, seja intelectual. Em meio ao caos produzido pelo caldo de idéias em ebulição, os primeiros pensadores românticos viram a vontade de indivíduos conscientes de si tentar tomar o destino em suas mãos e acelerar o processo da história. Quando Napoleão Bonaparte (1769-1821) assume o controle da situação, ascendendo do posto de comandante do exército para o de Primeiro-Consul, em 1799, parecia que os ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade seriam finalmente consolidados. Entretanto, depois de um curto período de paz interna e externa que prevaleceu por dois anos - de 1802 a 1804, Napoleão, que pouco a pouco, concentrou o poder em suas mãos, se autoproclamou imperador em 1803. Os franceses e a Europa viram então todo regime absolutista retornar, agora com novas leis que no início contemplam os direitos civis e comerciais, mas com o tempo foram perdendo espaço para os abusos da censura e perseguições.

Os movimentos de avanço e retrocesso, tanto na história, como nas alternâncias teóricas - ora materialistas, ora idealistas - levaram alguns pensadores românticos a buscarem as razões dessas mudanças cíclicas, simultameamente à tentativa de estabelecer a linha imaginaria traçada por tais eventos, seus princípios e agentes. O idealismo romântico contagiou sobretudo os filósofos alemães sucessores de Kant. Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775-1854), Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), Arthur Schopenhauer (1788-1810) e Karl Marx (1818-1883) são os principais nomes relacionados a essa corrente.

A influência de Kant sobre Fichte foi tão notável que a primeira obra deste autor, Ensaios de uma Crítica de toda Revelação, publicada anonimamente em 1792, chegou a ser equivocadamente atribuída a Kant, já que Fichte havia estado um ano antes em Königsberg com seu manuscrito. Fichte defendia que a lei moral seria soberana sobre todas as coisas, uma vez que Deus seria idêntico à ordem moral do mundo. Mais tarde, com o aprofundamento dessas idéias em Sistema da Doutrina Moral (1798), Deus e moral aparecem como única realidade objetiva e absoluta. Por conta disso, Fichte passou por um processo em que foi acusado de ateísmo e, afinal, afastado de sua cátedra na Universidade de Jena, em 1799. Mudou-se, então, para Berlim, onde escreveu ainda O Destino dos Homens (1800) e Discurso sobre a Nação Alemã (1807-1808), nos quais se percebe a proposição de um nacionalismo exacerbado (1).

A busca pelo absoluto por meio da reflexão pura, apesar de ter sido condenada por Kant, foi uma tarefa que os românticos se propuseram empreender depois de Fichte. Schelling levou esse projeto mais adiante. Formado em Tübingen, Schelling ingressou em Jena como professor em 1798, colaborando com Fichte até o afastamento deste. Em 1800, publicou seu Sistema de Idealismo Transcendental, onde adotou a concepção fichteana de que a natureza é uma criação do sujeito, apesar de admitir que o mundo pudesse existir de forma autônoma em relação à consciência. Ao invés de eu absoluto, pressupõe uma identidade absoluta entre o desenvolvimento da natureza e a conscientização progressiva do espírito em sua história. Entretanto, para que houvesse essa unificação, seria preciso uma sensibilidade estética capaz de revelar o lado oculto do universo. Para tanto, ao homem caberia entrar em sintonia com o absoluto, evitando a falsa compreensão de si mesmo como ilimitado.

Um Romântico contra os Românticos

Fichte e Schelling eram admiradores entusiasmados da Revolução Francesa. Suas teorias sobre o absoluto, sobre a história e a arte expressavam a idéia de liberdade de um espírito autoconsciente que influenciou decisivamente Hegel e seu adepto esquerdista Marx. Porém, quando Arthur Schopenhauer publicou O Mundo como Vontade e Representação (1819), a situação da Europa, após o fracasso da Revolução e do Bonapartismo, não inspiravam mais o otimismo desvairado pela conscientização de um eu absoluto. Aos poucos, vai se deixando de crer que a história pudesse ser o veículo de transformação da humanidade. Uma postura mais apática toma lugar do idealismo em torno do destino da humanidade, diante dos fenômenos do mundo reacionário de meados do século XIX.

Schopenhauer pretendia ser simplesmente o continuador do kantismo ao qual procurou preservar da restauração do sentido de absoluto que os primeiros filósofos românticos tentavam fomentar. Assim, defendeu a distinção de fenômeno (representação) e coisa-em-si (vontade), além da possibilidade de liberdade humana em meio à cadeia causal. Entretanto, apesar desse apego de Schopenhauer ao criticismo kantiano, ele não se limitou às considerações subjetivas do mundo fenomênico e da vontade livre, mas os estendeu à toda natureza e coisa-em-si. Logo no início do livro III de sua principal obra Schopenhauer assim resumia o seu desenvolvimento frente à Crítica kantiana:

Apresentado no primeiro livro como pura representação, para um sujeito, consideramos o mundo no segundo livro por sua outra face e verificamos como esta é vontade, que unicamente se mostrou como o que aquele mundo é além da representação; em conformidade, denominávamos o mundo como representação, no todo ou em partes, a objetividade da vontade, quer dizer: a vontade tornada objeto, i. e., representação. Recordamos também que tal objetivação da vontade possuía graus numerosos, porém determinamos, em que, com clareza e perfeição gradualmente crescente, a vontade surgia na representação, i. e., se apresentava como objeto. Reconhecíamos as idéias de Platão em tais graduações, na medida em que estas são as espécies determinadas, ou as formas e propriedades invariáveis originárias de todos os corpos naturais, orgânicos ou inorgânicos, como também as forças genéricas se manifestando conforme leis naturais. Tais idéias, portanto, se manifestam em indivíduos e particulares inumeráveis, comportando-se como modelo para estas imagens. A multiplicidade de tais indivíduos é concebível unicamente mediante o tempo e o espaço, seu surgir e desaparecer unicamente mediante a causalidade, em cujas formas reconhecemos somente as diversas modalidades do princípio de razão, princípio último de toda finitude, toda individuação, forma geral da representação, tal como esta se dá na consciência do indivíduo como tal. A idéia, porém, não se submete àquele princípio: por isto não experimenta pluralidade nem mudança. Enquanto os indivíduos em que se manifesta são imutáveis e nascem e perecem incessantemente, ela permanece invariavelmente a mesma, e para ela o princípio de razão não possui significado algum. Mas como este é a forma sob a qual se encontra todo conhecimento do sujeito, enquanto este conhece como indivíduo, assim as idéias se localizarão totalmente fora da esfera do conhecimento do sujeito como tal. Portanto, se as idéias devem se tornar objeto do conhecimento, a condição é a supressão da individualidade no sujeito cognoscente (...) (SCHOPENHAUER, A. O Mundo como Vontade e Representação, liv. III, § 30).

Desse modo, embora procurasse defender Kant dos equívocos do monismo metafísico do absolutismo romântico, Schopenhauer mesmo preservando o dualismo das três críticas, desprezou as limitações do conhecimento subjetivo - que talvez tenha sido a mais importante contribuição de Kant para a filosofia -, assim como aqueles a quem atacava. Todo esforço de limitação da capacidade do conhecimento humano caíra por terra, com essa visão "platonista" do pensamento kantiano. A consequente frustração humana, devido à suposição de ser o mundo uma vontade que se manifesta nos seres viventes, como uma necessidade de sempre buscar o máximo para si, levou Schopenhauer a desenvolver uma concepção pessimista da capacidade intelectual humana e uma moral estóica inspirada nos hindus. A vontade de viver mundana seria então um mal que seria impossível de ser superado pelo indivíduo vivente. O único gesto de liberdade que os sujeitos poderiam realizar nessas circunstâncias, o suicídio, seria inútil, pois não seria negando a vida, mas as demandas da vontade pelo prazer que consistiria sua verdadeira superação.

Até aqui, dentro dos limites do nosso assunto, expusemos de modo suficiente a negação do querer-viver, o único ato de nossa liberdade que se manifesta no fenômeno e que podemos chamar como Asmus, a transformação transcendental, nada é mais diferente desta negação do que a supressão efetiva do nosso fenômeno individual, isto é, o suicídio. Muito longe de ser uma negação da Vontade, o suicídio é uma marca de afirmação intensa da Vontade, visto que a negação de Vontade consiste, não em ter horror aos males da vida, mas em detestar-lhe os prazeres. Aquele que se mata queria viver; está apenas descontente com as condições em que a vida lhe coube. Por conseguinte, destruindo o seu corpo, não é no querer-viver, é simplesmente à vida, que ele renuncia (...) (SCHOPENHAUER, A. Op. cit., liv. IV, § 69).

Nesse sentido, a vontade é algo que está fora dos limites do sujeito e que não pode ser destruída. Tais concepções, a despeito de fugirem à intenção de continuidade do pensamento kantiano, geraram várias interpretações pioneiras acerca da psicologia e uma moral da compaixão, antecipando a visão ambientalista do final do século XX.

(...) [A] multiplicidade e a diferenciação dos indivíduos é um mero fenômeno, quer dizer, só está presente na minha representação. Minha essência interna verdadeira existe tão imediatamente em cada ser vivo quanto ela só se anuncia para mim, na minha autoconsciência. Este conhecimento (...) "isto é tu"; é aquilo que irrompe como compaixão, sobre a qual repousa toda virtude genuína, quer dizer altruísta, e cuja expressão real é toda ação boa. Este conhecimento é aquele pelo qual em última, dirigem-se todos os apelos à doçura, à caridade, à clemência, pois é uma lembrança da consideração de que todos nós somos uma mesma essência (...) (SCHOPENHAUER, A. Sobre o Fundamento da Moral, IV, § 22, pp. 207-208).

As expectativas românticas na passagem da Revolução Francesa para a Restauração da monarquia, viram-se frustradas a ponto de gerarem o pessimismo característico do romantismo tardio. Schopenhauer, apesar críticas ao desatino do idealismo absoluto, acabou por se aliar aos românticos em sua exaltação dos sentimentos e da vontade como superiores ao intelecto, retomando as diretrizes de Rousseau.

Nota

1. Pelo menos na interpretação de BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia, verbete Fichte, p. 148.

Bibliografia

BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia; trad. Desidério Murcho et al.. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

DURANT, W. A História da Filosofia; trad. Luiz C. do N. Silva. - São Paulo: Nova Cultural, 1996.

SCHOPENHAUER, A. O Mundo como Vontade e Representação; trad. M. F. Sá Correia. - Porto: Rés, s/d.

____________. Sobre o Fundamento da Moral; trad. Mª L. Cacciola. - São Paulo: Martins Fontes, 1995.