DISCURSUSCurso de História da Filosofia Moderna
Jean-Jacques Rousseau
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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA

Segunda Unidade - SÉCULO XVIII:

  • O Conceito de Contrato Social em Rousseau;
Por Antônio Rogério da Silva

Os autores que viveram o período que antecedeu a era das revoluções, em geral, tiveram momentos de grande agitação sendo obrigados a diversos deslocamentos pela Europa, a fim de escapar à prisão e ao assédio popular. Muitos deles tinham recursos para sustentar a instabilidade política de seus países e os momentos de baixos proventos. Outros tiveram a sorte de obter recursos da venda de seus livros. Outros porém foram obrigados a perambular pelas estradas até que obtivessem algum reconhecimento de seu valor. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), como Hobbes antes e como Kant depois, foi um dos poucos de origem plebéia a conseguir conciliar a luta pela sobrevivência com uma produção intelectual de alto nível.

Rousseau nasceu em Genebra e era o segundo filho de um casal de pequenos burgueses calvinistas. Seu pai era relojoeiro e sua mãe, que fora bem instruída, faleceu uma semana depois do seu nascimento. Quando esteve em idade para aprender a ler, seu pai, que não tinha recursos de lhe pagar um preceptor, resolveu ler toda coleção de livros deixada pela esposa como forma de apresentar o mundo das letras a seu filho mais novo. Depois do jantar, Rousseau e seu pai cultivaram o hábito de ler por inteiro cada um dos romances herdados, atravessando, por vezes, toda noite. Assim, antes de completar sete anos, Rousseau já era capaz de ler com grande facilidade, ao mesmo tempo em que desenvolvera uma sensibilidade apurada para as paixões fantasiosas privilegiadas pelos dramas, histórias sentimentais e tragédias humanas que faziam parte da biblioteca materna. Serviram também tais leituras para despertar a admiração cívica pela república romana da antiguidade.

Contudo, esses bons momentos de leitura são interrompidos bruscamente em 1719, quando seu pai é obrigado a fugir da cidade por ter se envolvido em um duelo. Rousseau fica então sob os cuidados do tio e na companhia de um primo, ao lado de quem aprende desenho. Ao atingir a adolescência, torna-se aprendiz do ofício de gravador. Pouco tempo depois, é acusado de fabricar moedas falsas e furto de diversos objetos. Para evitar maiores problemas, a baronesa de Warens, sua protetora, o envia a um asilo em Turim, Itália, a fim de ser catequisado. Depois da conversão ao catolicismo, perambula em várias cidades, sobrevivendo de pequenos serviços de gravação e do ensino de música. Fracassa, entretanto, como preceptor. Em 1742, segue à Paris com o intuito de obter fama e sucesso para suas composições musicais. Faz amizade com os filósofos Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780) e Denis Diderot. Este o convida para escrever alguns artigos sobre música para Enciclopédia.

Em 1745, conhece Thérèse Levasseur, com quem tem cinco filhos, mas só se casará oficialmente em 1767. A pobreza e uma doença crônica obrigam Rousseau a entregar todos os seus filhos aos orfanatos de Paris. O remorso por ter tomado essa atitude o acompanhará pelo resto da vida. Em 1749, tem a inspiração de participar do concurso promovido pela Academia de Dijon, cujo tema versava sobre a questão da contribuição das ciências e das artes para corrupção ou purificação dos costumes. Rousseau apresenta o seu "primeiro discurso", chamado Discurso sobre as Ciências e as Artes, que em 1750, conquista o primeiro prêmio dessa Academia francesa com uma resposta extremamente negativa dos supostos avanços das ciências modernas. Depois de comparar os feitos guerreiros dos antigos com os modernos, Rousseau sentencia:

Se a cultura das ciências é prejudicial às qualidades guerreiras, ainda o é mais às qualidades morais. Já desde os primeiros anos, uma educação insensata orna nosso espírito e corrompe nosso julgamento. Vejo em todos os lugares estabelecimentos imensos onde a alto preço se educa a juventude para aprender todas as coisas, exceto seus deveres (...)
De onde nascem todos esses abusos senão da funesta desigualdade introduzida entre os homens pelo privilégio dos talentos e pelo aviltamento das virtudes? Aí está o efeito mais evidente de todos os nossos estudos, a mais perigosa de suas consequências. Não se pergunta mais a um homem se ele tem probidade, mas se tem talento; nem de um livro se é útil, mas se é bem escrito (...)
Qual o conteúdo das obras dos filósofos mais conhecidos? Quais são as lições desses amigos da sabedoria? Ouvindo-os, não os tomaríamos por uma turba de chalatães gritando, cada um para seu lado, numa praça pública: "Vinde a mim, só eu não engano!" Um pretende não haver corpos e que tudo só existe como representação; o outro, não haver outra substância senão a matéria, nem outro deus senão o mundo. Este avança não haver nem virtudes, nem vícios, e serem quimeras o bem e o mal morais; aquele, que os homens são lobos e podem, com a consciência tranquila, se devorarem una aos outros (...) (ROUSSEAU, J-J. Discurso sobre as Ciências e as Artes, II parte, pp. 347-350).

Com muita retórica e um pouco de acerto, Rousseau conseguiu recursos preciosos para amenizar sua penúria e a fama entre filósofos que não obtinha entre os críticos musicais. De volta à Genebra, retorna ao calvinismo e prepara o segundo discurso, o Discurso sobre a Desigualdade entre os Homens, para um novo concurso em Dijon, em 1754. O segundo discurso não atingiu a mesma premiação do primeiro, mas se tornou um êxito literário maior que aquele, só sendo superado pelo romance A Nova Heloísa, que Rousseau publicou em 1761. No ano seguinte a este sucesso de vendas, saem Emílio - com uma proposta pedagógica que prega o desenvolvimento das capacidades naturais através dos sentidos, da valorização dos sentimentos e de uma saúde física, enquanto procura reduzir os males da civilização sugerindo a vida no campo e uma redução da atividade intelectual - e Do Contrato Social. As duas obras são imediatamente condenadas e sua prisão decretada. Foge para Neuchâtel, Suíça, e de lá para a casa de Hume, na Inglaterra, em 1765.

Voltaire que havia feito várias críticas ao segundo discurso e ao Do Contrato Social, além de ter escrito um panfleto anônimo acusando Rousseau de paternidade irresponsável, hipocrisia e ingratidão, ofereceu asilo a ele, porém Rousseau preferiu ficar com Hume. O encontro desses dois filósofos, no entanto, foi um dos mais desastrosos da história da filosofia. Rousseau que sempre fora um tanto neurótico, com a perseguição política fica completamente paranóico e acusa seu anfitrião na Inglaterra de ser o autor de uma carta que circulava em Paris, com críticas a sua personalidade. Vendo-se em um situação insustentável na Inglaterra, em 1767, volta à França e tenta reconsiderar suas antigas posições, começando por desposar definitivamente Thérèse e procurando justificar seu comportamento com obras confessionais. No final da vida, um pouco mais calmo, escreve os Devaneios de um Caminhante Solitário, antecipando a visão romântica que prevalecerá no século XIX. Morre aos 66 anos de idade, sendo enterrado na ilha dos Choupos. Depois da Revolução Francesa, seus restos mortais são trasladados para o Panteão francês.

Um Contrato Sentimental

Os instintos e sentimentos que orientaram a vida de Rousseau foram as guias que tomaram o lugar da razão ao longo de sua obra. Do Contrato Social que culmina sua filosofia política tenta resolver o problema de como o ser humano, que nasce naturalmente livre, se vê preso e limitado em todas organizações sociais conhecidas. Essa ordem social, que tem a consciência manifestada pelo próprio contato entre as pessoas, origina-se em convenções artificiais e não por causa de uma condição natural inerente ao indivíduo, como autores jusnaturalistas - principalmente Hobbes e Locke - imaginavam (1).

Para Rousseau, a família seria a forma de convívio social mais antiga e a única natural, mas deixa de sê-lo, no entanto, quando seus membros se mantêm unidos, mesmo depois que a necessidade natural por conservação se encerra, depois que os filhos atingem a maturidade e independência. Neste caso, a família passa a ser o primeiro modelo de sociedade política fundado em uma convenção que dá aos pais o posto de chefia e aos filhos o de súditos, embora todos tenham nascido livre e iguais. A liberdade pela qual todos partilham da convivência familiar voluntária também dá a cada um a necessidade de cumprir a primeira lei natural pela sua própria conservação, cujos meios empregados para tanto, são de responsabilidade individual (2). O suposto direito do mais forte e o dever de obediência só são obrigatórios se forem poderes legitimamente reconhecidos (3).

Sozinho, portanto, as limitações da força física - que o indivíduo não pode gerar mais do que a que tem - fazem com que no instante em que precisar de ajuda para superar um obstáculo, os seres humano sejam levados a buscar na união o conjunto de forças necessárias para realizar um fim qualquer. Nestas circunstâncias, o contrato social é a solução para se preservar a própria liberdade, mesmo quando se está associado a uma tarefa comum. Embora tal pacto não precise ter suas cláusulas expressas formalmente, a situação que gera a sua constituição permite que seja mantido e respeitado por todos até que alguém resolva abandonar essa liberdade convencional e retornar a sua liberdade natural, violando o acordo geral (4). A integridade e unicidade do contrato formam o corpo político e soberano que está impedido de se submeter a outro soberano ou alienar uma parte de sua composição. Individualmente, as pessoas podem ter uma vontade particular divergente da vontade geral e esperar usufruir seus direitos sem ter nenhum dever de participar como súdito da sociedade. Entretanto, para que a soberania não se desmanche, quem se recusa a obedecer à vontade geral será obrigado a manter sua liberdade convencional, sob a pena de se tornar dependente de outra pessoa, em caso de fuga (5). Ao trocar a liberdade do estado natural pela do civil, os seres humanos perderiam algumas vantagens, mas ganhariam outras compensatórias. Nesta condição...

(...) suas faculdades se exercem e se desenvolvem, suas idéias se alargam, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto, que, se os abusos dessa nova condição não o degradassem frequentemente a uma condição inferior àquela donde saiu, deveria sem cessar bendizer o instante feliz que dela o arrancou para sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem (ROUSSEAU, J-J. Do Contrato Social, liv. I, cap. VIII, p. 36).

Em suma, os seres humanos perderiam com o contrato social a sua liberdade natural, a possibilidade de viverem aventuras limitadas apenas pela resistência física de cada um e tudo que estivesse a seu alcance em lugar de uma liberdade de associação, restrita somente pela vontade geral, e à propriedade de seus bens (6).

A vontade geral difere da vontade de todos. Enquanto esta não passa da soma dos interesses paticulares, aquela representa o interesse comum a todos abstraindo os interesses privados divergentes. A vontade geral, portanto, dirige o poder absoluto gerado pelo pacto social sobre todos os membros do corpo político. Por conta disso, todos cidadãos são iguais em seus direitos e deveres. As convenções estabelecidas sob o contrato social são consideradas legítimas, equitativas, garantidas e úteis, por visarem o bem geral. Os direitos do soberano e dos cidadãos se comprometem mutuamente "cada um perante todos e todos perante cada um" (7).

Assembléia Constituinte FrancesaQualquer que seja a forma de governo estabelecida pelo contrato social, a vontade geral não pode ser representada, nem alienada. Por conseguinte, os deputados não podem ser considerados representantes do povo, mas meros comissários que nada decidem em absoluto. Toda lei votada em parlamento ou decretada pelo executivo deve ser ratificada diretamente pelo povo, caso contrário será nula. No momento em que o povo constitui representantes, a liberdade convencional conquistada deixa de existir (8). Um Estado governado pela vontade geral pode ser regido com poucas leis e todas que são aprovadas decorrem de um reconhecimento universal de sua necessidade, de modo que sua votação não pode abrir espaço para divergências. Quem a propõe nada mais faz do que manifestar o sentimento de todos concidadãos, dispensando as sutilezas da razão.

Enquanto muitos homens reunidos se consideram um único corpo, eles não têm senão uma única vontade que se liga à conservação comum e ao bem-estar geral. Então, todos os expedientes do Estado são vigorosos e simples, suas máximas claras e luminosas; absolutamente não há qualquer interesse confuso, contraditório; o bem comum se patenteia em todos os lugares e só exige bom senso para ser percebido (ROUSSEAU, J-J. Op. cit., liv. IV, cap. I, p 117).

O contrato social imaginado por Rousseau preserva algumas afinidades com aqueles propostos por seus predecessores Hobbes e Locke, sobretudo, na situação de liberdade e igualdade vivida na condição hipotética do estado de natureza. Divergências surgem na ênfase dada por cada um ao papel da razão e dos sentimentos que motivam o acordo geral. Todos concordam, no entanto, que o contrato tem por função primeira garantir a paz, facilitando a sobrevivência e a realização dos planos de vida de cada um no seio da sociedade. A radicalização de um estado de natureza feliz para os homens aflorou em Rousseau, no segundo discurso que tratou da origem das desigualdades e antecedeu Do Contrato Social. Este Discurso entra em foco no texto a seguir...

Notas

1. Veja ROUSSEAU, J-J. Do Contrato Social, liv. I, cap. I, pp.22/23.
2. Veja ROUSSEAU, J-J. Op. cit, liv. I, cap. II, p. 23.
3. Veja ROUSSEAU, J-J. Idem, liv. I, cap. III, pp.25-26.
4. Veja ROUSSEAU, J-J. Ibidem, liv. I, cap. VI, pp. 31-32.
5. Veja ROUSSEAU, J-J. Ibidem, liv. I, cap. VII, pp. 34-36.
6. Veja ROUSSEAU, J-J. Ibidem, liv. I, cap. VIII, p. 36.
7. ROUSSEAU, J-J. Ibidem, liv. II, cap. IV, p. 50.
8. Veja ROUSSEAU, J-J. Ibidem, liv. III, cap. XIII, pp. 107-110.

Bibliografia

BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia; trad. Desidério Murcho et al.. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

DURANT, W. A História da Filosofia; trad. Luiz C. do N. Silva. - São Paulo: Nova Cultural, 1996.

ROUSSEAU, J-J. Do Contrato Social; Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens; Discurso sobre as Ciências e as Artes trad. de Lourdes S. Machado. - São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)

________. A Nova Heloísa; trad. Fulvia M. L. Moretto. - São Paulo: HUCITEC, 1994.