DISCURSUSTEORIA DOS JOGOS E DA COOPERAÇÃO (MAY, E. 'Ben Franklin leva Xeque-Mate de Lady Howe', sec.XIX) História e Conceitos Básicos
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TEORIA DOS JOGOS E DA COOPERAÇÃO PARA FILÓSOFOS

SEÇÃO I

» 1ª Unidade: História e Conceitos Básicos

  • Estratégias Dominantes, Maximin, Mistas e Noção de Equilíbrio
Por Antônio Rogério da Silva

Após estabelecer a lista ordenada de suas preferências e relacioná-las a uma função de utilidade, os agentes devem estar aptos agora para preencherem as matrizes e os esquemas de árvores, segundo as linhas de ação disponíveis. Os valores que cada parte receberá com o encontro dessas estratégias dependerá das escolhas que fizer individualmente. Por princípio, supõe-se que todos busquem maximizar seus resultados e, ainda que não consigam, se empenhem para que isto ocorra. A Teoria dos Jogos tem instrumental suficiente para analisar jogos de azar - dados e roleta, por exemplo -, mas vai além da simples teoria dos jogos de azar que tem sua sustentação na teoria da probabilidade. Enquanto no jogo de azar, a natureza é o único jogador com o qual se tem que defrontar, bastando apenas apurar a utilidade esperada com base no cálculo das chances de um resultado acontecer, nos jogos de estratégias - desde o jogo da velha ao xadrez, passando pelos jogos de cartas como pôquer, bridge ou sueca - presume-se que haja mais de um jogador racional, cujas deliberações levam em conta, recursivamente, aquilo que o adversário fará em consequência de seu raciocínio pressuposto. Ademais jogos de estratégias que envolvem habilidade dos jogadores - como o duelo e os esportes olímpicos, em geral - também são passíveis de estudos semelhantes aos feitos por Martin Shubik em Teoria dos Jogos nas Ciências Sociais, de 1982, onde se avalia o momento exato de se realizar as melhores estratégias disponíveis, com as chances adequadas de se acertar o alvo.

Para não sobrecarregar demais esta introdução à Teoria dos Jogos e da Cooperação, este curso concentrar-se-á nos jogos de estratégia entre dois jogadores que disponham de duas estratégias (2 x 2) que, embora façam forçosas simplificações, servem de modelo explicativo para um vasto espectro de situações cotidianas em que os interesses dos jogadores podem coincidir ou divergir em parte. Na perspectiva dos jogos, estratégias são programas que instruem qual linha de ação um jogador adotará durante toda partida, antes mesmo dela começar, dependendo do que o adversário fará. Em termos de jogos extensivos, uma estratégia descreve o caminho que um jogador percorrerá desde o seu primeiro lance até o nó terminal. Quando o jogo ou a interação entre mais de um agente interessado em satisfazer ao máximo sua utilidade acontece em mais de uma etapa de decisão, as estratégias devem traçar um plano de escolhas para cada ponto de decisão, formando uma sequência completa de movimentos, através dos conjuntos de informações disponíveis, tendo em vista os melhores valores oferecidos no final. Há uma forte interdependência das decisões que os adversários tomarão em suas expectativas recíprocas do comportamento do outro. O processo de deliberação que visa maximizar os ganhos finais tem, portanto, de compreender adequadamente a capacidade do oponente reagir a suas ações, conforme a conduta esperada entre seres semelhantes, nem sempre racionais de todo.

Cada jogador dispõe de um conjunto de estratégias puras que podem ser misturadas entre si e combinadas com as dos outros agentes. De acordo com a combinação específica para as estratégias de diferentes jogadores, os resultados finais para cada indivíduo corresponderá um ganho próprio que corresponde ou não à solução do jogo. Na matriz simples, desenhada na figura 1...

Figura 1 Estratégias Coluna
Esquerda Direita
Linha Alto 1, 1 1, 0
Baixo 0, 1 0, 0

...não é difícil para as partes coordenarem suas ações em direção ao resultado do alto, à esquerda. Pois ambos possuem estratégias dominantes que se encontram naquela célula da matriz 2 x 2. Para Linha, Alto é a estratégia que domina Baixo, qualquer que seja a escolha que a Coluna faça. Isto é, garante-lhe o melhor ganho (1) caso Coluna jogue Esquerda ou Direita, frente aos ganhos de Baixo (0). Por sua vez, Coluna tem em Esquerda a sua dominante, já que é a única a lhe fornecer um a mais do que o zero da Direita, a despeito do que Linha jogue. Assim, (1, 1) será o par de recompensas que soluciona facilmente interações desse tipo entre agentes racionais, sem muitos sustos, graças à dominância de suas estratégias mútuas. Os interesses de ambos convergem para o alto, à esquerda.

Até aqui, nenhum problema em relação aos aspectos psicológicos da outra parte poder afetar os ganhos esperados de um jogador racional. Coisa diferente enfrentam as pessoas quando uma pequena mudança nos ganhos da matriz passa a comprometer uma eficiente coordenação das ações. A figura 2 apresenta dois resultados conjuntos que favorecem ambos jogadores:

Figura 2 Estratégias Coluna
Esquerda Direita
Linha Alto 1, 1 0, 0
Baixo 0, 0 1, 1

Agora não há uma estratégia dominante a orientar as escolhas dos dois. No entanto, é preciso que os atores cheguem a um acordo sobre quais de suas estratégias conjuntas, (alto, esquerda) ou (baixo, direita), ambos adotarão a fim de maximizar suas utilidades esperadas. Na ausência de qualquer meio de comunicação ou de uma dica que indique uma regra de coordenação, os jogadores precisam buscar um ponto focal que sirva como sinal para o encontro no lugar adequado. Esse sinal deve estar oculto de tal modo que permita sua localização de forma rápida, mas não tão fácil como no jogo da figura 1. A solução desse enigma só é possível se estiver ao alcance da capacidade racional dos agentes. Alguma experiência comum prévia deverá ter sido partilhada antes pelos jogadores, para facilitar o estabelecimento de uma convenção que, na ausência de uma outra "cola", será adotada tacitamente pelos participantes de uma mesma cultura. Por exemplo, membros da cultura ocidental, que desde a infância são acostumados a iniciar a escrita da esquerda para a direita e de cima para baixo, poderiam concordar em selecionar as estratégias "alto-esquerda". Contudo essa dica poderia ser confusa caso "baixo, direita" viesse grafada com letras maiúsculas ou um mediador confiável sugerisse sua escolha. Segundo Thomas C. Schelling, para situações como essas a Teoria dos Jogos deveria incorporar habilidades ao agente que vão além da mera racionalidade estratégica, tais como restrições estéticas, casuísticas e geométricas que ajudassem a eliminar as ambiguidades que perturbam os acordos tácitos (1).

Tanto "alto-esquerda", como "baixo-direita", não constituem a rigor uma solução para jogos do tipo da figura 2. De fato, no sentido que Luce e Raiffa deram à solução no estrito senso, para que ela ocorra em jogos não-cooperativos seria necessário:

  1. existir um par em equilíbrio entre os conjuntos de pares de estratégias admissíveis; e
  2. que todos os pares em equilíbrio admissíveis fossem ambos intercambiáveis e equivalentes (2)

Desde John Nash, um ponto de equilíbrio é todo aquele que seja o encontro das estratégias ótimas de cada jogador com as dos adversários (3). Por exemplo, "alto-esquerda" está em equilíbrio nas Figuras 1 e 2, enquanto "baixo-direita" apenas na segunda matriz. Entretanto, na Figura 1, só "alto-esquerda" é uma solução no estrito senso, embora não seja na Figura 2, que inclui "baixo-direita". Pois, neste caso, não se pode trocar as estratégias da linha pelas da coluna de modo a formar outros pares equivalentes, ou seja: "alto-esquerda" (1, 1) e "baixo-direita" (1, 1) não são intercambiáveis, porque "alto-direita" (0, 0) ou "baixo-esquerda" (0, 0) não formam os mesmos resultados em equilíbrio.

Para solução de jogos onde os interesses dos participantes coincidem, a comunicação pode vir a resolver satisfatoriamente, promovendo a cooperação e coordenando as ações. Contudo, em jogos tácitos, quando ela não é possível explicitamente, as dificuldades técnicas podem ser superadas por normas culturais, convenções ou pontos focais partilhados e pela simetria que assegura um comportamento semelhante aos agentes em jogos cooperativos. Assim que a estratégia comum é acertada, não há porque desviar do consenso, sem perdas mútuas. Se nenhum acordo implícito é previsto, só se pode esperar que o resultado alcançado seja a média dos pares em equilíbrio, no caso da figura 2, meio para ambos jogadores.

Ao transformar-se a matriz da figura 2 em um jogo de soma zero, como na figura 3:

Figura 3 Estratégias Coluna Mínimo Máximo
Esquerda Direita linha linha
Linha Alto 1, -1 0, 0  0
Baixo 0, 0 -1, 1 -1
Máximo coluna 1 0 0 -
Mínimo coluna -1 0 - 0

Desaparece o interesse por uma solução que vise coordenar as escolhas conjuntas, uma vez que cada um procura jogar sua estratégia dominante alto e direita, respectivamente, para a Linha e Coluna. O encontro dessas duas estratégias resulta em zero para ambos jogadores, em "alto à direita". Um ponto de equilíbrio que corresponde ao chamado ponto de sela dos jogos de soma zero. Este representa, para Linha, o máximo dos ganhos mínimos em suas linhas e o mínimo dos máximos de suas colunas. De modo inverso, para Coluna, é o mínimo dos máximos em suas linhas e o máximo dos mínimos de suas colunas. Em outras palavras, do ponto de vista da Linha, é o ganho menor em uma linha que seja o maior na mesma coluna (maximin); ou, da perspectiva da Coluna, o maior ganho de uma linha que também é o menor da coluna. Trata-se de uma posição em que cada um dos jogadores procura fazer o melhor para si tendo em vista a oposição do outro, diminuindo ao mínimo suas perdas esperadas. Aqui, a comunicação em nada ajuda a melhorar o resultado final do jogo, pois os interesses são totalmente opostos: para Linha escolher "alto" é a única solução admissível, já que se optasse por "baixo", Coluna, ao selecionar "direita", lhe proporcionaria o pior resultado (-1), ao passo que permanecendo no "alto", o mínimo que ganharia seria zero. Por outro lado, Coluna também sabe que, se escolhesse "esquerda", poderia perder -1, enquanto "direita" lhe garante ao menos zero (4).

No jogo de soma zero, o encontro de duas estratégias dominantes correspondem a um ponto de sela. Entretanto, quando não há uma dominância entre as estratégias, pode haver mais de um ponto de sela ou nenhum deste. A existência de pontos de sela significa que há possibilidade de uma solução minimax, ou maximin, como fora previsto por Von Neumann e Morgenstern (5). Sempre que houver mais de um ponto de sela, todos os resultados serão iguais. No caso desses resultados serem intercambiáveis, o jogo terá então uma solução no estrito senso, como nos jogos de soma variável. [Como exercício, tente encontrar os pontos de sela de Pedra, Papel e Tesoura, no texto anterior, e saiba porque ele não tem uma solução estrita.]

Estratégias Mistas

Embora a solução maximin pareça razoável para jogos de soma constante, quando não há uma um ponto de sela ou a soma é diferente de zero, será necessário fazer uma mistura que diminua os riscos de perdas ou promova outro ponto de equilíbrio que não pode ser alcançado apenas como recurso de estratégias puras ou estritas - aquelas que são listadas nas matrizes básicas. Quando os interesses não são totalmente opostos ou coincidentes, é possível achar estratégias mistas que ofereçam um melhor saldo para ambos jogadores, em equilíbrio de Nash. Na próxima matriz, figura 4, as circunstâncias não são plenamente competitivas ou de mera coordenação das ações. Os agentes devem buscar um consenso sobre qual dos resultados mostrados eles se encontrarão, a fim de evitar os piores resultados.

Figura 4 Estratégias Coluna
Esquerda Direita
Linha Alto 2, 1 0, 0
Baixo 0, 0 1, 2

À primeira vista, uma rodada de comunicação prévia poderia solucionar o problema, não fosse a tentação de um deles ameaçar jogar sua estratégia favorita, cortando, em seguida, a ligação entre os dois. Linha, por exemplo, caso falasse primeiro, afirmaria a disposição de jogar "alto", e ponto final! Sem deixar à Coluna outra opção além de seguir pela "esquerda", pois ganhar um seria melhor do que nada. Imaginar o inverso disso faria com que Coluna dissesse "direita", obrigando Linha jogar "baixo". Tem-se, então, a situação interpretada por Luce e Raiffa como uma "Batalha dos Sexos", onde um casal teria de decidir qual programa para a noite: ir ao balé ou assistir uma luta de boxe (6). A senhorita Linha prefere ir ao Balé com o senhor Coluna, em primeiro lugar. Sua segunda preferência é ir ao Boxe com ele. Ao contrário, o senhor Coluna prefere esta última possibilidade antes de tudo, sendo seu "plano B" ir ao Balé com ela.

Na Batalha dos Sexos, nenhuma estratégia pura garante uma solução para o jogo. Ainda que alguém ameace seguir sua estratégia favorita, não raro a retaliação do outro ocorre na escolha de sua própria estratégia preferida, com intuito de preservar a reputação de pessoa firme que não se curva a ameaças. Só o recurso a uma mistura de suas estratégias estritas permite encontrar um resultado que pareça satisfatório para ambos os jogadores. O teorema minimax, ou maximin, ofereceu como solução para essas circunstâncias a aplicação das estratégias disponíveis segundo uma taxa de frequência determinada (7). A fim de obter-se a melhor mistura, que garanta, ao menos, o mais alto ganho entre os piores, o método simples para jogos 2 x 2, descrito por Rapoport (8) consiste em encontrar a diferença entre as notações das duas estratégias Alto e Baixo, para o jogador da linha, fazendo depois a razão da segunda diferença em relação à primeira. Na figura 4, para descobrir sua mistura minimax, a Linha deve subtrair zero de um na estratégia "Alto" e zero de dois na estratégia "Baixo", cuja razão em relação à primeira produz 2:1, o que leva a uma proporção de (2/3 Alto, 1/3 Baixo). Por sua vez, Coluna diminui zero de dois e zero de um, à esquerda e à direita, gerando 1:2 e, em consequência, (1/3 Esquerda, 2/3 Direita). Agora, ambos jogadores podem calcular o valor esperado para a situação em que se encontram. Linha multiplica a proporção de Alto com a probabilidade da Coluna fornecer-lhe dois ou zero, somando a proporção de Baixo e multiplicando as chances de obter zero ou um, do seguinte modo:

v(l) = 2/3(1/3 × 2) + 2/3(2/3 × 0) + 1/3(1/3 × 0) + 1/3(2/3 × 1) =
= 2/3 × 2/3 + 1/3 × 2/3 =
= 4/9 + 2/9 = 6/9 =
= 2/3

E conclui que seu valor será de 0.66 util. Menos do que o util certo que ganharia em Baixo-Direita. Fazendo as contas de seu valor, Coluna chega à conclusão semelhante, mas simétrica:

v(c) = 1/3(2/3 × 1) + 1/3(1/3 × 0) + 2/3(2/3 × 0) + 2/3(1/3 × 2) =
= 1/3 × 2/3 + 2/3 × 2/3 =
= 2/9 + 4/9 = 6/9 =
= 2/3

Por causa da simetria do jogo, as misturas de estratégias minimax ou maximin garantem aos dois jogadores os mesmos resultados conjuntos (0.66, 0.66), nesta versão da Batalha dos Sexos (9). O sucesso que a minimax oferece em jogos de soma zero, ao reduzir ao mínimo as perdas de cada parte, nem sempre é garantia de boa escolha em jogos de soma variante. A Batalha dos Sexos não é um jogo de soma constante e soluções melhores podem ser encontradas, como se verá quando os jogos falados forem analisados na segunda unidade deste curso. Quando se trata de ganhar ou perder, a mistura minimax pode vir a ser o único conselho a sugerir, como na figura 5, montada por Rapoport (10).

Figura 5 Estratégias Coluna
Esquerda Direita
Linha Alto -1 5
Baixo 3 -5

Semelhante à Batalha dos Sexos, aqui não há um ponto de sela que represente a maximin das estratégias puras. A estratégia mista maximin da Linha chega ao valor de 5/7 util com a proporção (4/7 Alto, 3/7 Baixo), da mesma forma que mistura maximin da Coluna (5/7 Esquerda, 2/7 Direita). Com isso, Rapoport conclui que seria desvantagem aos jogadores fugir da aplicação das estratégias mistas, pois, a longo prazo, essa seria a melhor probabilidade para as partes envolvidas nessas circunstâncias e outra alternativa seria desvantajosa. Inferência que Morton Davis contestou em sua introdução não-técnica intitulada Teoria dos Jogos, de 1970. Por ser um jogo de soma zero, não haveria porque se acreditar que o uso da mistura maximin seria desvantajosa ou vantajosa para ambos oponentes, pois um terá necessariamente de ganhar ou perder ao realizar suas ações, o que inviabilizaria por contradição a bem sucedida aplicação da estratégia mista pelas partes, ao mesmo tempo. Optar por esta linha de ação seria atraente, graças à suposta segurança oferecida de obter aquele resultado. Porém, para Davis isso não passa de "uma questão de gosto pessoal" pela segurança (11), uma vez que, ao buscarem outras estratégias, jogadores audazes, amantes do risco tornariam imprevisível qualquer resultado factual. Apenas um vencerá com certeza. Só não se sabe quem!?

Em razão do teorema minimax, o jogo geral de duas-pessoas, soma-zero, tem boa base teórica. Mas, sendo jogo de informação perfeita, raramente surge na prática. A dificuldade está no requisito de o jogo ser soma-zero.
A presunção essencial sobre que se assenta a teoria é a oposição de interesses de dois jogadores. Na medida em que a presunção não seja válida, a teoria será irrelevante e desorientadora. Frequentemente, a presunção parece estar satisfeita, mas, em realidade não o está. (...) (DAVIS, M. D. Teoria dos Jogos, cap. 3, p. 57).

Em jogos cuja soma dos resultados é diferente de zero, a estratégia mista maximin (12) não é a única solução existente, nem mesmo a melhor. Na Batalha dos Sexos, apesar da comunicação gerar oportunidades de ameaças, em uma rodada prévia isolada, quando se busca a coordenação, a troca indeterminada de mensagens poderia fornecer melhores resultados que a estratégia maximin mista, ampliando o espaço de resultados originais até a fronteira de eficiência conhecida como ótimo de Pareto, na qual nenhum agente obterá melhor resultado sem diminuir os ganhos da outra parte, como sugeriram Luce e Raiffa, na possibilidade de comunicação, as partes poderiam concordar em aceitar um mecanismo equânime que permitisse a mesma escolha das estratégias "Alto-Esquerda" ou "Baixo-Direita" na mesma proporção meio a meio. Com isso, cada um obteria 3/2 - somando os ganhos (2, 1) e (1, 2), dividindo-os, depois, por dois, achando (3/2, 3/2) -, bem acima dos 2/3 anteriores.

Equilíbrio de Nash

O emprego de estratégias mistas é recomendável sempre que as estratégias puras não indicarem uma estratégia dominante, uma solução em ponto de sela, ou um ponto de equilíbrio. A noção de ponto de equilíbrio, em termos da Teoria dos Jogos, foi formalizada por John Nash como uma generalização da solução maximin para jogos não-cooperativos de várias pessoas e soma variável, não se restringindo somente aos cooperativos de duas pessoas e soma zero. O ponto de equilíbrio, nas palavras de Nash, é o conjunto de resultados opostos que maximiza os ganhos de cada jogador em face da melhor estratégia do outro (13). Nash mostrou que embora pudesse haver jogos em que as estratégias puras não apontassem para ponto de equilíbrio, o recurso à mistura de estratégia sempre produziria um novo ponto de equilíbrio em jogos finitos.

Um equilíbrio de Nash, ou ponto de equilíbrio, portanto, é uma combinação de estratégias da qual nenhum jogador pode aumentar seu ganhos unilateralmente, ao mudar de estratégia. Para localizar um ponto de equilíbrio em uma matriz, existem alguns métodos práticos e simples. O jogador deve descobrir a célula na qual o ganho seja, simultaneamente, o máximo da Linha nas devidas colunas e o da Coluna nas suas linhas. Visualmente, isto pode ser feito com o recurso de setas ou de letras que marquem os máximos da Linha (l) e da Coluna (c), sendo equilíbrios de Nash as células que contenham as marcas de ambos jogadores ou sejam a convergência das setas. Na matriz da Batalha dos Sexos, descrita há pouco, os equilíbrios surgem da seguinte forma:

Figura 4b Estratégias
Coluna
para esquerda
 
Esquerda Direita  
para altoLinha
Alto l 2, 1 c 0, 0 para baixo
Baixo 0, 0 l 1, 2 c
Batalha dos Sexos para direita  

O encontro das estratégias (alto, esquerda) e (baixo, direita) indicam a existência de dois pontos de equilíbrio que impedem a escolha de uma única solução usando só as estratégias puras, motivo pelo qual a mistura de estratégias se faz necessária. Quando um jogo apresenta apenas um ponto de equilíbrio pela combinação de estratégias puras é sinal que houve o cruzamento de duas estratégias dominantes. Ou seja, estratégias que dominam as outras estratégias de cada jogador, fornecendo o melhor ganho, independente do que o outro faça. Assim, no modelo desenhado na figura 6, também conhecido como "Dilema dos Prisioneiros", as estratégias "baixo" e "direita" superam as respectivas estratégias "alto" e "esquerda", da Linha e da Coluna. Contudo, a dominância e a perfeição deste ponto de equilíbrio espanta a todos que se defrontam com este quadro pela primeira vez.

Figura 6 Estratégias
Coluna
para direita
 
Esquerda Direita  
para baixoLinha
Alto 2, 2 0, 3 c para baixo
Baixo l 3, 0 l 1, 1 c
Dilema dos Prisioneiros para direita  

A solução que dois agentes instrumentalmente racionais acabam por encontrar nunca é a melhor para ambos, no contexto do Dilema dos Prisioneiros, pois o ponto de equilíbrio (1, 1) é subótimo em relação a (2, 2), que poderiam obter se adotassem a estratégia dominada. Porém, um agente racional, quando possui uma estratégia dominante, nunca escolhe outra que não esta. Note que a combinação de estratégias dominantes conduz sempre a resultados que são equilíbrio de Nash, mas nem todo ponto de equilíbrio é formado por pares dominantes, como mostrou a Batalha dos Sexos, onde há dois equilíbrios de Nash em estratégias puras que não são dominantes.

Todas essas técnicas de solucionar um jogo, cooperativo ou não, estão apoiadas numa concepção de racionalidade que, apesar da aparente precisão, geram resultados paradoxais do ponto de vista filosófico, como no caso do Dilema dos Prisioneiros e nestes dois outros apresentados por Mário Henrique Simonsen (1935-1997) em sua inacabada introdução à Teoria dos Jogos. Para atacar a fragilidade da suposição de racionalidade entre os participantes, Simonsen montou uma matriz semelhante a da figura 7 (14).

Figura 7 Estratégias
Coluna
para esquerda ou direita
 
Esquerda Direita  
para altoLinha
Alto l 3, 3 c -3, 3 c para baixo
Baixo 2, 2 c l 1, 1
  para esquerda  

Alto-esquerda constitui o único equilíbrio de Nash desta matriz, sendo esquerda a estratégia dominante de Coluna. Tendo em mente, o pressuposto de racionalidade da teoria, Linha não tem porque se preocupar em escolher a estratégia Alto, uma vez que a dominante de Coluna lhe garante três de ganho. Entretanto, Esquerda domina fracamente a direita, pois se Linha escolher Alto, Coluna nada perderia mudando de dominância para a direita, amargando seu adversário -3 de perda. Sem saber as reais intenções de Coluna, Linha pode refletir que o melhor seria reduzir ao mínimo suas perdas seguindo a sua maximin localizada em Baixo. Assim, Linha obteria um, pelo menos, e Coluna o seu pior resultado, caso viesse a jogar Direita. Simonsen, então, advertiu que poderia "ser extremamente imprudente escolher estratégias conducentes a um tal equilíbrio [de Nash] sem a garantia de que todos os demais jogadores façam o mesmo" (15).

Além do mais, os equilíbrios de Nash podem estar em combinações totalmente opostas como neste segundo exemplo fornecido por Simonsen e que foi adaptado à figura 8.

Figura 8 Estratégias
Coluna
para direita
 
Esquerda Direita  
para baixoLinha
Alto -3, -3 l 2, -2 c para alto
Baixo l -2, 2 c 1, 1
  para esquerda  

De novo, um problema de coordenação surge entre os participantes, mas agora ambos preferem ganhar 2, fazendo com que o outro assumisse o prejuízo de -2. Contudo, se jogarem suas estratégias favoritas acabariam pior do que no Dilema dos Prisioneiros, obtendo o resultado mais baixo possível (-3, -3). Para fugir deste destino, a única solução seria adotar mais uma vez suas respectivas estratégias maximin, que evita o pior e neste caso garante (1, 1) para as partes. O apoio na racionalidade forte exige a aceitação de respostas que transformam o agente estratégico em um homo œconomicus caricatural, posto que pessoas que não fossem tão "racional" poderiam alcançar um patamar mais vantajoso do que as que agem de modo estritamente racional e egoísta, como o defendido pela teoria. Isto revela uma certa ambiguidade na concepção de racionalidade defendida pelo equilíbrio de Nash, que nem sempre corresponde aos melhores resultados possíveis. De fato, testes em laboratórios provaram que a maioria das pessoas, formadas ou não em economia ou matemática, procuram soluções que sustentem ganhos próximo a uma distribuição justa para todos envolvidos.

Na complexidade do contexto social, onde vários agentes racionais atuam no sentido de maximizar suas utilidades, satisfazendo seus desejos, não se pode esperar tranquilamente que uma "mão invisível" acomode todos interesses através do encontro das melhores escolhas em equilíbrio. O Dilema dos Prisioneiros, entre outros, representa as situações nas quais a disputa entre agentes econômicos redunda em tragédia como a dos comuns, esboçada por Garrett Hardin (16). Soluções, como as propostas por Nash, são construídas com base em conhecimento a posteriori e não podem servir idealmente a priori para determinar, em todas circunstâncias, as decisões racionais, seja lá o que isto signifique. Para evitar o pior, faz-se necessário olhar com maior atenção a maneira pela qual as pessoas deliberam em meio a influências emocionais ou culturais. Uma observação que valeu o Nobel a Daniel Kahneman e será o foco do próximo ponto.

Notas
1. Veja SCHELLING, Th. C. The Strategy of Conflict, ap. C, p. 295.
2. LUCE, R. D. & RAIFFA, H. Games and Decisions, § 5.9, p. 107.
3. NASH, J. "Non-Cooperative Games", p. 287.
4. Os detalhes técnicos dos pontos de sela podem ser apreciados diretamente em VON NEUMANN, J. & MORGENSTERN, O. Theory of Games and Economic Behavior, §§ 13.4.1 a 3, pp. 93-5. Para uma explicação informal, veja RAPOPORT, A. Lutas, Jogos e Debates, part. II, cap. VII, pp. 104 a 109.
5. Veja VON NEUMANN, J. & MORGENSTERN, O. Op. cit., § 17.6, pp. 153-155.
6. Em LUCE, R. D. & RAIFFA, H. Op. cit., § 5.3, pp. 90 e ss.
7. Veja RAPOPORT, A. Lutas, Jogos e Debates, cap. IX, pp. 122 e ss.
8. Em RAPOPORT, A. Op. cit., cap. IX, p. 123.
9. A rigor a versão original deste jogo, criado por Luce e Raiffa, proporciona os resultados negativos (-1, -1) para as estratégias Alto-Direita e Baixo-Esquerda; enquanto David M. Kreps constrói sua matriz de um modo mais realista assim:
  Estratégias Coluna
Esquerda Direita
Linha Alto 5, 4 1, 1
Baixo 0, 0 4, 5
Para explorar as consequências destas mudanças, veja nota 6 e KREPS, D. M. Games Theory and Economic Modelling, cap. 4, pp. 39 e ss.
10. Veja RAPOPORT, A. Idem, cap. IX, pp. 125 e ss.
11. DAVIS, M. Teoria dos Jogos, cap. 3, p. 56.
12. Em tempo, nos jogos de soma zero as estratégias maximin e minimax são equivalentes, entretanto, nos de soma variante podem haver diferenças. Em todo caso, a mistura maximin sempre corresponde à proporção encontrada para as estratégias da Linha ou da Coluna tendo em vista a diferença de seus respectivos resultados, enquanto a minimax é calculada em função dos ganhos recíprocos dos oponentes. Veja, por exemplo, LUCE, R. D. & RAIFFA, H. Idem, § 6.11, pp. 145 a 150.
13. Veja nota 3.
14. Para os próximos exemplos veja SIMONSEN, M.H. Teoria dos Jogos, § 1.5, pp. 25-26.
15. SIMONSEN, M.H. Op.cit., p. 25.
16. Mencionado no texto anterior.

« Antes: A Estrutura do Jogo: Conceitos e princípios
A seguir: A Irracionalidade do Agente Racional: Risco e incerteza; psicologia, biologia evolutiva; o maximizador local e o global. »
Referências Bibliográficas

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LUCE, R.D. & RAIFFA, H. Games and Decisions. - Nova York: Dover, 1989.

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