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TEORIA DOS JOGOS E DA COOPERAÇÃO (MAY, E. 'Ben Franklin leva Xeque-Mate de Lady Howe', sec.XIX)
Dilema dos Prisioneiros Iterado
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TEORIA DOS JOGOS E DA COOPERAÇÃO PARA FILÓSOFOS

SEÇÃO II

» 1ª Unidade: DPI

  • Recapitulação da seção I.
Por Antônio Rogério da Silva

Até agora, a discussão feita sobre a Teoria dos Jogos e a Teoria da Cooperação procurou apresentar os conceitos principais e os princípios mobilizados na modelagem da interação entre agentes racionais seja por meio de matrizes, seja na forma estendida de árvores de Kuhn. De imediato, procurou-se mostrar os antecedentes históricos dessas teorias, levantando suas principais obras e autores. Logo em seguida, na primeira unidade da seção I, o segundo ponto tratou de revelar como são construídas as tabelas da forma estratégica e da forma extensiva que permitem que sejam feitas abordagens diferentes na interpretação de um mesmo jogo que tem características próprias que são reveladas quando jogados simultaneamente - nesse caso as matrizes são a melhor forma de representação - ou quando há uma sucessão de movimentos alternados entre os jogadores - situação que se descreve adequadamente no esquema de uma árvore.

Depois disso, passou-se à definição dos conceitos de estratégia dominante, ponto de sela, equilíbrio, estratégias mistas e solução maximin. Foram exibidos exemplos e técnicas práticas ou intuitivas para detecção das estratégias que podem determinar o fim de um jogo, ou marcarem precisamente o seu desenvolvimento. A primeira unidade encerrou-se com um ponto problemático para essas teorias que se encontram na concepção de racionalidade. A imagem de jogadores que atuam como se fossem agentes racionais egoístas trouxe alguns paradoxos para a busca dos resultados que maximizassem sua utilidade. Ao agirem assim, em situações como a do Dilema dos Prisioneiros, tudo que os envolvidos conseguiriam seria um resultado abaixo do ótimo de Pareto para todas as partes. Questionamentos iniciais sobre a psicologia dos agentes naturais, levantados pelo economista francês Maurice Allais obrigaram a formulação de novos conceitos que compuseram a teoria das perspectivas (Prospect Theory), cuja explicação desses problemas subjetivos dos agentes racionais frente ao risco garantiu a distinção do prêmio Nobel de Economia para Daniel Kahneman, em 2002.

Na segunda unidade, fez-se a abordagem de um assunto específico em que se trata do papel da comunicação na solução de jogos. Nesse momento, quando ameaças, acordos obrigatórios, informação perfeita e os principais conceitos relativos aos temas comuns à teoria dos jogos e da comunicação surgem para estabelecer uma aproximação entre essas duas teorias. Os principais conceitos comuns dos Jogos com Comunicação e da teoria filósofica da comunicação foram listados a fim de estabelecer as correlações e divergências entre essas duas interpretações dos fenômenos comunicativos. A aplicação dos principais conceitos dos Jogos com Comunicação aos modelos tradicionais da teoria dos jogos e às situações próprias de jogos falados levaram a uma nova compreensão dos eventos comunicativos. A racionalidade instrumental pode ser compreendida como sendo uma atividade mental básica que pode ser complementada pela razão comunicativa. Os modelos de jogos com comunicação servem para revelar os limites da ação comunicativa e estabelecer o contato entre as duas formas de racionalidade.

A seguir, foi introduzida a Teoria da Cooperação elaborada por Robert Axelrod que utiliza o modelo do Dilema dos Prisioneiros repetido várias vezes, como um superjogo, para avaliar como a cooperação pode emergir entre agentes egoístas. Superjogos têm como característica a produção de uma infinidade de estratégias em equilíbrio. A Teoria da Cooperação de Axelrod permitiu que se encontrasse um método para seleção de um ponto de equilíbrio entre tantos concorrentes. Nesse sentido, a interpretação da evolução pelos modelos de jogos foi desenvolvida por meio de torneios de computadores. Os torneios de computadores elaborados por Robert Axelrod serviram para renovar a interpretação sobre a origem da cooperação entre seres racionais ou não considerados egoístas. Através desses torneios várias estratégias foram examinadas, a fim de encontrar aquelas que fossem mais propícias à fomentação do comportamento cooperativo.

Apesar dos torneios de computadores elaborados por Robert Axelrod terem trazido novas luzes sobre a forma que a cooperação pode surgir entre seres egoístas, o modelo padrão do Dilema dos Prisioneiros Iterado recebeu várias críticas. Muitos sugeriram alternância nos movimentos, possibilidade de erro e lances feitos de acordo com uma taxa de variação. Mudanças significativas na montagem da simulação em computadores ajudaram a tornar mais realistas as estratégias vitoriosas em um Dilema dos Prisioneiros Iterado. Alternância dos movimentos, possibilidade de erro e outras características desenharam programas mais sofisticados que funcionavam bem em um cenário, mas não em outros.

O Dilema dos Prisioneiros Iterado passou por uma história de transformações e adaptações às características que procuravam refinar cada vez mais sua descrição das relações entre agentes racionais. Ruído, troca de papéis e evolução foram ingredientes importantes nessa sofisticação do modelo de DPI que revelaram detalhes que antes não poderiam ter sido discutidos. Além desse dilema, outros jogos foram modelados para avaliar com maior precisão os paradoxos encontrados. O jogo da Centopéia é um deles. A centopéia permite examinar o papel do tempo e da indução reversa como fatores a influenciar o comportamento de agentes racionais, nem sempre intuitivamente aceitáveis.

Para realizar os experimentos com esses modelos de jogos, o uso de computadores foi o instrumento privilegiado seja assumindo o papel de um jogador fictício, seja como meio pelo qual as jogadas eram feitas entre os agentes. Além da Teoria dos Jogos e da Cooperação, os computadores trouxeram grande contribuição ao debate filosófico do século XX em diante. Na Inteligência e Vida Artificiais, na disputa do Dilema dos Prisioneiros Iterado, a computação permite entender e testar hipóteses que de outro modo permaneceriam infundadas no campo da especulação dos estudos acadêmicos. Com isso, a teoria da mente e a filosofia prática tiveram um campo novo aberto pelos computadores que ainda tem muito por ser explorado pelos filósofos.

Os jogos do Bem Público e do Ultimato são dois outros modelos de interações estudados pela teoria dos jogos que permite a avaliação de fatores importantes para o florescimento da cooperação como a instituição de mecanismos de controle e sentimentos de justiça e equidade. Através desses exemplos trabalhados em testes laboratoriais e de campo pôde-se verificar as dificuldades de aceitação das hipóteses mais fortes da teoria sobre a existência de um imaginário homo oeconomicus, cuja racionalidade estratégica por vezes tem de ceder aos sentimentos de justiça e reputação. Sentimentos esses que foram consolidados na história evolutiva da espécie humana ou na forma como a sociedade restringe os efeitos da exploração entre seus membros.

As Simulações dos Principais Jogos e suas Consequências

Na segunda seção deste curso de Teoria dos Jogos e da Cooperação para Filósofos, segue-se uma abordagem mais detalhada dos métodos utilizados para o emprego dos principais modelos de jogos que foram sumariamente apresentados na primeira parte. A defesa da simulação, como uma nova forma de apoiar ou refutar as hipóteses levantadas, é construída logo em seguida a essa recapitulação. As linguagens mais adequadas para iniciantes e pesquisadores avançados são sugeridas. Depois, as estratégias derivadas da famosa OLHO POR OLHO são também discutidas como uma família de estratégias que tem seu uso otimizado em situações específicas. Estratégias híbridas e da família pavloviana também são confrontadas. Ao final da primeira unidade, então, desenvolve-se o debate em torno das principais condições que o DPI precisa satisfazer para que surja a cooperação entre indivíduos racionais.

Com a segunda unidade desta segunda parte, os modelos do Jogo dos Bens Públicos trabalhados por diversos autores são retomados para verificação de sua modelagem e possíveis implicações para o estabelecimento do papel do carona. Desde que David Hume definiu a personagem do patife esperto, a figura do carona apresentou-se à teoria dos jogos como representante desse tipo de comportamento nocivo para a cooperação em função de um bem comum. Para resolver os problemas causados pela atuação desastrosa desse ator, ao contrário do que talvez pensasse Hume, faz-se necessário a punição e a presença de um terceiro elemento, ou uma instituição como o Estado para obrigar o cumprimento dos acordos. Só assim a cooperação poderá ser considerada viável, em situações como a formalizada pelo Bem Público.

Em seguida, o Jogo do Ultimato, apresentado em seus diversos experimentos, coloca em maior relevo o papel da reputação que não poderia ser detectado claramente nos dois modelos anteriores. Sua formulação simultânea e sem comunicação prévia, antecipada por Thomas Schelling, tem na solução justa de um ponto focal a possibilidade de compreensão de um sentimento inato de justiça que pode ser a manifestação de algum gene específico em vez de ser apenas uma conclusão aritmética adequada. Com essa observação em mente a pesquisa que revelou a ausência de um suposto "homem econômico" - imaginado pelos teóricos dos jogos -, em meio à sociedade pode também vir a reforçar a hipótese do sentimento de justiça inato, bem como o papel das práticas sociais atuando sobre as deliberações dos indivíduos. Destarte, será oportuno aportar as condições que surgem no Ultimato para o aparecimento e atuação da equidade como solução ótima para jogos desse tipo.

Por fim, a construção de jogos tal como sugerida pelos vários teóricos que se dedicam à formalização do processo de decisão entre agentes racionais têm sua utilização indicada aos campos de investigação sobre o comportamento de seres vivos em geral e do ser humano em especial. Em muitos domínios fora da economia e administração, os jogos vêm servido como instrumento de avaliação das hipóteses elaboradas para descrever esse desempenho. A biologia evolutiva foi uma das primeiras disciplinas a empregá-los para explicação de pontos problemáticos da evolução. A psicologia também chegou a merecer distinção como a teoria sobre o comportamento do homem racional frente a situações de risco. Agora, até mesmo a neurologia encontra-se entre as disciplinas que aplicam os testes dos jogos para detecção de áreas do cérebro responsáveis pela deliberação e reações emocionais ou racionais.

A própria filosofia foi uma das primeiras áreas a reconhecer a importância dos jogos através da obra de Richard Bevan Braithwaite (1900-1990), Theory of Games as a Tool for the Moral Philosopher (Teoria dos Jogos como uma Ferramenta para o Filósofo Moral, 1955), que propôs um princípio equitativo, segundo orientação fornecida por uma fronteira de eficiência. De lá para cá, John Rawls (1921-2002), em Uma Teoria da Justiça (1970), também valeu-se de instrumentos matemáticos para tratar do problema de distribuição, enquanto David Gauthier desenvolveu toda uma teoria contratualista da moral fundada na teoria dos jogos, em Morals by Agreement (Moral por Acordos, 1986). Esses autores, entre outros, que vêm transformando a filosofia contemporânea trabalham como o novo instrumental, a fim de enfrentar argumentos críticos de outras áreas das ciências humanas que cobram maior precisão das proposições filosóficas. Mas não só em precisão ganha a filosofia como o emprego dos jogos, contudo na clareza pretendida desde o início da modernidade. Uma conclusão favorável ao trato da teoria dos jogos por parte dos filósofos deverá, portanto, fechar o curso destacando as vantagens de se aliar esse método de investigação às restrições críticas próprias da disciplina.

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Referências Bibliográficas

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