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MEDIDA PROVISÓRIA
A Vontade Solitária do Executivo

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Luiza Cristina Fonseca Frischeisen
Procuradora-regional da República na 3ª Região

 

Nós, operadores do Direito, que fundamos nossas crenças no Estado Democrático de Direito, na harmonia dos Poderes da República, na
Constituição como instrumento de construção e consolidação da igualdade, acreditamos que as leis devem surgir após o processo legislativo adequado e
legítimo.

E qual é esse processo? Aquele estabelecido na Constituição, em que leis votadas pelas casas legislativas são a regra, no caso de leis federais, pelo
Congresso Nacional.

Processo no qual as medidas provisórias representam a exceção porque previstas para serem usadas pelo Presidente da República somente em caso de relevância e urgência.

Entretanto, parece que o tempo da política, que exige negociação e assentimento em relação aos interesses da maioria e das minorias representadas no Congresso, tornou-se demasiado longo para o Executivo Federal.

Segundo depreende-se do número de medidas provisórias editadas e reeditadas nos dois últimos mandatos presidenciais, 4.158 conforme nos informa o site da Presidência da República, todos os assuntos tornaram-se relevantes e urgentes.

Ultimamente, tem o Poder Executivo Federal dedicado-se a alterar leis processuais através de medidas provisórias.

Aqueles que não atuam na área jurídica se perguntarão: mas qual a urgência e relevância em alterar normas sobre os prazos para embargos da fazenda pública, impedir liminares proferidas por Juízes de primeiro grau, sobrestar o andamento de ações coletivas, concentrar poderes na figura do Advogado Geral da União, proibir o acesso à justiça de forma coletiva por associações, sindicatos e do
Ministério Público quando as ações tratarem de fundo de garantia por tempos de serviço, contribuições previdenciárias e outros tributos ?

Resposta : a urgência e a relevância estão em impedir que os cidadãos, quer individualmente, quer através de associações e sindicatos ou ainda através do Ministério Público questionem a União Federal - leia-se o Governo Federal em Juízo.

Substitui-se o velho ditado popular "os incomodados que se mudem" já que não dá para ordenar o êxodo em massa e tampouco modificar-se a Constituição (
ainda ) por medida provisória, pela nova máxima " medida provisória para calar aqueles que insistem em fazer valer seus direitos ".

Recentemente, uma das mais novas obras jurídicas do Executivo Federal, a Medida Provisória 1984 (que, como nos lembrou o Professor Fábio Konder
Comparato em artigo recente publicado na Folha de São Paulo , remete-nos à obra de George Orwell , na qual é descrito com requintes o funcionamento de
um Estado Totalitário), traz em sua exposição de motivos a seguinte explicação para a proibição da propositura de ações civis públicas para discussão de FGTS, contribuições previdenciárias e tributos :

" ... em numerosas hipóteses os Juízes não extinguem de pronto o processo, por ilegitimidade do Ministério Público ou da associação autora, circunstância que traz incontáveis inconvenientes às Fazendas Públicas pelo universo de interessados abrangidos pelas ações, não obstante plenamente identificáveis as pessoas que o compõem."

Ora, as ações coletivas existem justamente para evitar a multiplicidade de demandas, inclusive, com a multiplicidade de decisões e de contestações por
parte do poder público, quando este for o réu, o que também implica em maiores gastos para a administração.

O Executivo Federal, sem esboçar qualquer culpa, legisla em causa própria, e ao mesmo tempo, através da bancada governista no Congresso Nacional obstrui
o andamento do Projeto de Emenda Constitucional , que visa regulamentar a edição de medidas provisórias, e que se encontra atualmente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Àqueles que acreditam no Estado Democrático de Direito e na Política como instrumento pelo qual a Democracia faz valer o interesse da maioria,
respeitando o direito das minorias, e repudiam processos autoritários disfarçados como são aqueles da edição das medidas provisórias no Brasil, cabe resistir.

Resistir nos (nossos) processos, argüindo e declarando a inconstitucionalidade de medidas provisórias como aquela identificada pelo
fatídico número 1984, e atuando para que o Congresso Nacional regulamente a edição das medidas provisórias para que a Lei volte a ser, em nosso país, a expressão da vontade geral e não a somente a voz solitária e autoritária do
Executivo Federal.
 

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