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O QUE DE FATO ESTÁ EM DISPUTA

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por Tarso Genro (*)


O comportamento de importantes setores do país em relação à existência de
indícios de corrupção no coração do governo revela a própria natureza do
modelo implementado por Fernando Henrique no Brasil.

Na operação de guerra montada pelo Planalto e nas manobras promovidas pela maioria parlamentar para evitar a instalação de uma CPI, na linha editorial dos grandes veículos de comunicação e no manifesto de desagravo de um setor do empresariado, evidencia-se a existência de um plano nacional arquitetado para convencer a opinião pública de que o Planalto permanece imune ao vírus generalizado da corrupção no país.

Adotando uma postura dissimulada, que combina indignação aparente e
truculência real, os setores comprometidos com o projeto neoliberal em curso
no país esforçam-se por atribuir às denúncias um caráter eleitoreiro e por
caracterizá-las como ignóbeis tentativas dos oposicionistas para macular a
"honra" pessoal do Presidente, grande timoneiro da condução do país ao novo
mundo do mercado globalizado.

Na opinião desses setores, a atitude oposicionista seria irresponsável, já
que propor uma CPI para investigar indícios de corrupção implicaria em alto
risco institucional na medida em que poderia ameaçar a estabilidade
governamental e, dessa forma, comprometer o curso normal do projeto de
reinserção do país na nova ordem internacional.

Evidentemente, o que está em disputa para esses setores não é a veracidade
das denúncias, já que a dimensão ético-jurídico-política desse episódio é
para eles irrelevante.

O que importa nesse jogo bruto - e às vezes isso é
dito explicitamente, sem qualquer escrúpulo - é a estabilidade do projeto
econômico. Trata-se, portanto, de uma inequívoca subordinação da ética e da
política à economia, característica essencial da globalização.

A proteção à "honra" do Presidente, insistentemente referida, tem um caráter
meramente instrumental. Denota menos a defesa da sua dignidade pessoal e
pública e mais a preocupação com a preservação da "reputação" do Chefe de
Executivo, já que ele tem um papel fundamental a desempenhar no grande
espetáculo da globalização.

Sua "imagem" deve traduzir consistente adesão
interna à nova hegemonia e credibilidade e sustentação política do governo,
bem como transmitir aos agentes econômicos internacionais as idéias de
estabilidade, previsibilidade e segurança, fundamentais para orientar as
opções dos megainvestidores globais.

Ou seja, diante da "teatralização" da
política, o ator principal deve ter boa "performance" - aliás, expressão que
o Presidente utilizou para referir-se ao desempenho do seu
ex-Secretário-Geral no depoimento que este prestou ao Parlamento - já que no
cenário global tudo é virtual e o que importa é a aparência.

Vê-se, portanto, que valores consagrados pela Constituição, como a
transparência e a moralidade pública, ou o princípio democrático que a
informa, são não só ignorados pelos sacerdotes do mercado, como até
sacrificados no altar sagrado da globalização. Se houve ou não compra de
votos para a reeleição, corrupção no processo de privatizações, informação
privilegiada na mudança do câmbio ou beneficiamentos ilícitos no salvamento
de bancos, torna-se irrelevante.

Assim como é irrelevante determinar se a
edição sucessiva de medidas provisórias compromete o sistema democrático e o
equilíbrio de poderes.

Os atos do governo passam a se configurar como
amorais e apolíticos, porque o fundamental é garantir a plena implementação
do projeto econômico, os resultados macroeconômicos da política de FHC.

Esse comportamento cínico foi expressamente afirmado pelo Presidente quando
sustentou que a ética fundamentada em princípios deveria ser substituída por
uma ética baseada na responsabilidade.

Portanto, uma ética mais "realista",
capaz de produzir resultados efetivos, já que os "valores" são meras
criações ficcionais da modernidade, comprovadamente impotentes para
transformar o mundo real.

Esse raciocínio - que conclui pela necessidade dos
princípios e valores se renderem aos "fatos" - Fernando Henrique aplica
universalmente: às instituições políticas que devem abdicar da regulação
democrática e se subordinar às razões do Estado, e à economia, que deve
renunciar à regulação social e aos objetivos nacionais e se submeter
mansamente à objetividade do mercado.

É de se perguntar ao Presidente quais os reais objetivos que o Estado
pretende atingir e quem os definiu, já que os fins e os meios estabelecidos
no contrato social da Nação, traduzidos pela Constituição de 1988, conflitam
radicalmente com os objetivos traçados e com os métodos adotados pelo seu
governo, bem como divergem substancialmente do programa de governo que
sustentou nas duas campanhas que o conduziram ao Planalto.

Portanto, trata-se de analisar as contestadas práticas de gestão do
Secretário-Geral da Presidência de uma perspectiva política, do ponto de
vista da Constituição, para verificar se são ou não compatíveis com o Estado
de Direito Republicano e Democrático.

Ou, dito de outra maneira, a apreciação desses atos do governo não pode adotar os parâmetros deduzidos da lógica do projeto econômico em curso, já que este colide permanentemente com os princípios, direitos e garantias constitucionais, bem como com os objetivos sociais e nacionais definidos na Carta Magna.

O que devemos exigir, portanto, não é a mera apuração de eventuais atos
antijurídicos de agentes públicos, já que não estamos tratando de delitos
comuns, nem a execração pública de autoridades, pois não estamos promovendo
cruzadas moralistas.

Os juízos éticos e as sanções penais, se disso se
tratar, serão decorrências necessárias da apreciação desses atos pela
opinião pública no debate democrático, ou do julgamento dos tribunais após o
devido processo legal.

O que este país deve exigir é um juízo político sobre o Presidente: o
julgamento sobre a sua responsabilidade política - intransferível e
incontornável - pela implementação de um modelo econômico e de métodos de
gestão pública que se chocam frontalmente com a Constituição.

Ao comprometer a soberania nacional,
submeter a produção do país à especulação financeira,
renunciar a um projeto nacional de desenvolvimento, destruir as políticas
sociais, aviltar o patrimônio público, omitir-se na investigação de
denúncias de corrupção, o Presidente está induzindo a "criminalização" da
política, estimulando o autoritarismo, violando a Constituição,
inviabilizando o desenvolvimento nacional e negando à Nação o direito de
decidir seu futuro.

TARSO GENRO, advogado, é ex-Vice Prefeito (1989-1992) e ex-Prefeito de Porto
Alegre (1993-1996). É o candidato petista à prefeitura da Capital do Rio
Grande do Sul nas eleições do ano 2000.
 

(Mensagem veiculada originariamente na Lista Política BR por Ricardo Menezes.)
 
 

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