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PRECISAMOS DEMOCRATIZAR
E HUMANIZAR A JUSTIÇA

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Ministra do STJ vê no afastamento entre os juízes e os dramas sociais um problema ainda mais grave que a lentidão do Judiciário, saúda o avanço dos Juizados Especiais e expõe suas preocupações com a "reforma" do Judiciário

Entrevista a Ricardo Maffeis Martins*





Atacados pelas forças que procuram consolidar o poder imperial do Executivo, os tribunais e em particular o STJ continuam a reagir com a força das idéias. Empenhada em difundir ao máximo esta resistência, Carta Maior entrevista agora a ministra Fátima Nancy Andrighi, da 3a Turma e da 2a Seção (Direito Privado) do tribunal. Profunda conhecedora dos Juizados Especiais, ela fala sobre sua origem e avanços, e faz um alerta sobre a "reforma" do Judiciário: "a prestação jurisdicional não será modificada".
 
 
 

Carta Maior: A senhora acha que o principal problema da Justiça é a lentidão?

Ministra Nancy Andrighi: Penso de modo diferente. O desafio da Justiça brasileira é difundir a idéia da democratização, fazer com que pessoas não investidas da função jurisdicional ajudem o Poder Judiciário a desenvolver suas funções -- principalmente os advogados, que pela Constituição são responsáveis pela administração da Justiça. Administrar a justiça não é só ajuizar ações e fazer sustentação oral, mas participar do sucesso e do insucesso deste Poder. É por isso que eu insisto na ajuda deles, que podem atuar como juízes leigos, conciliadores, negociadores, mediadores, árbitros e daí por diante.

É preciso buscar a humanização da justiça. Acossados pelo excesso de trabalho, os juízes não estão mais conseguindo olhar nos autos de um processo e ver que, atrás daquelas páginas, milhares de páginas às vezes, existe um ser humano sofrendo. Precisamos retornar a isso, sob pena de fracassarmos no nosso objetivo primeiro.
 
 

Carta Maior: Os advogados e juízes estão preparados para isso?

Ministra Nancy Andrighi: Todos juntos temos que estar imbuídos da busca da paz social e a paz social não é ensinar beligerância, que é o que se ensina nas faculdades. Nos cursos, o aluno é instruído a raciocinar segundo a lógica do conflito. Os professores lhe dizem que a primeira coisa a fazer, quando as partes chegam a seu escritório, é identificar a ação a ser ajuizada. Não passa na cabeça dele a possibilidade de negociar, mediar o conflito, resolvê-lo de alguma outra forma que não o processo. E os juízes não investem também na conciliação, que é um ato obrigatório deles. O mundo contemporâneo caminha para que todos os Poderes Judiciários busquem a paz social, a preservação das relações de amizade e não só as jurídicas. Se for possível minimizar o processo e obter a conciliação, a relação negocial vai continuar. Se, ao contrário, o conflito terminar com uma sentença, esta relação terminará.
 
 

Carta Maior: O STJ acaba de enviar ao Congresso o projeto de criação dos Juizados Especiais Federais. A senhora participou da elaboração do texto?

Ministra Nancy Andrighi: Participei de algumas reuniões da elaboração do anteprojeto, que abrange tanto a área criminal quanto a cível. O anteprojeto tem os mesmos avanços da Lei nº 9.099/95 (que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Estadual), mas é mais direcionado às particularidades da Justiça Federal.

Creio que o grande avanço desta lei na área cível -- e foi onde mais trabalhei -- é a possibilidade, dentro de um limite de competência estabelecido, de as pessoas não terem que aguardar os precatórios. É o meio de o Estado fazer com que pequenas dívidas sejam solucionadas mais rapidamente. Isto representa, para as milhares de pessoas que aguardam revisões de aposentadoria, benefícios do INSS, a possibilidade de receber o que merecem bem mais rapidamente do que se o processo tramitasse pela Justiça Federal. É um projeto de cidadania, como foi o dos Juizados Especiais para a Justiça tradicional.
 
 

Carta Maior: No estado da senhora, o Rio Grande do Sul, houve há dois meses uma experiência pioneira de criação de vara especial para questões previdenciárias. A senhora tem acompanhado esta experiência?

Ministra Nancy Andrighi: Sim. Essa idéia surgiu de um Congresso realizado no Recife em que se discutiu da viabilidade dos Juizados Especiais. Nossa sugestão foi experimentarmos -- assim como fizemos antes como da criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que passaram por um período de experiência, com a instalação dos chamados Juizados Informais de Pequenas Causas. O que há no Rio Grande do Sul é exatamente uma vara especializada na área da previdência, ainda em caráter informal, para sentir a resposta do cidadão e do próprio Estado, que deverá efetuar os pagamentos independente dos precatórios. É uma experiência para verificar como funciona, e eu acho que é com essas experiências informais que se melhora a lei.
 
 

Carta Maior: Se valer o sucesso alcançado em cinco anos de Juizados Estaduais, a tendência é que dê certo...

Ministra Nancy Andrighi: Exatamente. E não se esqueça de que temos mais de uma década de experiência acumulada. Desde 1984 há os Juizados de Pequenas Causas e antes ainda, por volta de 1980, começaram os ensaios. Eu ainda era juíza no Rio Grande do Sul quando se iniciou essa experiência, na época com juntas de conciliação.

A notícia que tenho sobre o novo Juizado Especial é que a experiência tem muito sucesso, que a juíza federal que está trabalhando nesta vara é muito habilidosa e tem feito uma média de quatro audiências por turno (manhã e tarde).
 
 

Carta Maior: A chamada "reforma" do Judiciário está de novo em pauta. A senhora vê um real avanço no projeto que está tramitando pelo Senado Federal?

Ministra Nancy Andrighi: Na área da prestação jurisdicional, o serviço público que nós prestamos, não vejo avanço nenhum -- muito pelo contrário. Acho que isso precisa ser bem explicado e debatido com a população. O Congresso quer fazer uma reforma institucional do Poder Judiciário. O cidadão brasileiro não aguarde que desta reforma vá melhorar a sua vida, vá agilizar seus processos, vá tornar mais fácil chegar ao Judiciário.

Para muitos, inclusive na magistratura, a reforma é um retrocesso. O problema é que a população não é esclarecida sobre o que efetivamente haverá em conseqüência da reforma. Sou a favor do controle externo, penso que os juízes que trabalhamos seriamente não temos receio dele. Mas o que se quer é dar uma resposta à população, e isso não acontecerá. A sociedade não vai entender porque, depois de terminada a reforma, a vida das pessoas não melhorou.
 
 

Carta Maior: O Congresso está debatendo o projeto do novo Código Civil (de 1976). Há risco dele "abocanhar" o Código de Defesa do Consumidor (CDC)?

Ministra Nancy Andrighi: Não conheço profundamente o projeto, mas da leitura que fiz, não entendi que as novas normas do Código Civil pretendessem "abocanhar" o Código do Consumidor. As relações jurídicas protegidas pelo Código Civil são completamente diferentes das protegidas pelo CDC. Considero o atual projeto uma tentativa de modernizar o Código Civil.

E em muitos pontos eu considero o projeto extremamente avançado, especialmente na Parte Geral, que foi feita pelo ministro Moreira Alves e que nos dá o balizamento de quase toda a interpretação do Código. Se olharmos sob um prisma mais global, é um avanço. Em alguns pontos, não avançou tanto quanto deveria, mas, como toda codificação, vem de uma experiência de vida solidificada. O avanço em algumas áreas, na vivência cotidiana, é mais rápido do que a própria codificação. Talvez seja esta a dificuldade que enfrentaremos.
 
 

Carta Maior: O projeto seria, então, positivo para o país, sobretudo em face do Código vigente, de 1916, estar muito atrasado em áreas como o Direito de família?

Ministra Nancy Andrighi: Com certeza. É preciso ressalvar que nós, juízes e juízas, precisamos ser habilidosos. A responsabilidade de um tribunal como o STJ é exatamente dar maior amplitude e eficácia às regras legais. Se a lei não é avançada, o juiz deve interpretá-la e adaptá-la -- e isto eu acho que se aplica também ao Código Civil, do qual se fala que já vai nascer velho. Não concordo com a crítica, pois uma codificação sempre é uma experiência solidificada. O que se deve esperar é que os tribunais façam uma interpretação, dentro dos limites e com justiça, e procurem adaptar aquelas regras à realidade.
 
 
 

*Ricardo Maffeis Martins, advogado, é integrante da equipe de Carta Maior. Email: ricardo.maffeis@cartamaior.com.br
 
 
 
 

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Veja também http://try.at/HeitorReis (textos próprios).
 

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