http://www.diap.org.br/Diap_99/Boletin/ano98/julho/plutocracia.htm
 
 

 

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Plutocracia nas eleições

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Osny Duarte Pereira
Jurista e membro do
Conselho da República
e professor do Instituto Superior
de Estudos Brasileiros - ISEB



 
 

No dicionário Aurélio a palavra Plutocracia, sociologicamente, significa:
"Dominação da classe capitalista,
detentora dos meios de produção,
circulação e distribuição de riquezas,
sobre a massa proletária,
mediante um sistema político e jurídico
que assegura àquela classe o controle social e econômico".

Em comentários à Constituição (de 1967),
Pontes de Miranda,
tido como um dos mais conceituados
constitucionalistas brasileiros,
depois de discorrer sobre a evolução
da Liberdade, no Direito nacional, conclui:

"Tudo é passado, mas cheio de lições.
O problema, hoje, é mais profundo:
quer-se mais democracia,
o que significa, nos nossos dias,
livrar da plutocracia as eleições,
e mais igualdade, mais ciência, mais técnica.
Igualdade não se faz em textos.
Os homens não serão iguais enquanto a todos
não se derem as mesmas oportunidades".

A plutocracia, como sistema político e jurídico,
se instala através de processo eleitoral adequado
a favorecer a escolha dos privilegiados
em detrimento dos candidatos dos mais desfavorecidos.

Ao longo dos séculos, tem existido
um esforço permanente dos assalariados
em reduzir essa influência
que se contrapõe ao conceito de Democracia,
escopo de todos os chamados
estados de direito, ditos civilizados.

Os jornais noticiaram, amplamente,
as discussões nos parlamentos europeus e japonês
sobre a corrupção oriunda das contribuições
de grandes empresários aos partidos,
com a finalidade de eleger Legislativos dóceis
a negociatas com dinheiros públicos.

É copiosa a literatura de sociólogos norte-americanos
descrevendo e condenando esse cancro
da democracia em seus país.

Aqui, a imprensa promoveu uma devassa
sobre os alucinantes recursos,
canalizados pelos grandes empresários,
para eleger Fernando Collor
e uma grande parte dos parlamentares.
(Ver O Globo, de 14.06.92,
Jornal do Brasil, de 11, 15 e 21.05.92;
Veja, de 17.06 e 22.07.92,
entre outros, apontados em nossos ensaios,
O Clamor Público por uma Nova Lei Eleitoral,
publicado na CIDE,
do Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro,
n. 2, setembro de 1992).

Na Itália, a devassa resultou numa verdadeira revolução.
Os juízes tomaram a iniciativa de furar o tumor.
Prenderam grandes empresários, políticos tradicionais e,
apoiados pelo povo, os parlamentares decentes
promoveram uma nova legislação eleitoral
em que os donativos estão proibidos.
(Ver um balanço no Jornal do Brasil, de 24/08/93,
com o título "Craxi é o maior corrupto da Itália").

É certo que não basta eliminar as doações,
quando o controle dos meios de comunicação
permanece em poder de poderosos grupos privados
e estes podem recorrer a todos os expedientes
para assustar e enganar o eleitor,
sem dar espaço de contestação aos adversários.

Graças a esse privilégio, o magnata Berlusconi
proporcionou à direita italiana uma surpreendente
e inesperada vitória, ao aterrorizar a classe média
e o povão com o risco do comunismo "falido na Rússia",
(tática que já levara Mussolini e Hitler ao poder).

Tudo isso auxiliado pela fragmentação
dos partidos progressistas
e pelo medo do desempenho,
cada dia mais extenso, no mundo inteiro.

Essa mesma estratégia foi utilizada
na eleição de Jânio Quadros,
na deposição de João Goulart,
na eleição de Fernando Collor,
e volta agora a ser utilizada
pelos maiores veículos de comunicação de nosso País.
Observe-se, por exemplo,
a matéria da revista Veja, de 15/06/94.

No Japão, ocorreu um episódio similar ao italiano.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito
mostrou a corrupção do Partido Liberal Democrata,
no poder desde 1955.

O Parlamento promoveu novas eleições e, agora,
prepara nova legislação que depurará o regime.

O Financial Times, transcrito na Gazeta Mercantil,
de 03/09/93, noticiava que o Keidarem (a FIESP japonesa)
aprovara um plano para acabar com as contribuições
a partidos políticos, a partir deste ano (1994).

Donativos dos empresários a partidos políticos têm sido a sementeira da corrupção.

O deputado Delfim Netto, que exerceu por quase dez anos
o cargo de Ministro da Fazenda, fez a seguinte revelação,
na revista Veja de 15/09/93:

"Quando você ouve um empresário dizendo
que está preocupado em alimentar a concorrência
e que busca o bem comum, ou é mentira ou ele é doido
e a família está pensando em interditá-lo.
O empresário, por definição, é um animal voraz (...)
O governo pode pedir tudo ao empresário,
menos que ele desista de ganhar dinheiro".

Era a crítica ao Plano Fernando Henrique Cardoso
de extinguir a inflação através de apelos aos cartéis
para não remarcar preços, deixando-os, entretanto,
livres para aumentá-los e, aos bancos, para elevar os juros,
todos auferindo lucros alucinantes,
durante o Governo Itamar,
esmagando os que vivem de salários inclusive os militares,
em níveis inéditos na história do País.

Os Recursos dos Partidos na Constituição

A Constituição brasileira atual procurou cortar, no cerne,
a intervenção do Poder Econômico,
essa doença dos regimes ditos democráticos.
Institui a democracia como base do sistema político,
em que "todo o poder emana do povo que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente"
(Art. 1º, parágrafo único).

Para vedar a interferência do poder econômico
que transforma o regime numa plutocracia,
a Constituição disciplinou, no art. 17, a criação,
fusão, incorporação e extinção
dos partidos políticos e estabeleceu,
no § 3º, que "os partidos políticos têm direito a recursos
do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão,
na forma da lei".
Nada mais, note-se que os recursos são apenas
os do fundo partidário. Não abriu espaço a outros.

Nas regras de hermenêutica
sobre disposições constitucionais,
Carlos Maximiliano, com apoio em Cooley,
professor da Universidade de Michigan, enuncia a de nº XII
(Hermenêutica, n. 375), nestes termos:
"quando o estatuto fundamental define as circunstâncias
em que um direito pode ser exercido,
esta especificação importa proibir implicitamente
qualquer interferência legislativa para sujeitar
o exercício do direito a condições novas".

Portanto, se a Constituição em vigor se circunscreve
ao fundo partidário como instrumento
para o exercício da prática eleitoral,
é inconstitucional a lei n. 9.504/97,
quando autoriza a coleta de recursos privados,
para campanhas.

O constituinte brasileiro antecipou-se ao que a Itália
e o Japão tratam, agora, de corrigir.
Se o regime é uma democracia,
a plutocracia não há de prosperar, através dos partidos.

Como assinala Pontes de Miranda,
(obra citada, v. I, p. 608, n. 3):

"Partido político, nos regimes democráticos,
é agrupamento para distribuir poder,
democracia, liberdade e igualdade."

A Lei Eleitoral Vigente

A lei eleitoral n. 9.504/97, que estabeleceu normas
para as eleições de 4 de outubro de 1998,
embora um pouco menos facciosa que as anteriores,
em seu art. 23, permitiu, inconstitucionalmente,
insista-se, doações em dinheiro para campanhas eleitorais.

Para pessoas físicas, autoriza
até 10% dos rendimentos brutos
no anos de 1997: no caso em que utilize recursos próprios,
até o valor máximo de gastos estabelecidos pelo seu partido.

No caso de pessoa jurídica,
até 2% da receita operacional bruta, em 1997.
Num país em que o salário mínimo,
nessa data não passa de cerca de US$ 110,
pode-se avaliar quem vai bancar e a influência
dos recursos financeiros privados no custeio das eleições.

A campanha dos candidatos do poder econômico
recebe grandes quantias dos empresários e banqueiros,
enquanto os candidatos vinculados aos assalariados
lutam para fazer uma campanha modesta.

Para se ter uma idéia, o comitê eleitoral da campanha
de Fernando Henrique em 1994
declarou oficialmente ter recebido mais de R$ 33 milhões,
quase dez vezes mais que os candidatos dos partidos de esquerda.

Na eleição de 1998, a previsão de gasto do candidato oficial,
que está em campanha permanente,
porque no exercício do cargo de presidente, é assustadora.
São R$ 73 milhões, que serão facilmente arrecadados,
entre outros, dos compradores e interessados
na compra das empresas estatais lucrativas,
como o sistema Telebrás, recentemente privatizado,
e a Petrobrás e o Banco do Brasil,
certamente os próximos a serem leiloados.

Já o principal candidato de oposição
briga para obter pelo menos
os recursos mínimos indispensáveis
aos programas eleitorais,
material de campanha e deslocamentos.

Além disto, é proibida a contribuição
de entidade de classe ou sindical,
que poderia apoiar candidatos vinculados aos trabalhadores.

Os assalariados, entretanto, não dispõem desses recursos
nem de recintos para reunir eleitores;
devem dialogar a céu aberto e,
como não têm, individualmente,
carros de som nem alto-falantes,
estes devem ser contratados.

Enquanto isto, os eleitores abastados
dispõem do controle dos grandes jornais,
revistas e canais de televisão,
de salões com aparelhagem de som,
jatinhos e mil formas de proporcionar, "gratuitamente",
a seus candidatos todas as facilidades,
sem necessidade de contabilizar
nas despesas oficiais de seus preferidos.

Por isto, na Itália e no Japão,
buscaram a proibição total de recursos privados nos pleitos
e no funcionamento dos partidos
com a aplicação de sanções desencorajantes.

Percebe-se, assim, no Brasil,
nessa suposta disciplina do poder econômico,
uma nítida preocupação em criar obstáculos
aos partidos de assalariados,
de modo a mantê-los expostos à aplicação
de penalidades e fácil afastamento dos pleitos.

Mesmo nos Estados Unidos,
o financiamento do poder econômico privado
é menos ostensivo do que na lei eleitoral brasileira.

As contribuições são obrigatoriamente referidas,
com o nome do doador,
nos próprios cartazes de propaganda
e em todos os atos eleitorais.

Tudo isto revela quão distante nos encontramos
de um regime verdadeiramente democrático,
como proposto no art. 1º da Constituição Federal.

Já foi pior. Esperamos que as próximas eleições
promovam maior unidade do povo,
com um grande número de parlamentares
que nos faça avançar na conquista da real democracia.
Esta é, no momento, a tarefa das vanguardas mais esclarecidas.
 
 

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