Correio Braziliense, 05 de maio de 2000.
 
 

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ALGUMA SEMELHANÇA
COM DITADURA?

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                                   - José Alberto Couto Maciel

 

É possível revogar a coisa julgada mediante portaria?

As matérias mais discutidas no Poder Judiciário nos últimos anos foram as relativas aos reajustes dos Planos Bresser, Verão, Urps de abril e
maio de 1988 e Plano Collor.

Inicialmente, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que havia direito adquirido dos trabalhadores aos reajustes decorrentes dos referidos planos econômicos, elaborando, inclusive, enunciados favoráveis aos empregados.

O Supremo Tribunal Federal, porém, alguns anos depois, considerou de forma contrária, solidificando jurisprudência no sentido de que não há direito adquirido dos trabalhadores aos planos econômicos.

Tais decisões do STF fizeram com que o Tribunal Superior do Trabalho adaptasse sua orientação jurisprudencial, antiga, ao entendimento da
Suprema Corte, revogando os enunciados concernentes aos planos e reformulando em 180 graus sua jurisprudência.

Durante esse período muitos processos transitaram em julgado com decisões do TST de tribunais regionais, favoráveis aos empregados.

Começaram, em decorrência, execuções trabalhistas, muitas delas contra a administração pública direta, autárquica e fundacional.

Foram também interpostas inúmeras rescisórias, sendo que algumas mal elaboradas, sem êxito.

Outras fora do prazo bienal de decadência e,
ainda, algumas, com vícios formais de procuração, falta de pagamento de custas e não-obediência a prazos recursais.

Muitas rescisórias, assim, não tiveram êxito, havendo também julgamentos que consideraram não caber, na hipótese, ação rescisória porque a questão era controvertida quando do julgamento, inexistindo violação literal da lei quando da decisão rescindenda.

Verifica-se de tudo que foi dito que existem inúmeros processos, transitados em julgado há anos, formando coisa julgada em favor dos trabalhadores, que estão sendo executados, exatamente sobre planos
econômicos.

Sem discutir o mérito da matéria, na verdade a coisa
julgada nem sempre é a que detém o melhor direito, mas pior seria se a instituição não tivesse a segurança das decisões judiciais.

Outros processos sobre a matéria já foram executados, tendo como conseqüência a inclusão do reajuste salarial nos pagamentos mensais dos assalariados, tudo dentro de um regime democrático que obedece aos termos da Constituição da República cujo artigo 5º, inciso XXXVI, expressa:

"A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada".

Por outro lado, declara o artigo 2º da Constituição que "são poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

Um simples raciocínio de qualquer leigo conclui que, se o Poder Judiciário decidiu, e essa decisão transitou em julgado, não pode o Poder Legislativo, e muito menos o Poder Executivo, revogar o que já
é considerado como coisa julgada em favor de alguém.

Pois bem, esse raciocínio simples, sem mácula de dúvidas, somente é violado nos regimes ditatoriais, quando o regime forte do Executivo predomina,
pela força, sobre os termos da Constituição, transformando a coisa julgada em coisa do Estado.

NÃO SERÁ ISSO QUE ESTÁ ACONTECENDO?

Abro o Diário Oficial de 28 de abril de 2000 e nele há publicada uma portaria, de número 77, de 27 de abril de 2000, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com a seguinte redação:

"O ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, interino, no uso das atribuições e tendo em vista as reiteradas decisões do TCU, que determinaram a imediata suspensão dos pagamentos das decisões judiciais concessivas dos planos econômicos a saber:

Plano Bresser, instituído pelos Decretos nºs 2.335, de 12 de junho de 1987 e 2.336, de 15 de junho de 1987, URPs de abril e maio de 1988, Decreto-lei nº
2425, de 7 de abril de 1988, Plano Verão, instituído pela Medida Provisória nº 032, de 15 de janeiro de 1989, convertida na Lei nº 7.730, de 31 de janeiro de 1989, e Plano Collor, instituído pela Medida Provisória nº 154, de 15 de março de 1990, convertida na Lei nº 8.030, de 30 de abril de 1990, e, ainda, considerando a jurisprudência do STF no que tange à eficácia temporal dos pagamentos desses planos econômicos, que encontra perfeita harmonia
com as determinações daquela corte de contas, resolve:

Art. 1º - Determinar à Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que proceda a imediata suspensão
de todos os pagamentos oriundos de decisões judiciais concernentes aos planos econômicos constantes do preâmbulo desta portaria aos
servidores da administração pública direta, autárquica e fundacional."

SERÁ MESMO QUE O MINISTRO DO PLANEJAMENTO, POR PORTARIA, ESTÁ
PRETENDENDO REVOGAR A COISA JULGADA EM FAVOR DE MILHARES DE TRABALHADORES, ALGUNS ATUALMENTE ESTATUTÁRIOS?

TEM O PODER EXECUTIVO, NO REGIME DEMOCRÁTICO, O DIREITO DE SUSPENDER PAGAMENTOS DECORRENTES DE COISA JULGADA NOS TRIBUNAIS, INTERPRETANDO QUE NÃO DEVEM ELES PREVALECER?

O PODER JUDICIÁRIO PODE SER REVOGADO POR PORTARIA MINISTERIAL?

Não sei se li bem a referida portaria, ou se a interpreto corretamente, mas se assim o faço, coitado do Brasil...
 

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José Alberto Couto Maciel é membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho.
(Texto divulgado originalmente por
Giovanni R. Martins <gmartins@nitnet.com.br>)

 

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