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                           A Desassociação Mal Aplicada


 

Não tencionamos dominar a vossa fé, mas colaboramos para que tenhais alegria. ¾ 2 Coríntios 1:24, Bíblia de Jerusalém.

 

 

T

ANTO no espírito como no método, a norma de desassociação da Torre de Vigia assemelha-se muito mais às dos líderes religiosos que exerciam o poder da nação judaica do que às de Cristo e seus apóstolos. Seus efeitos muitas vezes são trágicos.

Exemplo do que isto pode causar é a carta recebida de Annette Stuart, uma avó, na época com 77 anos, de West Brookfield, Massachussetts, que fora Testemunha por muitos anos.1 Ela contou que quando sua neta tinha 14 anos, a mãe da garota a encorajou a batizar-se como Testemunha de Jeová. Três anos depois, a garota reclamou que era excessivamente pressionada como Testemunha. Os anciãos foram chamados e ela declarou firmemente que não mais iria às reuniões. Os anciãos decidiram que ‘já que ela tinha se desassociado, eles não tinham opção senão desassociá-la.’ Na época, a norma da organização não exigia que se evitasse totalmente os familiares e, como disse Annette, “Pelo menos a família estava intacta.”

Então, em 1981, a norma mudou. Annette declara:

 

Minha neta estava agora excluída de sua famíla e dos parentes. Eu não podia expulsá-la de nossa casa. Ela precisava de nós mais que nunca. A mãe dela acatou a nova regra. Não queria mais nada com a filha ou comigo. Isso, é claro, era uma opção dela. Dois anciãos vieram à minha casa para me fazer escolher. Expressaram a opinião de que, já que meu marido não era T. J., eles não tinham direito de proibir minha neta de vir à nossa casa. Meu marido antes deixara isso claro aos anciãos. Estes disseram que eu tinha de me retirar da sala quando minha neta nos visitasse. Eu não devia comer na mesma mesa se ela ficasse para jantar com meu marido. Na minha opinião, o que eles pediam era desamoroso, desumano e não-cristão. Eu disse a eles que não podia fazer isso. Lembro-me que chorei amargamente na ocasião. Eles permaneceram lá, frios e sem compaixão.

 

Aos 73 anos, e após trinta anos de associação, a avó da garota foi então também desassociada. Seu marido, que nunca fora Testemunha, viu a família subitamente afastar-se dele. Ele escreveu à sede da Torre de Vigia pedindo ajuda, mas a medida dos anciãos foi mantida. Conforme escreve a Sra. Stuart:

 

Minha filha, meu filho, netos, bisnetos ¾ não ponho os olhos nestes entes queridos há mais de quatro anos! Meu filho e minha filha moram na mesma cidade em que moramos.... Meu pecado foi acolher em minha casa a minha neta desassociada.

 

Como se pode justificar tal medida com a alegação de que ela contribui para “manter a organização limpa”? Não é antes uma demonstração de que ‘ninguém pode impunemente deixar de acatar as exigências da autoridade organizacional’? Os anciãos, na verdade, informaram Annette de que ‘ela serviria de exemplo para outros que achassem que podiam violar a regra.’ A sede da organização apoiou a posição deles. Fizeram assim com que esta avó, na casa dos 70 anos, sentisse ‘o peso da autoridade,’ um tratamento que Jesus disse ser típico do mundo, não do cristianismo. ¾ Mateus 20:25, New English Bible.

O grau exato da efeito destrutivo da rígida norma da organização sobre as relações familiares pode ser demonstrado no caso de Richard Guimond e sua família. Testemunha por 30 anos, Guimond passou a fazer sérios questionamentos sobre certas doutrinas da Torre de Vigia e isto o levou a reuniões “investigativas” com os anciãos. Ele achou por bem sugerir a estes que usassem as Escrituras para esclarecer suas dúvidas. Ele escreve: “A resposta era sempre a mesma: ‘Temos de reconhecer o canal de comunicação de Deus.’” Em 1982, os anciãos de Wilmot Flat, New Hampshire, desassociaram Guimond por ter tais dúvidas. Alguns de seus familiares apoiaram a medida de excomunhão e outros não. Em 1984, ele descreveu o resultado final, dizendo:

 

Nosso drama prossegue. A 5 de janeiro, minha esposa e nossas duas mães (viúvas, de 72 e 77 anos) foram “desassociadas” pelos três anciãos da congregação Wilmot Flat. Esta crueldade incrível as fará sofrer muito. O única linha de comunicação com nossa filha Testemunha está agora cortada. Minha esposa perderá também o contato com suas duas irmãs e as famílias delas. Minha própria mãe será provavelmente rejeitada pelas três netas que permanecem Testemunhas de Jeová. O mais triste de tudo é que minha querida sogra será sem dúvida rejeitada por suas duas filhas, nove netos e quatro bisnetos. Tudo isto por causa das “regras” da Sociedade Torre de Vigia.

 

Há hoje centenas e até milhares de casos similares. A prova de que não são casos excepcionais, ou se devem meramente à mentalidade estreita de alguns líderes locais, pode ser vista na carta escrita pelo Departamento de Serviço da Sociedade Torre de Vigia a um jovem do nordeste (dos EUA), cujo pai fora desassociado. A única acusação contra ele era que não aceitava como bíblicos certos ensinos da organização. O filho escreveu à sede em Brooklyn dizendo que sua irmã e o marido dela deixaram de ter associação com o pai, e que ele considerava isso desrespeito para com seus pais. A carta que ele recebeu, é exibida abaixo (seu nome e endereço foram encobertos a pedido dele e por razões de privacidade):

 

                                                              SOCIEDADE

 

                            TORRE DE VIGIA            TELEGRAMAS TORREVIGIA

                                DE BÍBLIAS E TRATADOS DE NOVA YORK, INC.

 

                 COLUMBIA  HEIGHTS 25, BROOKLYN, NOVA YORK , 11201, E.U.A.      TELEFONE  (212)   625 – 3600

      SCE:SSH                            14 de julho de 1983

 

 

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

XXXXXXXXXX

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

 

Prezado irmão XXXXXXXXXX

 

Temos sua carta na qual diz que está aflito devido a um problema que os anciãos parecem incapazes de resolver. Seu pai foi desassociado e em conseqüência disso sua irmã e o marido dela não têm nehuma associação com seu pai. Você parece achar que isto é desrespeitoso para com seus pais.

 

É muitíssimo lamentável saber que seu pai foi desassociado. Por ele ter agido de modo a acabar sendo desassociado, criou-se uma barreira bíblica entre ele e esses membros leais da família, que continuam a servir fielmente a Jeová. Não foram os leais os originadores do problema mas, ao invés, o que está desassociado é quem o causou. Conseqüentemente, não seria apropriado de sua parte condenar sua irmã se ela respeitosamente obedece à ordem bíblica em 1 Coríntios 5:11.

 

A pessoa que é desassociada foi espiritualmente excluída da congregação; os anteriores laços espirituais foram completamente cortados. Isto se aplica até mesmo aos parentes, inclusive os que fazem parte do círculo familiar imediato. Portanto, os membros da família ¾ embora reconheçam os laços familiares, não mais terão qualquer companheirismo espiritual com o parente desassociado. (1 Sam. 28:6; Prov. 15:8, 9) Ainda que você e sua irmã possam achar necessário cuidar periodicamente de assuntos de família necessários com relação a seus pais, a orientação de 1 Coríntios 5:11 proibiria qualquer associação em base regular. Podemos avaliar que os sentimentos e os laços familiares são particularmente fortes entre pais e filhos mas, numa análise final, não beneficiaremos a ninguém nem agradaremos a Deus se nos deixarmos guiar pela emoção e ignorarmos seu sábio conselho. Precisamos mostrar nossa plena confiança em Sua justiça e modos perfeitos, incluindo sua provisão para com transgressores impenitentes desassociados. Se permanecermos leais a Deus e à congregação, o transgressor poderá, com o tempo, aprender com isso uma lição, arrepender-se e ser readmitido na congregação. Temos esperança de que isso aconteça no caso de seu pai.

 

                          Atenciosamente,

 

 

   cc. XXXXXXXXXXXX                 Sociedade Torre de Vigia de B. e T.

                                                DE NOVA YORK, INC.

 

Portanto, quem discorda conscienciosamente de qualquer posição ou ensino da organização, cai supostamente na categoria dos  descritos em 1 Coríntios 5:11, torna-se “iníquo,” rebaixado ao nível dos sexual-mente imorais, gananciosos, extorsores e idólatras. A responsabilidade pela divisão da família cai toda sobre ele.

O fato inegável, porém, é que em quase todos os casos a divisão resulta, não das convicções ou opiniões pessoais dos familiares do desassociado ou dissociado, mas unicamente da norma organizacional que lhes é imposta. Isto ficou evidente com a imediata mudança de atitude das Testemunhas de Jeová em todo o mundo, após a publicação dos artigos em A Sentinela de 15 de novembro de 1974, que abrandava bastante a posição tomada com respeito a atitude dos familiares para com um parente desassociado. A informação foi recebida com gratidão por muitas famílias de Testemunhas. Então, em 1981, foi restabelecida a norma anterior, mais rígida. Os parentes desassociados voltaram a ser tratados com grande frieza, muitas vezes totalmente excluídos.2

 Mas se essa norma fosse hoje de novo “oficialmente” abrandada, a maioria das Testemunhas reatariam sem hesitar os vínculos familiares, especialmente nos casos em que a única razão para rejeitar um parente é que este simplesmente está na condição de desassociado, e não porque a conduta atual da pessoa a faze ser realmente considerada como pessoa “má,” ou “corrupta.” Não posso crer que a família de Annette Stuart acredite de fato que sua idosa avó fosse desse tipo. E acho que há pouca dúvida de que, na grande maioria dos casos, as Testemunhas nem querem adotar a posição rígida que agora tomam nem estão genuinamente convencidas de que esta é correta. É algo que é imposto pela autoridade religiosa, e isto é que é a verdadeira causa da divisão da família.

O sofrimento causado por isso é incalculável. No caso de uma desassociada de Massachussetts, a mãe dela, que vivia no Maine, adoeceu gravemente e morreu (em meados dos anos 80). Embora soubessem o endereço desta filha, nem seus parentes Testemunhas nem os anciãos a informaram da doença de sua mãe, da morte dela ou do funeral. Ela ficou sabendo quando a mãe já estava enterrada. Ela declarou que a angústia torturante de ter sido privada de ver a mãe agonizante e de ter oportunidade de expressar, ou tentar expressar seu amor, simplesmente não passava. Como é possível de algum modo harmonizar isto com a personalidade de um Deus de amor e com a compaixão de seu Filho? Por que deveria alguém sentir-se atraído a um sistema que estimula a tais ações?

 

Cumprimento inflexível da lei da organização

 

O modo como os anciãos aplicam as normas da Torre de Vigia mostram claramente que eles de fato as consideram como lei. A atitude inflexível que é gerada, ou no mínimo tolerada, pela sede da organização, faz com que os anciãos achem que circunstância alguma, idade, saúde, tempo de associação, nenhum destes fatores afetam o requisito da plena submissão a todas as regras da organização, a plena aceitação de todos os seus ensinos.

Um exemplo da rigidez quase insana que muitas vezes resulta é o caso de uma Testemunha do estado do Maine, David Haynes, que tinha um negócio de alarmes de segurança. A partir dos anos 70 e por um longo período, sua firma instalou muitos sistemas de alarme contra assaltos e incêndios. Então, nos anos 80, convidaram-no a reunir-se com uma comissão congregacional de três anciãos Testemunhas, Spear, Maddock e Wentworth.

Informaram-no de que não podia continuar com este serviço de instalações em edifícios religiosos; fazer isso o sujeitaria à desassociação. Ele concordou em parar. Mais tarde, os anciãos o informaram de que tinha também de parar com a manutenção dos sistemas já instalados. Ele disse que acataria e fez arranjos para que seu gerente de serviços (que não era Testemunha), fora de seu horário de trabalho (aos sábados, por exemplo), fizesse a manutenção, providenciando também para que ele recebesse toda a remuneração.

Nem isto, porém, satisfez os anciãos, pois os sistemas eram monitorados por uma central no escritório de sua firma. Os anciãos disseram que ele não mais poderia monitorar os sistemas instalados nessas igrejas e escolas paroquiais sem pôr em risco sua posição na congregação. Ele propôs-se a ver o que poderia fazer para transferir a monitoração para outras firmas prestadoras do mesmo serviço, embora isso pudesse levar algum tempo. Deram-lhe um prazo específico. Sua firma passava na ocasião por algumas mudanças de equipamento e isto contribuiu para que não conseguisse cumprir o prazo. Pediu uma prorrogação, dizendo aos anciãos que não queria prejudicar seu negócio cortando bruscamente os serviços a esses clientes. Deram-lhe mais um mês. Quando passou, visto que não tinha ainda conseguido a transferência e embora literalmente implorasse por consideração e paciência, ele foi desassociado. Passara quinze anos na organização. Apelou da decisão da “comissão judicativa” local, e na reunião com a comissão de apelação, tentou arrazoar com eles citando exemplos dos que trabalham para companhias de eletricidade ou que instalam e fazem manutenção de linhas e aparelhos telefônicos nas igrejas.3 A resposta foi que ‘ele não era obrigado a prestar serviços de alarme,’ e que, portanto, eles manteriam a decisão de desassociar.

Os anciãos, sem dúvida, jamais se deram ao trabalho de questionar se toda essa perturbação legalística fazia realmente sentido, ou como isso era similar ao ponto de vista crítico dos fariseus, quando condenaram os discípulos por colher e comer grãos de trigo no sábado. Muito mais provável é que tenham se fixado na idéia de que estavam sendo leais à organização.

 

De natureza bem diferente, mas que ilustra a mesma atitude, é o caso de George West, em 1982, Testemunha idosa associada com a congregação das Testemunhas de Jeová de Maynard, Massachusstts. Ele desenvolvera câncer ósseo, que com o tempo agravou-se a ponto de precisar ser hospitalizado como paciente terminal; sua cabeça era sustentada por uma espécie de gaiola, já que os ossos do pescoço não mais suportavam o peso.

Os anciãos locais souberam que George West tinha se submetido a uma transfusão de sangue e fizeram várias tentativas de falar com ele, apesar de seu estado grave e contra o desejo da esposa dele. Afinal, uma noite, conseguiram entrar para vê-lo e sob interrogatório ele admitiu que tinha aceito a transfusão. O motivo? Seus filhos de um casamento anterior ficaram sabendo que ele estava morrendo e telefonaram para dizer que estavam vindo do meio-oeste para visitá-lo no hospital. Ele não os via desde crianças. Resolveu tomar a transfusão para prolongar um pouco sua vida a fim de rever os filhos.4

Os anciãos desassociaram George West apenas alguns dias antes de sua morte.

 

Mais uma vez, que mentalidade é esta que supõe que tais ações contra um homem no leito de morte sejam frutos do cristianismo, ou que estas ¾ em alguma mente normal ¾ possam ser vistas como algo que visa a “pureza da congregação”? O único resultado prático foi que esse homem não teve nenhuma cerimônia fúnebre da parte das Testemunhas. E, para a maioria delas, por ter morrido na condição de desassociado, fora da organização, ele não se habilita para a ressurreição. Em vez de pureza, na verdade, esta ação produz uma mancha de desonra, pois é fortemente marcada por uma atitude insensível que mais representa o farisaísmo e sua séria preocupação com “pureza” religiosa do que o cristianismo. É como se os representantes da organização se considerassem relapsos se deixassem que o homem morresse sem afixar o rótulo “desassociado” em seu corpo destruído pela doença.

Faz-se mais uma vez, com justiça, a pergunta: Quem arca com a responsabilidade primária pela atitude que gera tais ações? Embora haja muita evidência de que o espírito mostrado pelos diferentes corpos de anciãos pode variar bastante, a culpa pela atitude rígida e desumana mostrada nestes casos não pode meramente ser passada adiante como se só tivesse a ver com os anciãos individuais envolvidos. A freqüência e a natureza generalizada desta rigidez apontam o fato de que ela tem uma fonte central.

Já que todas as desassociações são comunicadas à sede da organização, ela não ignora o que está acontecendo. O caso patético de Percy Harding ilustra isso, pois ocorreu praticamente às portas da sede mundial.

 

Em 1910, aos vinte anos de idade, Percy, nascido no oeste do Canadá, começou a ler as obras do Pastor Russell e em seis meses tinha lido cerca de 3.000 páginas de matéria. Renunciou à igreja protestante da qual era membro e viu-se totalmente só com sua nova crença entre seus conterrâneos. Começou a “dar testemunho,” formou dois grupos na região e realizou batismos num rio próximo. Ele escreve:

 

Em 1918 deixei um bom emprego para tornar-me colportor. Meu território cobria centenas de quilômetros quadrados, na maior parte ao longo das ferrovias, do sul de Alberta à costa do Pacífico. Cobri também o território rural a pé, carregando duas pequenas sacolas de livros. Muitas vezes caminhava até 25 ou 40 quilômetros por dia.

 

Após sete anos nesta atividade, a 25 de maio de 1925, ele foi para Brooklyn, Nova York, para servir na sede da Torre de Vigia. Cerca de quatro anos depois, vendo a atitude desenvolvida sob a presidência de Rutherford e a conduta de alguns da superintendência, Percy desiludiu-se. Em 1929 ele encerrou seu trabalho na sede mundial.

Apesar disso, permaneceu associado e ativo na mesma congregação de Brooklyn pelos cinqüenta e seis anos seguintes. Sobre o que então aconteceu, ele escreve:

 

De maio de 1925 até dezembro de 1981 permaneci na mesma congre-gação, até que fui desassociado por conversar sobre a Palavra de Deus com uns poucos amigos. Isto foi incrível, e no que diz respeito à Sociedade, uma atitude lamentável. A comissão judicativa tinha uma carta do corpo de anciãos de outra congregação. Eles tinham desassociado um amigo meu. Eles o interrogaram demoradamente a respeito de outras pessoas com quem tinha conversado sobre a Bíblia. Ele cedeu e disse o que queriam, mencionando meu nome dentre outros. Então, esta carta enviada pelos anciãos, incluindo coisas que eu e os demais tínhamos dito, me foi apresentada junto com o pedido para que eu as comentasse. Eu disse à comissão que nada tinha a dizer, que o que se passara entre eu e meus amigos era assunto estritamenente particular e não era da conta de mais ninguém. Prometeram-me uma cópia da carta, mas eu nunca a recebi.

Depois, começaram a fazer perguntas, e a mais importante era: “Acredita que a Sociedade é a organização de Deus e que está transmitindo a verdade?” Então eu disse: “Não há nada na Palavra de Deus que indique que Deus alguma vez usou uma ‘organização’ para transmitir a verdade. De Moisés, passando por todos os profetas até João e Revelação, tratou-se sempre de indivíduos.”

Houve três reuniões da comissão, a última em Betel. Na noite em que fui desassociado, Harry Peloyan [memhro veterano da equipe de redação] fez um discurso no Salão do Reino, apresentando uma acusação que sequer fora considerada nas reuniões da comissão, romper a unidade da congregação. Ele distorceu 2 João 10, 11, enquanto instruía 175 pessoas a me evitarem. Após a reunião, todos saíram ordeiramente, passando por mim como se fosse um leproso.

 

Percy tinha 91 anos e saúde frágil. Quer se considere certa ou errada sua compreensão de certos textos bíblicos, permanece o fato de que a questão foi suscitada, não porque estivesse causando perturbação, algo que fosse evidente na congregação, mas devido a conversas particulares com amigos. Ninguém na congregação se queixara dele como “agitador” e o assunto só se tornou problema em resultado da carta da outra congregação que deu início à investigação e ao interrogatório dos anciãos a respeito de seus comentários particulares sobre temas bíblicos, feitos a amigos pessoais. (Confira a acusação contra o apóstolo Paulo e sua defesa em Atos 24:5-13.) Em viagem ao nordeste em 1982, visitei Percy Harding em seu lar na Rua 6, em Brooklyn. Parecia minúsculo em relação à cadeira grande onde estava sentado, um homem pequeno e de aparência frágil, obviamente debilitado pela idade e pela doença.

Perguntei-me como era possível que alguém, de mente sã, pudesse considerar que uma pessoa assim, sem posição ou influência especial, constituísse um perigo tal que, apesar de seus setenta anos de associação, fosse necessário desassociá-lo e afastá-lo de seus conhecidos de toda uma vida. Achei que a organização deve se sentir extremamente insegura de si mesma, sentir uma incrível sensação de vulnerabilidade, para ver neste homem frágil e idoso uma ameaça. Com relação ao efeito que a desassociação teve em suas circunstâncias pessoais, ele escreve:

 

Antes disso, havia duas enfermeiras [Testemunhas] que me visitavam, quase toda semana. Faziam para mim algumas coisas que eu não conseguia fazer, e, o que era mais importante, podia chamá-las se eu precisasse delas. Visto que farei 92 anos em 18 de agosto, quem sabe quando virá uma emergência? Depois que fui desassociado, liguei para uma das enfermeiras. O marido dela atendeu e disse: “Ann não tem permissão para falar com você.”

Quero dizer novamente que a única coisa que os anciãos têm contra mim é que conversei com uns poucos amigos sobre a Bíblia.

 

Em conversa com Percy, percebi que ele falava de modo muito franco. É possível que tenha usado de excessiva franqueza quando reuniu-se com os anciãos que o julgaram. Mas mesmo que tenha sido mais que franco, tenha sido cáustico, até impertinente, como justificar a expulsão de um homem de 91 anos, solteiro, sem parentes por centenas de quilômetros, descartando-o, junto com seus mais de setenta anos de associação ativa, como alguém a ser ignorado e esquecido? Que crime hediondo cometera ele que justificasse isto? Acho difícil entender como alguém que afirma ser discípulo do verdadeiro Pastor das ovelhas, Jesus Cristo, possa tomar parte em tal ação, que na minha opinião não merece ser chamada senão de cruel. No entanto, conforme já dito, isto ocorreu exatamente às portas da sede mundial da Sociedade Torre de Vigia.

Percy agora está morto, pois faleceu dormindo a 3 de fevereiro de 1984. Durante os vinte e cinco meses seguintes à sua desassociação, nem uma única pessoa da congregação com a qual ele se associara por 56 anos veio vê-lo ou saber se precisava de algo.5

 

O pecado maior: discordar da organização

 

O caso de Percy Harding ilustra também a insistência da organização na plena aceitação de todos os seus ensinos. Em Crise de Consciência (páginas ___, ___) há citações de representantes da Torre de Vigia que declaram:

 

Se alguém não quer viver segundo nossos princípios, está livre para sair. Não há estigmatização aqui, nenhum fustigamento físico ou emocional . . . Não ditamos norma da sede central.6

Não somos policiais espirituais . . . não tentamos restringir a ninguém em suas opiniões.7

Se as pessoas não querem ficar, elas são livres para sair . . . Não consigo entender por que os que discordam simplesmente não vão embora em silêncio.8

 

Estou certo de que  todos estes homens sabem que o quadro descrito por eles não corresponde à realidade. Eles sabem o que acontece hoje quando uma Testemunha de Jeová tenta “ir embora em silêncio.” A situação atual é similar à que enfrentaria um soldado se fosse ao seu oficial comandante e dissesse: “Senhor, com base na minha consciência resolvi ir embora e só queria informá-lo de que partirei em silêncio e de maneira alguma perturbarei os soldados.” A menos que se retratasse rapidamente, as conseqüências que ele enfrentaria ¾ dispensa desonrosa ou, em tempo de guerra, execução por um pelotão de fuzilamento ¾ são equivalentes em termos espirituais à que enfrentam essas Testemunhas de Jeová.

Os que pensam em “ir embora em silêncio” sabem que têm uma arma apontada para a cabeça, isto é, a ameaça de desassociação oficial (ou de ser oficialmente declarado “dissociado,” que é a mesma arma e produz os mesmos efeitos, mas com nome diferente). Embora não seja fisicamente levada ao pelotão de fuzilamento, toda Testemunha que tente deixar a organização por razões de consciência só pode fazê-lo sob o risco de ser rotulado como herege, indigno de associar-se com cristãos, pessoa a quem até os familiares devem tratar como um “pária.” As normas organizacionais não permitem que ninguém saia de modo honroso. Só alguém insensível aos sentimentos humanos acharia que não há “nenhum fustigamento emocional.”

Esta situação acentuou-se particularmente desde 1980. Depois da desassociação de alguns membros do pessoal da sede por não aceitarem plenamente todos os ensinos da Torre de Vigia, e também da minha renúncia ao Corpo Governante, a direção então tomada pela organização foi demonstrada numa carta enviada aos seus representantes viajantes, de 1º de setembro de 1980.9 Essa carta estabelecia a norma de que mesmo persistir ¾ não em falar¾ mas em simplesmente crer em algo diferente do que é provido pela “classe do escravo” constitui apostasia e pode levar à desassociação. Embora peça aos anciãos para agir de modo “bondoso e discreto” quando investigarem as crenças pessoais dos adeptos, já vimos, no caso de Percy Harding e outros já citados, o que esta diretriz de “investigação bondosa e discreta” causou. A carta abriu caminho para que homens  propensos ao dogmatismo e à intolerância extravasassem essas qualidades ao lidar com o rebanho e homens generosos agissem de modo insensível. Questionamentos simples, resultantes de falta de conhecimento, são permitidos e até benvindos. Mas quando os questionamentos são fruto de séria investigação e raciocínio com base no conhecimento e envolvem ensinos da organização, a prática prevalecente é atacar os que questionam e seus motivos, e não o próprio quetionamento.

O que já tinha ocorrido na sede de Brooklyn, documentado em Crise de Consciência, ilustra até que ponto as qualidades da bondade e discrição foram demonstradas e quão vazias foram essas declarações. Esse exemplo da sede mundial teve daí por diante reflexos em todos os Estados Unidos e em muitos outros países. O objetivo tem sido criar um ambiente estéril, no qual os ensinos da organização possam circular livremente, sem risco de se confrontarem com questionamentos sérios ou ter de enfrentar objeções bíblicas e evidências desfavoráveis. Será isso exagero? Considere apenas alguns exemplos, típicos de dezenas de outros.

 

Em Crise de Consciência relatei a desassociação de Edward Dunlap, que, após mais de 50 anos de associação, a maior parte no “serviço de Bethel,” foi, de fato, “posto na rua” aos quase 70 anos de idade, desassociado por ter expressado, em conversa com amigos, pontos de vista que não concordavam com todos os ensinos da organização. Mencionei que ele retornou à cidade de sua infância, Oklahoma City, e retomou seu antigo serviço de colar papel de parede, junto com seu irmão, Marion. Qual foi o resultado?

Marion Dunlap, era então “superintendente de cidade” designado para todas as congregações de Oklahoma City. Ele também era Testemunha havia quase 50 anos, sempre muito ativo no serviço de campo e nas reuniões. Quando ofereceu abrigo e trabalho ao seu irmão desassociado de 70 anos, Marion passou também a ser investigado. Foi posteriormente desassociado, e no espaço de um ano cinco outros membros da família Dunlap foram desassociados. Não eram pessoas culpadas de transgressões de qualquer espécie; não tinham tentado criar problemas ou feito campanhas de protesto; simplesmente sentiram-se motivadas pela consciência a deixar que suas crenças fossem determinadas pela Palavra de Deus, e não pela palavra de homens ou organizações falíveis.

Outra Testemunha, professor da Universidade Estadual de Oklahoma, disse lamentar que alguém com o talento para ensinar de Edward Dunlap não tivesse chance de exercê-lo. Ajudou a conseguir umas aulas para Ed na universidade. Isto levou-o a um interrogatório com os anciãos e ele logo foi também desassociado.

Embora seja verdade que, em alguns casos, os envolvidos optaram por não mais ir às reuniões, isto de modo algum significava que desejavam pôr fim às amizades e contatos com seus anteriores conhecidos Testemunhas. De modo algum significava que rejeitavam estas pessoas ou que tivessem sentimentos negativos em relação a elas. O corte completo de relações foi fruto unicamente das ações agressivas dos anciãos.

O zelo incomum dos anciãos quando perseguem alguém suspeito de deslealdade é ilustrado nas ações tomadas num lugarejo do Mississipi, chamado Dancy, tão pequeno que nem aparece na maioria dos mapas. A família Walker vivia aqui, e nos anos 40 a mãe, e depois três das filhas tornaram-se Testemunhas. (Com o tempo, um Salão do Reino foi construído no outro lado da estrada, em frente à casa dos Walker, num terreno doado por Ray Phillips, marido de uma das filhas, que foi também quem construiu o Salão.)

Sue Walker, uma das três filhas, tornou-se “pioneira” e depois formou-se na escola missionária da Torre de Vigia, Gileade. Passou doze anos de serviço missionário na Bolívia, em condições difíceis. Numa designação, uma cidade à beira da selva chamada Trinidad, ela e sua companheira estavam totalmente isoladas de outras Testemunhas. A cidade, muita baixa, era inundada em certas épocas e o único modo de se deslocar era por meio de botes. (Sue recorda-se de estudar a Bíblia com uma mulher que mantinha sempre uma vara por perto. Ela se perguntava por quê, até que certo dia uma cobra saiu da água para a varanda e a mulher calmamente pegou a vara e a jogou de volta à água.) Sue e sua companheira ficaram na designação, suportando doenças e alimentação deficiente durante anos.

Em 1962, Sue foi transferida da Bolívia para a República Dominicana, onde estávamos minha esposa e eu. Eram tempos turbulentos, inclusive com uma revolução em escala total em 1965, e, mais de uma vez, Sue teve de abrigar-se do tiroteio quando ia para casa após dirigir estudos bíblicos. Embora tivesse problemas de saúde, aos doze anos de serviço na Bolívia ela acrescentou mais treze passados na República Dominicana. Após estes vinte e cinco anos como missionária, Sue achou que era seu dever voltar a Dancy, Mississipi, para cuidar de seus pais idosos (então na casa dos 80). Mesmo continuando como “pioneira” depois que voltou, ficou aflita de saber que muitas Testemunhas locais a viam como alguém que “abandonara sua designação.” Chegaram a circular boatos de que a Sociedade a mandara para casa devido a alguma má conduta dela, o que era totalmente falso.

Acho difícil imaginar que alguém que conhecesse Sue Walker pudesse falar dela desse modo. Como superintendente de filial tanto em Porto Rico como na República Dominicana, eu lidava regularmente com mais de cem missionários. De todos eles, nenhum era menos propenso a dar motivo para queixa do que Sue. Muito calma, não se irritava facilmente, fazia seu trabalho de modo discreto, sem reclamar. Poucos missionários faziam mais estudo bíblico pessoal que ela. Isto, junto com com a experiência real de muitos anos em vários países, experiência que a despertou para ver até  que ponto a organização deixava de refletir um genuíno espírito cristão, fez eventualmente com que ela reavaliasse a convicção de que esta era o canal exclusivo e instrumento escolhido de Deus. Suas irmãs tinham chegado a uma reavaliação similar. O que ocorreu depois, mais uma vez ilustra nitidamente o modo como muitas vezes funciona o programa de “pastoreio” da organização quando os anciãos acham que alguém está “se desviando” do rebanho.

A primeira a atrair a atenção deles foi a sobrinha de Sue, também chamada Sue (Phillips). Convencida de que os ensinos da Sociedade não representavam corretamente as boas novas do primeiro século, ela deixara discretamente de assistir às reuniões. Um superintendente de distrito, um superintendente de circuito e um ancião local a visitaram, interrogando-a por cerca de uma hora quanto aos motivos da atitude dela. Ela explicou o que achava, que tinha feito muito estudo pessoal das Escrituras e não mais podia apoiar conscienciosamente algumas das crenças da organização. Mencionou, entre outras coisas, que a mediação de Cristo é restrita a uma classe especial e que cria-se a impressão de que a salvação é uma coisa ganha através de obras específicas. Como ocorre em milhares de situações similares, o modo de lidar com tais questões é voltar a atenção, não para as Escrituras, mas para “a organização.” Portanto, o ancião local perguntou a ela: “Onde você aprendeu o que sabe sobre os propósitos de Deus?” ¾ a resposta costumeira esperada é “Na organização de Deus.” Mas Sue respondeu: “Na Bíblia.” Eles garantiram a ela que ‘tinham estudado mais do que ela e tinham cargos designados na organização.’ Este foi o resumo do conselho deles, no qual a maior ênfase foi dada à importância da organização, e logo se foram.

Algumas semanas após esta “visita de pastoreio,” Sue voltou de uma viagem e encontrou um aviso para comparecer a uma audiência judicativa naquele mesmo dia, 3 de janeiro de 1982. Ela tinha chegado em casa muito doente e foi hospitalizada no mesmo dia. Levou doze dias para se recuperar o suficiente para ter alta. Durante os doze dias de hospitalização, os “pastores” congregacionais seguiram o proceder dos da parábola a quem se diz: “Estive doente... e não me visitastes.”10

Sue voltou para casa numa sexta-feira. Exatamente dois dias após ter deixado o hospital, no domingo, um ancião local ligou para marcar a nova data da audiência judicativa. Ela o informou de que não pretendia ir a esta audiência, pois tinha acabado de sair do hospital e ainda não estava bem. O ancião mencionou ter ouvido falar que ela estava no hospital e lamentou que ela estivesse doente. Quanto a ela não comparecer à audiência ele disse: “Nós talvez tenhamos de tomar alguma medida.” Sue replicou: “Bem, acho que vocês farão o que quiserem.” A resposta dele, mais acalorada e enfática, foi: “Nós faremos o que a organização nos manda fazer.”

Três dias depois, Sue escreveu uma carta à congregação e aos que ela conhecia bem. Nesta, ela incluiu o seguinte:

 

Agora por mais de um ano venho lendo e estudando a Palavra de Deus, a Bíblia, muito diligentemente. Nunca na vida devotei tanto tempo, reflexão e oração ao estudo bíblico. O que comecei a aprender e entender me fez mudar todo o rumo da minha vida. As decisões que tomei vieram depois de muito estudo, reflexão e oração. Não foram decisões tomadas da noite para o dia. Amo profundamente a Jeová Deus e a Jesus Cristo e não quero fazer nada que os desagrade. De todo o coração, apoio o cristianismo como o melhor e mais gratificante modo de vida. Não desejo outro estilo de vida para mim. Aceito a Bíblia como a inspirada Palavra de Deus e como guia da minha vida. Para mim, as boas novas sobre Jesus Cristo, o que ele fez por toda a humanidade e a importância disso para todos os que exercem fé nele são as notícias mais maravilhosas e empolgantes que existem. Para qualquer cristão, a lealdade a Jeová Deus, a Jesus Cristo, à Bíblia, às boas novas e ao caminho do cristianismo devem ter prioridade sobre tudo o mais.A todos estes devoto minha absoluta lealdade e apoio. Após meses e meses de estudo bíblico e muita oração cheguei à conclusão de que as coisas em que eu antes acreditava simplesmente não eram bíblicas. Como cristã, eu via que mudanças eram necessárias, e que simplesmente havia coisas que eu não podia mais apoiar.

 

Alguns dias após receberem a carta, os anciãos anunciaram à Congregação Mantee das Testemunhas de Jeová (que se reúne em Dancy), que Sue Phillips fora desassociada “por conduta imprópria para um cristão.”11 Com este fim, um bilhete assinado apenas “Congregação Mantee” foi enviado à casa dela.

Ao todo, os anciãos locais e superintendentes viajantes tinham gasto em seus “esforços de pastoreio” cerca de uma hora e meia com esta moça que fora desde a infância criada como Testemunha. Eles certamente acharam que tinham feito os “esforços bondosos e contínuos” mencionados na diretriz da sede da Torre de Vigia. Aparentemente, a clara evidência que ela dava na carta de que tinha profundo respeito pelas Escrituras e sincero interesse em agradar a Deus e a Cristo não lhe valeu nenhuma indulgência por parte dos anciãos, nenhum sentimento de que havia bons motivos para mostrar paciência tolerante, ou idéia alguma de que talvez por meio de uma atitude calma, cortês, sem confrontos, eles pudessem sanar as dúvidas dela. Não perderam tempo em fazer o anúncio oficial de que ela não era mais uma companhia adequada para os membros da congregação.

É prática freqüente das publicações da Torre de Vigia sugerir que os que não concordam com a organização são motivados por emoções negativas tais como orgulho, rebeldia, desejo de fugir à atividade de porta em porta por falta de humildade e acusações similares. Não duvido de que haja algumas pessoas desse tipo. Mas sei também que isto mostrou-se totalmente sem fundamento num caso após outro. E era obviamente falso com respeito à tia de Sue Phillips, a ex-missionária Sue Walker. Em seus mais de quarenta anos de serviço, ela gastara, inquestionavelmente, muito mais horas indo de porta em porta que qualquer pessoa da região, incluindo anciãos e superintendentes viajantes. Ao retornar do serviço missionário, ela continuara em associação ativa com a congregação de Mantee até este ponto, assistindo regularmente às reuniões, empenhando-se ativamente no “testemunho” e em dirigir estudos bíblicos domiciliares com pessoas interessadas. Em vista do tratamento dado pela organização à sua sobrinha, porém, ela achou que as coisas tinham chegado ao ponto em que uma decisão era necessária. Conforme disse a sua sobrinha: “Sou a próxima de quem eles virão atrás.” Ela escreveu então uma carta de renúncia e, no domingo, saiu da casa dela, atravessou a estrada até o Salão do Reino e entregou pessoalmente uma cópia a cada ancião.

Sue Walker tinha então 63 anos. Passara 42 deles como Testemunha, 35 no serviço de tempo integral, e 25 no serviço missionário em países estrangeiros. Abrira mão de casamento e filhos, suportara muitas privações, labutara em regiões primitivas, buscara constantemente levar uma vida em plena harmonia com os princípios bíblicos. Não seria normal desejar tal pessoa na congregação, achar que seria definitivamente uma perda não mais contar com sua associação e exemplo? Se achassem que as crenças das Testemunhas eram firmes e solidamente baseadas nas Escrituras, não se sentiriam movidos a fazer qualquer esforço possível para pelo menos continuar a ter contato com tal pessoa na esperança de que eventualmente viessem a se reconciliar as diferenças? Eu pensaria assim, mas não os anciãos treinados pela organização; após receberem a carta não fizeram nenhum esforço de considerar com ela seu conteúdo, e prontamente anunciaram a “dissociação” oficial dela. Pela norma da organização, dessa hora em diante, Sue Walker, na prática, deixava de existir para os membros da congregação, que não mais falariam nem se associariam com ela.

Isto é ainda mais incrível pelo fato de que Sue Walker continuou a ajudar sua mãe idosa a atravessar a estrada até o Salão do Reino sempre que esta queria ir, ficando calmamente sentada ao lado da mãe durante as reuniões, embora sua presença fosse totalmente ignorada por todos da assistência. Ela o fazia apenas por consideração à mãe, que continuava sendo Testemunha. Quando a saúde da mãe eventualmente a impediu de assistir às reuniões, esta raramente recebia visitas dos membros da congregação, devido à relutância destes em aproximar-se da filha “dissociada.” A mãe dela mudou de opinião quanto à organização e quando o marido dela (que nunca fora Testemunha) faleceu, ela concordou com as filhas em convidar-me a ir até lá para presidir o funeral. Antes de ela própria morrer, expressou o desejo de que eu presidisse também o funeral dela. Numa pequena comunidade rural onde todos se conhecem, as cento e poucas pessoas que vieram ao funeral não puderam deixar de notar que, embora sua vizinha, a Sra. Walker, não fosse desassociada e sequer tivesse se “dissociado,” nenhuma das Testemunhas de quem ela fora companheira de adoração por mais de quarenta anos tinha comparecido. A norma da organização, e não os sentimentos pessoais, as manteve à distância.

O que se seguiu ao anúncio da “dissociação” de Sue Walker é ainda mais revelador do espírito cultivado pela organização. Alguns meses antes, sua irmã mais velha, Lulu, e o marido dela (pais de Sue Phillips) tinham se mudado da região de Dancy para a região da Costa do Golfo do Mississipi. Por terem chegado a conclusões conscienciosas sobre a organização, e estando plenamente cientes das prováveis conseqüências, eles propositalmente não comunicaram aos anciãos de Mantee seu novo endereço, e, ao chegarem a sua nova residência em Long Beach, procuraram permanecer incógnitos da congregação local. Esperavam, desta forma, retirar-se discretamente e evitar o confronto com interrogatórios e o dissabor dos procedimentos judicativos.

Ficaram surpresos, portanto, quando não muito depois de a filha deles ser desassociada pela  congregação Mantee, dois anciãos da congregação de Long Beach, Mississipi, que lhes eram totalmente estranhos, surgiram inesperadamente à porta deles. De que modo ficaram sabendo deles só se pode imaginar, mas as declarações dos anciãos deixaram claro que era em conseqüência da ação judicativa tomada a centenas de quilômetros dali com respeito à filha deles. Os esforços de “pastoreio” dos anciãos consistiram em interrogar Ray e Lulu Phillips quanto às suas crenças, se eles pensavam igual à filha deles. Responderam na afirmativa. Em poucos dias chegou o aviso para comparecerem a uma audiência judicativa. Eles não tinham desejo algum de passar por essa experiência e disseram isso. Foram também desassociados.

Dá para imaginar de que modo é possível alguém “ir embora em silêncio,” como os representantes da Sociedade, inclusive Robert Balzer, da sede de Brooklyn, argumentam. A alegação de que tal perseguição pelos anciãos é necessária para “manter a organização limpa” parece especialmente vazia em vista do fato de que este casal, de sessenta e tantos anos, empenhava-se para viver discreta e silenciosamente, sem nenhuma ligação com a congregação onde a ação foi tomada.

Restava uma das três filhas Testemunhas da Sra. Walker, Lavenia, uma pessoa gentil que vivia então em Nova Orleans, região da Louisiana. Logo ao mudar-se para lá, Lavenia assistira a algumas reuniões no Salão do Reino local mas, como sua irmã Lulu, tinha decidido deixar a organização em silêncio. Ao mesmo tempo em que sua irmã era “investigada” no Mississipi, ela recebeu a visita de um ancião local acompanhado de um superintendente de circuito visitante, interrogando-a sobre o motivo de sua ausência às reuniões. Ela explicou por que não estava indo. Não se questiona o fato de estes homens mostrarem interesse por ela ou ¾ crendo que o bem-estar espiritual dela estava em jogo ¾ se empenharem em encorajá-la a assistir às reuniões. Esse interesse certamente é compreensível e até elogiável. O que eles de fato fizeram, porém, é deveras intrigante. Ao ouvirem a explicação dela quanto à ausência, o superintendente de circuito escreveu uma breve declaração e disse que se ela não ia mais assistir às reuniões (conforme rezava a declaração lida) podia simplesmente assiná-la. Ela fez isso. O resultado? Ela passou a ser considerada oficialmente “dissociada,” vista da mesma forma como se tivesse cometido algum ato que exigisse excomunhão, alguém com quem não se pode falar ou associar. Os esforços de pastoreio, apresentados nas publicações da Torre de Vigia como esforços contínuos e amorosos para “reajustar” e recuperar ovelhas desgarradas, tinham levado no máximo uma hora. Lavenia, todavia, passara cerca de trinta anos associada.

Ao todo, o tempo que estas cinco pessoas da família passaram associadas com as Testemunhas totalizava cerca de 200 anos. O tempo gasto pelos anciãos das Testemunhas para tentar ‘trazê-las de volta ao rebanho’ atingiu no máximo 5 ou 6 horas.

 

Vigilância e uso de um sistema de informantes

 

Não creiais no amigo, nem confieis no companheiro. Guarda a porta de tua boca àquela que reclina sobre o teu peito.

¾ Miquéias 7:5, Almeida Revista e Atualizada.

 

Este mesmo padrão repetiu-se vez após vez, num lugar após outro, em vários países. As Testemunhas sentem-se na obrigação de relatar casos de co-Testemunhas que venham a desviar-se das normas ou ensinos da organização.

Num artigo intitulado, “Tempo Para Falar ¾ Quando?” A Sentinela de 1º de setembro de 1987, declara a posição oficial de que mesmo que isso signifique violar normas sobre manter confidências e até  juramentos ¾ como no caso de médicos, enfermeiras, advogados ou outros que mantêm registros ou informações confidenciais particulares ¾ uma Testemunha tem a responsabilidade de revelar infrações às regras da organização por parte de outro membro se estas envolverem o que comumente se chama de “transgressões passíveis de desassociação.” O transgressor deve ser aconselhado a confessar sua infração aos anciãos, e, se não o fizer, a Testemunha que sabe da infração acredita que sua lealdade a Deus exige que relate o assunto aos anciãos. Apenas num setor, a confidência é vista como algo sagrado: quando tem a ver com os próprios assuntos da organização, inclusive as reuniões dos anciãos nas audiências judicativas.12

Incrível como possa parecer, menos de quatro anos após esta norma ser instituída, num artigo sobre como agir em hospitalizações, a revista Despertai! de 8 de março de 1991 (página 7) publicou uma “Declaração de Direitos do Doente” e entre estes direitos alistava este:

 

6.        Esperar que todos os comunicados e registros pertinentes aos cuidados médicos recebidos sejam tratados como confidenciais.

 

Como já vimos, a diretriz da organização invalida este direito se ele interferir com sua norma de que toda Testemunha que tenha conhecimento de infração de normas por parte de outra deve denunciá-la, mesmo que que seja médico ou enfermeira.

Um artigo do Dr. Gerald L. Bullock, de Plano, Texas, publicado no Medical Economics de 19 de agosto de 1985, deixa claro que as Testemunhas sentem-se mesmo obrigadas a agir como informantes para os corpos de anciãos, apesar da seriedade das conseqüências ¾ não só para elas próprias como para os outros. O Dr. Bullock relata que contratou uma jovem Testemunha que fora paciente dele e amiga da família havia anos. Ele descreve “Toni” (nome fictício) como uma boa e disposta funcionária. Tudo ia bem até que outra Testemunha (a quem ele chama de “Linda,” e que era conhecida de “Toni”) veio a seu consultório. Ela disse que fora estuprada por vários homens depois de ir a um bar em Houston, Texas, e contraíra gonorréia. Ela tinha ido a outro médico e agora queria fazer um teste de cultura para ver se estava livre da infecção. Ele achou que não lhe cabia questionar a veracidade da alegação de estupro e simplesmente procedeu ao exame de cultura, constatando o fim da infecção. Algumas semanas depois, Linda telefonou-lhe zangada, informando que fora desassociada e era agora rejeitada pela própria família. Ela ameaçou um processo, dizendo ter certeza de que fora Toni quem dera a informação sobre seu caso aos anciãos, tirando-a dos registros do consultório do Dr. Bullock. Ele diz:

 

Fiquei estarrecido. Não podia acreditar que Toni tivesse ido tagarelar sobre uma paciente. Eu fora muito claro sobre manter confidências antes de contratá-la. E o manual da minha equipe determina punição de demissão sumária para empregados que violam confidências de pacientes.

Quando confrontei Toni, fiquei mais estarrecido ainda por ter admitido abertamente que fora mesmo ela a tagarela. Ela explicou que na religião dela todos os membros devem denunciar aos anciãos da igreja qualquer outro membro que viole seus ensinos e disciplina. Quando revisava o extrato de cobranças e a informação do seguro de saúde e leu o que Linda me falou, ela passou algum tempo decidindo a quem devia primeiramente sua lealdade. No final, ela levou o assunto aos anciãos.

 

Deve-se notar que, ao meditar sobre a lealdade, ela não decidiu que tinha uma obrigação para com seu empregador e amigo de informá-lo sobre o que ia fazer com a informação tirada dos registros de seu consultório. Seu aprendizado como Testemunha evidentemente não a fez entender que isso também era uma questão de lealdade. O Dr. Bullock prossegue:

 

Pelo menos não fora uma simples tagarelice irrefletida. Todavia, teria sido mais fácil para mim lidar com isso que com o fato de uma empregada de confiança e amiga ter feito tal coisa após uma plena consideração do dano que causaria ¾ a uma paciente nossa e a mim.

Também achei quase incrível que a história de Linda tivesse sido tornada pública. Todas as Testemunhas que eu conhecia pareciam tão bondosas. Eu não podia acreditar que a religião delas exigisse tal tagarelice e um tratamento tão rude aos dissidentes. Telefonei para um proeminente ancião da igreja, que era meu amigo desde o colégio. Ele disse que era tudo verdade.

Ele explicou que os anciãos da igreja não tentaram conferir a veracidade da história do estupro de Linda. Na opinião deles, ela tinha ido a um lugar onde não devia, feito uma coisa que não devia e contraído uma doença que não devia. Por isso, ela tinha de sofrer o castigo da “desassociação,” que só seria suspenso se ela pudesse convencer os anciãos de seu sincero arrependimento. A igreja chegou a mandá-la mudar-se da casa da família até que ela satisfizesse os requisitos para a absolvição.

Se eu estava zangado quando telefonei, fiquei furioso quando o ancião concluíu a explicação. Perguntei-lhe se tinha idéia do que sua igreja fizera a mim, um inocente espectador. Ele disse que lamentava, mas, como Toni, ele achava que os ensinos da igreja tinham de ficar acima de todas as outras considerações.

 

Como Toni, ele e os outros anciãos não sentiam aparentemente nenhuma obrigação moral de notificar o médico de que tinham recebido uma informação confidencial da funcionária dele e do uso que decidiram fazer desta informação legalmente privilegiada. O que aprenderam como Testemunhas simplesmente não os deixava pensar nestes termos.

A conselho de seu advogado, o Dr. Bullock achou necessário demitir Toni. Ele não só explicou a ela porque teve de fazer isto como também teve a consideração de não cortar a amizade com ela pelo que tinha feito. Ele pediu desculpas a Linda, explicando o que acontecera. Esta assegurou que não o processaria, visto ter compreendido que ele não tinha pessoalmente culpa alguma.

O Dr. Bullock trabalha agora em outra cidade, mas diz que ainda está um pouco “cismado.” Ele escreve que, visto que a violação de confidência do paciente por um funcionário não é coberta  pelo seguro contra erro médico, “todo o nosso dispendioso seguro de responsabilidade profissional não valeria um tostão se um paciente prejudicado desse modo nos processasse e ganhasse.” Ele agora põe em prática uma norma empresarial que inclui uma séria responsabilidade pessoal por parte dos empregados. Cada funcionário novo ouve a história de “Toni” e “Linda,” e se não puder garantir que suas crenças religiosas não o obrigam a trair confidências de pacientes ele não o contrata.

 

Como base para esta insistência de que as Testemunhas têm de informar aos anciãos sobre as infrações de seus concrentes, mesmo que violem a confidência, A Sentinela já mencionada cita a provisão da Lei mosaica em Levítico 5:1, que diz: “Ora, caso uma alma peque por ter ouvido uma imprecação feita em público, e seja testemunha, ou tenha presenciado isso ou veio a sabê-lo, então, se não o relatar, terá de responder pelo seu erro.” Daí, o artigo tira estas conclusões:

[FOTOCOPIA da Sentinela 1/9/87, p. 13]

Esta ordem da Maior Autoridade no universo lançava sobre cada israelita a responsabilidade de relatar aos juízes qualquer séria transgressão que havia observado, para que se pudesse tratar do assunto. Embora os cristãos não estejam propriamente sob a Lei mosaica, os princípios dela ainda se aplicam na congregação cristã. Portanto, pode haver ocasiões em que o cristão tem a obrigação de trazer um assunto à atenção dos anciãos. É verdade que, em muitos países, é ilegal revelar a pessoas não autorizadas aquilo que se encontrou em registros particulares. Mas, se o cristão, depois de considerar isso com oração, achar que se confronta com uma situação em que a lei de Deus exige dele relatar o que sabe, apesar das exigências de autoridades inferiores, então esta é uma responsabilidade que ele aceita perante Jeová. Há ocasiões em que o cristão ‘tem de obedecer a Deus como governante antes que aos homens’. — Atos 5:29.

Embora juramentos ou promessas solenes nunca devem ser encarados levianamente, pode haver ocasiões em que promessas exigidas por homens estão em conflito com o requisito de que demos devoção exclusiva ao nosso Deus. Quando alguém comete um pecado grave, ele, na realidade, vem a estar sob uma ‘imprecação pública’ Daquele a quem fez o mal, Jeová Deus. (Deuteronômio 27:26; Provérbios 3:33) Todos os que se tornam parte da congregação cristã colocam-se sob um “juramento” de manter a congregação limpa, tanto pelo que pessoalmente fazem, como pela maneira em que ajudam outros a permanecer limpos.13

 

Isto certamente põe um pesado fardo sobre as Testemunhas individuais, e o autor do artigo empenha-se em inculcar um similar sentimento de culpa aos que deixam de relatar pecados de co-Testemunhas aos anciãos designados da organização. A limpeza da congregação é enfatizada como o fator prevalecente para justificar a posição tomada. A “limpeza” para as Testemunhas, porém, é determinada pelos padrões organizacionais, quer as Escrituras falem sobre o assunto quer não, e o procedimento para ‘ajudar outros a permanecer limpos’ é também prescrito pela organização e seus regulamentos. É isto que torna tão ominosa a insistência de que todos os membros vejam a si próprios como estando sob “juramento de manter a congregação limpa.” Ao justificar a violação da confidência, o artigo da Sentinela usa como ilustração o caso de uma mulher Testemunha não-casada que se submete ao aborto num hospital. No entanto, como se vê no capítulo 8, com uma infinidade de normas e regulamentos organizacionais, a extensão e a variedade de possíveis infrações que devem ser relatadas poderiam chegar às centenas. Poderia resultar em que certa Testemunha, empregada numa firma de contabilidade, que visse uma fatura comprovando que outro profissional Testemunha colocou um teto ou instalou um sistema de alarme numa igreja, sentir-se ia na obrigação de relatar o assunto aos anciãos. Significaria denunciar um homem por espalhar inseticida numa base militar ou uma mulher por ganhar a vida arrumando camas nas casernas. Pode resultar em alguém que se acha “sob juramento” ter de relatar aos anciãos que uma co-Testemunha não consegue aceitar o ensino de que Cristo começou a reinar em 1914 ou que ele hoje é mediador para apenas 8.700 pessoas.

Embora o artigo afirme que “os cristãos não estão propriamente sob a Lei mosaica,” é difícil imaginar uma aplicação mais rígida desta lei aos cristãos do que a declarada pelo autor do artigo. A distinção feita entre “lei” e “princípio” termina sem distinguir nada. O fato é que os cristãos não só “não estão propriamente” sob a Lei mosaica ¾ eles não estão sob esta nem parcialmente nem de qualquer outro modo, mas totalmente sob a graciosa benignidade de Deus.14 O artigo não se limita a aplicar o “princípio” desta regra ¾  que se poderia dizer estar servindo aos interesses da justiça e da retidão ¾ mas aplica a “letra” da lei, em contradição ao ensino apostólico:

 

Mas agora fomos exonerados da Lei, porque morremos para com aquilo que nos segurava, para que fôssemos escravos num novo sentido, pelo espírito, e não no velho sentido, pelo código escrito.15

Pois a letra mata, mas o espírito vivifica.16

 

A aplicação feita pela Sentinela reflete mais a atitude judaizante ¾ com seu empenho de converter os cristãos a guardarem a lei ¾ algo contra que Paulo labutara tão firmemente, do que o espírito de Cristo. O apóstolo alerta que guardar a lei tornaria os cristãos sujeitos à própria “imprecação” apontada pelo artigo de A Sentinela, quando procura incutir sentimento de culpa naqueles que não apoiam suas normas.17 Para efetivar esta aplicação, o artigo vai além até mesmo do que estava na Lei mosaica.

O artigo afirma primeiro que Levítico 5:1 trata da questão legal em que um erro foi causado e a pessoa prejudicada convocava testemunhas para depor em seu favor, rogando uma maldição sobre aquele que o prejudicou. Numa nota de rodapé, ele cita a seguinte explicação, um tanto diferente:

 

No seu Comentário Sobre o Antigo Testamento, em inglês, Keil e Delitzsch declaram que alguém seria culpado de erro ou pecado se “soubesse do crime de outro, quer o tivesse visto, quer tivesse obtido certo conhecimento dele de outra forma, e por isso estivesse qualificado para comparecer ao tribunal como testemunha para a condenação do criminoso, mas negligenciasse fazer isso, e não declarasse o que havia visto ou sabido, quando ouvisse a solene adjuração do juiz na investigação pública do crime, pela qual todos os presentes, que soubessem algo sobre o assunto, eram exortados a se apresentar como testemunha”.18

 

Em Israel, que funcionava como nação distinta, cuidando-se não só de contravenções e questões criminais, mas também de questões cíveis envolvendo todo tipo de conflitos entre indivíduos, os anciãos das aldeias e cidades atuavam como tribunal, sendo os casos examinados em público no portão da cidade.19 Se quaisquer testemunhas fossem convocadas a prestar depoimento num determinado caso, isto era feito publicamente, e a convocação podia ser acompanhada de uma “adjuração solene,” ou, conforme a Tradução do Novo Mundo, uma “imprecação feita em público,” pondo as testemunhas sob a responsa-bilidade de prestar depoimento e a fazê-lo de modo franco.20

Um dos exemplos mais detalhados de audiência perante os anciãos da cidade acha-se em Rute 4:1-12. Trata-se de Boaz, parente próximo do falecido Elimeleque, e interessado em atuar como “resgatador” da propriedade do morto ¾ este resultado lhe traria a obrigação de casar com Rute, a moabita. Boaz vai ao portão da cidade, espera até que passe outro homem que é o parente mais próximo (e que, portanto, tem a primazia de ser “resgatador”). Boaz reúne então dez dos anciãos da cidade e a questão é resolvida diante deles e da multidão reunida, com Boaz adquirindo o direito que buscava. Ele dirige-se a todos, os anciãos e as pessoas reunidas, dizendo: “Vós sois hoje testemunhas.”

Não há a menor semelhança entre o modo aberto em que as questões eram resolvidas naquela época e o modo sigiloso em que funcionam os tribunais religiosos instituídos pela organização Torre de Vigia. Desconhece-se a convocação pública de testemunhas, as audiências judicativas são realizadas em segredo, e praticamente a única coisa que se declara publicamente é um breve anúncio de desassociação ou dissociação. Por que faz a organização uma aplicação tão seletiva do “princípio” da lei, usando-o apenas para pôr sobre seus membros o fardo da responsabilidade por relatar as infrações de concrentes, enquanto ignoram o claro princípio da transparência na condução dos procedimentos judicativos por meio dos representantes designados da organização?

O autor do artigo da Sentinela, portanto, busca rapidamente conver-ter a questão de atender à convocação pública de testemunhas numa questão de tomar a iniciativa de relatar transgressões aos anciãos. A matéria relega os que não são anciãos ao papel de informantes ou acusadores, deixando totalmente a critério dos anciãos a solução a ser dada ao caso. Embora se espere que os membros primeiro abordem o suposto transgressor e o exortem a ir aos anciãos, o fato é que isto raramente ocorre. Na vasta maioria dos casos, esse passo é esquecido, faz-se um relato aos anciãos e, desta forma, os trâmites judicativos da organização entram em ação.

A matéria da Sentinela visa, evidentemente, privar os membros das Testemunhas de qualquer opção pessoal quanto ao assunto, ou de exercer qualquer critério pessoal no que diz respeito a fazer dos atos errados de outros uma questão de investigação judicativa. Visa evitar que a pessoa dê margem à compaixão ou algo assim para determinar se vai manter confidência no assunto ou não, bem como enquadrar como desrespeitoso para com Deus qualquer esforço de ajudar o transgressor sem denunciá-lo aos anciãos designados da organização.21

Não há dúvida de que, sob a Lei mosaica, havia uma responsabi-lidade implícita de falar sobre certos erros graves e crimes de natureza extrema ¾ blasfemar contra Deus, tentar seduzir co-israelitas à idola-tria, derramar sangue humano inocente, e talvez, também, proferir profecias falsas e enganosas.22 Mas em parte alguma da Lei mosaica acha-se expresso nestes termos amplos que todo israelita estava obri-gado a relatar aos juízes “qualquer séria transgressão que havia observado.” Como vimos, na maioria dos casos, os regulamentos, inclusive o de Levítico 5:1, falam de atender a uma convocação ou adjuração para testemunhar, não de um israelita tomar a iniciativa de relatar. A idéia de que a lei de Deus impunha a cada israelita a obrigação de ir aos anciãos da cidade por cada erro significativo que um co-israelita cometesse ¾ sendo o assunto tratado publicamente no portão da cidade ¾ é algo que o autor do artigo da Sentinela leu por sua conta nas Escrituras. Obviamente, todo indivíduo que fosse pessoalmente prejudicado por outro, tinha o direito de ir aos portões e fazer a acusação. Mesmo nesse caso, porém, se eles resolvessem as coisas entre si, não havia obrigação alguma de o prejudicado relatar a transgressão do outro.

Um notável exemplo de manter silêncio diante de evidências aparentemente convincentes de séria transgressão é o caso de José, pai adotivo de Jesus. Ele cria realmente que a mulher que lhe estava prometida violara a lei sobre o adultério. O fato inegável da gravidez dela antes de estar casada parecia constituir prova absoluta disto. José, todavia, não se sentiu na obrigação de denunciá-la aos anciãos ou sacerdotes quais juízes. Não querendo “fazer dela um espetáculo público,” pretendia divorciar-se dela silenciosamente. Estava ele assim desprezando um “juramento” divino que lhe ordenava denunciá-la e mostrando crassa falta de interesse na “limpeza da congregação”? As Escrituras nos dizem que ele foi motivado a isso porque “era justo.”23 Ao aliviar José de sua apreensão, assegurando-lhe da castidade de Maria, Deus não o reprovou por sua atitude compassiva.24

O Filho de Deus também deixou claro que nem toda transgressão precisava ser levada aos juízes, falando de circunstãncias em que o transgressor podia evitar isto por chegar a um acordo com seu acusador, mesmo que este estivesse a caminho do juiz para levar a acusação.25 Ele, coerentemente, exortou aqueles contra quem se tinha pecado a tomar a iniciativa, não de relatar o assunto a um corpo judicativo, mas de abordar aquele que tinha pecado e empenhar-se em fazê-lo reconhecer o erro, dizendo, se o conseguisse, “ganhaste o teu irmão” ¾ isto sem intervenção de outros, inclusive de anciãos. Apenas se não tivesse êxito ele buscaria a ajuda de “mais um ou dois” e nada se diz quanto a estes serem anciãos. Se esta tentativa também falhasse é que o ato pecaminoso do transgressor seria trazido perante à congregação.26

Jesus expôs vigorosamente o erro da rigidez típica da atitude lega-lística em servir a Deus. Mostrando que o objetivo da lei era bene-ficiar o homem, não ser um fardo cansativo nem restringi-lo em mostrar compaixão, ele disse aos acusadores que “o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado.”27 Ele recordou aos legalistas religiosos o relato em que Davi entrou no tabernáculo e recebeu dos “pães da proposição,” sagrados, para alimentar seus homens, pães “os quais não lhe era lícito comer, nem a ele nem aos que com ele estavam, mas exclusivamente aos sacerdotes.”28 Ele tampouco descreveu Davi como ‘vindo a estar sob uma maldição de Deus’ por fazer isto, nem descreveu o sacerdote na ocasião como relapso em cumprir o “juramento” de manter a congregação limpa por não fazer uma acusação contra Davi. Do mesmo modo, não elogiou a ação de Doegue, o edomita, que prontamente relatou o fato ao chefe da nação, Saul, o que resultou na sentença de morte de 85 sacerdotes e na matança das pessoas na cidade deles.29 Em vez disso, Jesus usou o relato como base para dizer aos líderes religiosos, “Se vocês soubessem o que significam estas palavras: ‘Desejo misericórdia, não sacrifícios,’ não teriam condenado inocentes.”30

“Como cristãos,” “exonerados da Lei” e não mais “escravos no velho sentido, pelo código escrito,” estamos livres para ser guiados pelo exemplo de Cristo e pela lei da fé e a lei real do amor ao tomar decisões nesta área.31 Temos a garantia apostólica de que “aquele que ama o seu próximo tem cumprido a Lei, e que não só os mandamentos sobre adulterar, matar, furtar, cobiçar, mas “qualquer outro manda-mento, todos se resumem neste preceito: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo.’ O amor não pratica o mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento da Lei.”32 Estamos livres para usar nosso discernimento quanto a que atitude trará maior benefício ¾ para os transgressores e para outros que sejam afetados. Certamente há na vida assuntos de tão grave conseqüência ¾ que implicam em agir de modo duro e descortês ou indicam um potencial de sérios danos ¾ que, conscientes destes, sentir-nos-emos movidos a torná-los conheci-dos a outros. Mas não estamos presos a regras inflexíveis, postos sob um “juramento,” que nos faça de modo automático e compulsório expor as faltas de outros. Somos encorajados a ‘confessar os nossos pecados uns aos outros’ não a um tribunal eclesiástico;  cada um de nós, não apenas os homens que detêm uma designação organizacional, é exortado a fazer o que puder para ajudar e curar os que se desviaram da verdade e caíram no erro, fazendo isso com uma atitude misericor-diosa para com a pessoa, embora detestando os erros em si.33

A rígida norma decretada, no final das contas, funciona na prática contra as pessoas que caem em erro. A pessoa que comete um pecado sério pode sentir ardentemente a necessidade de ajuda para evitar errar de novo. Mas uma Testemunha não pode sequer ir a um amigo de sua congregação para falar sobre seu ato pecaminoso sem a mínima garantia de que o que disser a seu amigo será mantido em confidência. Os textos que falam contra ‘revelar palestra confidencial’ não são aceitos neste caso, e a declaração de que “o verdadeiro companheiro está amando todo o tempo e é um irmão nascido para quando há aflição” torna-se também sem efeito, vazia de significado.34 Mesmo que aquele que pecou tenha feito oração a Deus mediante Cristo e buscado o perdão, isto não basta para garantir-lhe a confidência. Se é algo que a organização classifica como “pecado sério,” suas autorida-des têm de ser informadas e o tribunal eclesiástico tem de decidir se medidas devem ou não ser tomadas. As Testemunhas são ensinadas a achar que não estão mostrando amor se deixarem de delatar concren-tes que não foram às autoridades para falar de seus erros pessoais. As Testemunhas que erram são informadas de que podem falar aos anciãos, “confiantes em que eles cuidarão do problema de maneira bondosa e compreensiva.”35 Enquanto eu estava no Corpo Gover-nante, um quadro bem diferente do retratado acima chegou através de declarações do Departamento de Serviço da sede. Estas citavam superintendentes viajantes que diziam acreditar que a grande maioria (alguns davam dados de 70 % ou mais) dos anciãos não estavam qualificados para servir em funções judicativas. Estou certo de que alguns anciãos merecem a confiança descrita nas publicações da Torre de Vigia. Mas a experiência real mostra que a aderência à norma da organização vem primeiro para a grande maioria destes homens, e que o legalismo, com excessiva freqüência, bloqueia os naturais sentimen-tos de compaixão que de outra forma poderiam ter.

 

Ilustrativo do modo como as ações privadas das Testemunhas são monitoradas de perto pelos anciãos “leais,” homens impelidos a impor o “grande conjunto de leis teocráticas,” é o caso de Rud Persson e sua esposa. Rud foi batizado como Testemunha de Jeová em 1959. Em janeiro de 1986, ele e a esposa refletiram mais seriamente sobre a mensagem de Cristo Jesus na parábola do “bom samaritano” do que haviam feito no passado. Especialmente comovidos pela situação de fome na Etiópia, eles pagavam uma uma pequena taxa anual de filiação à Cruz Vermelha, de modo a obter informações sobre vários projetos de emergência, dentre os quais podiam escolher para contribuir com alguma modesta ajuda. Rud não esperava que isso lhe trouxesse problemas. Sua própria mãe, Testemunha convicta, tinha se beneficiado da ajuda aos inválidos da Cruz Vermelha Sueca após tornar-se permanentemente enferma.

Meses depois, em maio daquele ano, o superintendente presidente da congregação local abordou Rud e indagou-lhe se tinha ingressado na Cruz Vermelha. Rud esperava uma conversa amigável, mas ao confirmar que tinha se tornado membro, o superintendente encerrou o assunto e não fez mais perguntas.

Só depois Rud descobriu que uma “investigação” já se iniciara antes dessa conversa. Um ancião, tendo ouvido um rumor de que Rud se filiara à Cruz Vermelha, relatou o assunto ao corpo de anciãos, os anciãos haviam discutido a respeito e tinham até contatado o superin-tendente de circuito da região, Gert Andersson, em busca de conselho. Por quê? Achavam que Rud podia ter “violado sua neutralidade” com respeito à guerra (como já vimos, muitas vezes expresso como tendo “violado Isaías 2:4”). Os anciãos, a 19 de junho de 1986, escreveram à filial da Torre de Vigia na Suécia, indagando se era aconselhável chamar Rud perante uma comissão judicativa para saber se violara sua neutralidade cristã. A filial respondeu enviando uma cópia da carta deles ao superintendente de circuito Andersson, dizendo que pesquisa-riam o assunto e possivelmente pediriam conselho ao Corpo Gover-nante em Brooklyn. Finalmente, a 15 de outubro de 1986, enviaram ao superintendente presidente da congregação, Mats Norsund, a carta que aparece aqui.36

 

BIBEL-OCH TRAKTATSÄLLSKAPET VAKTTORNET

Caixa 5, S-732 00 ARBOGA, SUÉCIA      SR:SL 1986-10-11

 

                                    Mats Norsund

                                    Brohuset 1019

                                    Prästmöllan

                                    260 70 LJUNGBYHED

 

Ao corpo de anciãos da Congregação Perstorp

 

Prezados irmãos,

 

Estamos lhes escrevendo agora com respeito à informação que forneceram à Sociedade de que o irmão Rud Persson tornou-se membro da Cruz Vermelha.

 

Passamos o asssunto para os irmãos em Brooklyn para saber a opinião deles quanto a ingressar em organizações desse tipo. Os irmãos nos advertiram que, mesmo que a Cruz Vermelha em certos países preste serviços que possam ser necessários localmente, ela ainda aplica os princípios da Cruz vermelha Internacional, com sede na Suiça. Afirma-se que o propósito da organização é aliviar as dificuldades e sofrimentos humanos, mas devemos, não obstante, recordar que a organização teve sua origem nos campos de batalha. Ela realiza grande parte de sua obra direta ou indiretamente em conflito com o pensamento delineado em Isaías 2:4. Além disso, a organização é um dos maiores fornecedores mundiais de sangue para transfusões. Está também envolvida nas questões políticas e amiúde atua como mediadora entre nações em guerra.

 

Conseqüentemente, é bom considerar como um todo aquilo em prol de que trabalha uma organização e compará-lo com a neutralidade cristã que o povo de Deus deve mostrar. Tampouco podemos apoiar o uso errado do sangue. Com certeza, é muito correto tentar aliviar o sofrimento humano, mas não precisamos tornar-nos membros de uma organização mundana para fazer isso, não é verdade? Isto foi considerado de modo bem extenso em A Sentinela de 1º de outubro de 1986, pp. 22-24.

 

Também vem ao caso a motivação da pessoa em ingressar numa organização. Por que deseja ela ingressar numa determinada organização? Aprova ela aquilo que a organização representa? Pode acontecer que alguém torna-se membro passivo de tal organização a fim de habilitar-se para um curso de primeiros socorros. Nada mais exige-se da pessoa. Um cristão pode achar que sua consciência permite isto. Por outro lado, se alguém diz que defende tudo que é visado pela organização, então, é claro, seus privilégios na congregação seriam afetados. Se alguém se torna membro e apoia ativamente, por exemplo, o programa mundial de sangue patrocinado pela Cruz Vermelha, isso pode levar à desasociação.

 

Deste modo, no caso de vocês, recomendamos que conversem com o irmão Rud Persson sobre isto e examinem quais os motivos dele para ingressar na Cruz Vermelha. Tem ele a opinião de que o que esta organização defende é bom e apropriado? Tem ele conheci-mento do programa dela em apoio às transfusões de sangue? E da atividade dela como mediadora entre as nações? Quando conversarem com ele extensamente a este respeito e ouvirem sua reação, queiram novamente comunicar-se conosco de modo que possamos visualizar o que ele pensa a este respeito e se quer continuar a ser membro da Cruz Vermelha. Qual é a atitude dele para com os alimentos que contêm sangue servidos nas escolas? E celebrações de aniversário e assim por diante, relacionadas com com atividades escolares? Mencionamos isto por que o irmão Gert Andersson fez comentários sobre isto a respeito dos filhos do irmão Rud Persson.

 

Unidos com os irmãos em publicar as boas novas do reino, enviamos nosso amor cristão e cumprimentos cristãos.

 

Seus irmãos

 

BIBEL-OCH TRAKTATSÄLLSKAPET VAKTTORNET

 

    (selo)

 

Anex. trecho da The World Book Encyclopedia

 

cc: Gert Andersson  _________________

         

Durante todo este tempo, desde maio, quando o superintendente indagou se Rud tinha ingressado na Cruz Vermelha até então, outubro, nada tinham dito a ele quanto a esta investigação. O pai e o irmão mais novo de Rud eram do corpo de anciãos mas nada disseram a ele, achando sem dúvida que o princípio da confidência não permitia que ele fosse informado de que podia enfrentar uma audiência judicativa. Todavia, quando receberam a carta de 15 de outubro da filial, os anciãos, tendo de novo consultado o superintendente de circuito, agiram rapidamente. A 18 de outubro, o superintendente presidente ligou para Rud informando-o de que a Sociedade queria que ele respondesse cinco perguntas na presença de dois anciãos; perguntou também se a esposa de Rud se tornara membro da Cruz Vermelha.

Na reunião, pediram a Rud para responder cinco perguntas:

 

1)  Qual é o seu motivo para ingressar na Cruz Vermelha?

 

2)  É você de opinião que a Cruz Vermelha defende o que é bom e apropriado?

 

3)  Está ciente do programa de transfusões de sangue da Cruz Vermelha?

 

4)  Está ciente de que a Cruz Vermelha está envolvida na mediação entre as na-

                                  ções?

 

5)  Pretende continuar como membro da Cruz Vermelha?

 

Em essência, suas respostas foram estas:

 

1)        Seu motivo era ser informado de projetos de socorro da Cruz Vermelha e fazer contribuições apropriadas. Citou para os anciãos um artigo na Despertai! de 8 de dezembhro de 1977, o qual, embora apresentasse muitos fatores negativos sobre as organizações de caridade, afirmava que não era necessariamente errrado contribuir para elas. Disse também que achava esta questão análoga à posição com respeito aos sindicatos e certos tipos de emprego, em que os fatores negativos eram vistos como contrabalançados pelos positivos.37

2)       Sua resposta à segunda pergunta era que ele simpatizava com a ajuda imparcial prestada pela Cruz Vermelha aos necessitados, e achava que isso era bom e apropriado. Chamou então a atenção dos anciãos para esta declaração do número de A Sentinela de 1º de junho de 1918:

 

“Um cristão que tenha conhecido o ponto de vista pervertido de que a obra da Cruz Vermelha é apenas de ajudar a obra de matar, que é contra a consciência dele, não pode ajudar a Cruz Vermelha; ele então adquire o ponto de vista mais amplo de que a Cruz Vermelha corporifica o socorro aos desamparados, e descobre-se capaz e desejoso de ajudar a Cruz Vermelha segundo sua capacidade e oportunidade.”

 

Acrescentou que achava esta mudança de um “ponto de vista per-vertido” para um “ponto de vista mais amplo” ainda mais justificado atualmente.

 

3)        Com relação às transfusões de sangue, destacou que na maioria dos casos as transfusões são feitas em hospitais, e que achava improvável que a Sociedade boicotasse os hospitais por causa do grande uso que fazem do sangue. Muitas Testemunhas trabalhavam em hospitais que têm “programas de sangue.” Recordou aos anciãos a norma da Sociedade pela qual um médico Testemunha pode administrar uma transfusão de sangue a um paciente não-Testemunha que a peça, sem ficar sujeito a uma ação judicativa.38

4)       Quanto à alegada mediação entre as nações, ele afirmou que a Cruz Vermelha não é política, sendo seu papel como mediadora restrito unicamente às questões humanitárias. Mais uma vez ele usou a analogia dos sundicatos, organizações “mundanas” às quais pertencem milhares de Testemunhas. Em contraste com a Cruz Vermelha, os sindicatos estão amiúde empenhados na atividade política, e, no entanto, a Sociedade não condena que se faça parte deles.

5)       Quanto a se ele pretendia permanecer como membro da Cruz Vermelha, dclarou que pelo que ele podia entender, isto estava em harmonia com as publicações da Sociedade. Disse que a pergunta não fazia sentido, a menos que primeiro se comprovasse que o fato de ser membro era incompatível com o cristianismo. Não tendo recebido informação alguma neste sentido, ele não via nenhum conflito de interesses.

 

Vale a pena constatar a fonte das perguntas feitas a Rud Persson. Estas foram fornecidas aos anciãos locais pela filial da Sociedade Torre de Vigia na Suécia, e os membros da filial disseram ter recebido diretrizes sobre o assunto do Corpo Governante em Brooklyn. Deve-se presumir que a informação suprida pela filial em sua carta aos anciãos trazia as diretrizes desse Corpo Governante. Também é digno de nota que a informação deles foi causa para inúmeras distorções e raciocínios superficiais.

Os anciãos transmitiram as respostas de Rud à filial junto com um relatório contendo alegações desfavoráveis a ele, que envolviam até a situação escolar de seus filhos. Não lhe forneceram uma cópia, mas ele conseguiu uma e enviou uma refutação detalhada de cada uma delas à filial.

Passaram-se meses sem nenhuma palavra da filial. Afinal, a 8 de abril de 1987, Rud telefonou para a filial e falou com os dois membros da Comissão de Filial, Ake Carlsson e Rune Grahn. Carlsson disse rindo que ‘a organização não pode dizer aos amigos o que fazer com relação a um assunto destes.’ (Compare a nítida diferença entre esta retratação e o que realmente dizia a carta enviada pela filial aos anciãos da congregação.) Rune Grahn disse que nehuma ação seria tomada contra Rud e que a sede da Sociedade indicara que fazer parte da Cruz Vermelha só podia acarretar conseqüências quanto a um homem ocupar cargo de ancião ou servo ministerial na congregação. Ele comparou isso à questão de deixar crescer a barba.39

Após aguardar mais um mês por alguma declaração do corpo de anciãos local, Rud informou a seu irmão, ancião, sobre a conversa que tivera com os homens da filial. Descobriu que os anciãos locais nunca receberam qualquer resposta à carta que enviaram à filial. Para mérito deles, alguns expressaram alívio em saber o que fora dito pelos homens da filial. Pessoalmente, Rud achou inacreditável que uma organização professamente cristã pudesse recorrer a estas táticas, submetendo alguém a tal escrutínio e interrogatório simplesmente por ter se sentido motivado pelo que leu em Lucas 10:29-37 a empenhar-se em atividades humanitárias.

Estou inclinado a crer que poucas Testemunhas estariam equipadas para dar resposta tão hábil quanto a que foi dada por este sueco. Sem esta, poderia muito bem ter enfrentado uma ação de desassociação por ter “violado sua neutralidade,” com base na alegação totalmente falsa da organização de que a Cruz Vermelha “realiza grande parte de sua obra direta ou indiretamente em conflito com o pensamento delineado em Isaías 2:4.”

 

No “berço da democracia”

 

Nada talvez ilustre mais claramente os extremos a que pode levar o zelo de espionar e tratar sumariamente qualquer discordância ou descontentamento do que o que aconteceu em Atenas, Grécia, a terra chamada de “berço da democracia.” Em 1986, houve uma forte pressão da organização sobre George Christoulas, de Atenas. Ex-pioneiro especial e arquiteto, George participara do projeto de vários edifícios da filial. Como Testemunha ativa, ancião antigo e bom erudito bíblico, ele era conhecido e respeitado em todo o país. Mas o fato de não poder conscienciosamente apoiar certos conceitos e ensinos da organização lhe trouxe crescentes pressões e críticas. Convencido de que visavam sua desassociação, ele e a esposa viajaram aos Estados Unidos. Ele conhecia pessoalmente vários membros do Corpo Governante e, confome dizia, esperava conversar com pelo menos alguns deles e ver se conseguiam reconhecer a necessidade de fazer ajustes para evitar as injustiças que ocorriam, não apenas no próprio caso dele, mas de modo geral. Disse duvidar que teria êxito, mas achava que tinha obrigação de pelo menos tentar.

Conseguiu falar com o membro do Corpo Governante Lyman Swingle (os dois casais foram jantar num restaurante), mas quando falou de suas preocupações ¾ quanto as exigências da organização da total aceitação de todos os seus ensinos e a condenação de qualquer discussão franca entre os membros ¾ a única reação de Swingle foi implorar: “George, não abandone a Jeová!” Após ouvir isto várias vezes durante a conversa, a esposa de George, Hamboulla, finalmente falou: “Mas, irmão Swingle, a questão é exatamente esta. Não queremos abandonar a Jeová. Queremos mostrar que pomos a lealdade a Jeová, a Jesus Cristo e à Palavra de Jeová acima da lealdade a palavras de homens ou organizações humanas. Esse é todo o motivo de nossa preocupação.” Apesar disso, as perguntas deles ficaram sem resposta, talvez porque o próprio membro do Corpo Governante sabia que estas perguntas eram ¾ do ponto de vista da organização ¾ irrespondíveis. George falou também com o membro do Corpo Governante Ted Jaracz sobre a insistência infundada em 1914. A única reação de Jaracz foi dizer sorrindo: “George, as datas não são importantes. O importante é pregar as boas novas.” George comentou que quando voltou à Grécia, a primeira edição de A Sentinela que saiu trazia um artigo destacando a importância vital de 1914!40

Após seu retorno, George foi desassociado, sem estar presente à audiência. Embora oficialmente excluído, ele viu-se quase inundado de visitas e indagações por parte de pessoas da comunidade das Testemunhas que tinham preocupações similares. Reconhecendo a necessidade de manter a espiritualidade, estas pessoas começaram a reunir-se para ler e considerar a Bíblia. A filial da Torre de Vigia em Atenas tomou conhecimento da crescente assistência a estes encontros, como indicaram os eventos subseqüentes.41

 

Na terça-feira, 6 de abril de 1987, um grupo de cerca de 50 pessoas reuniu-se no lar de Nick e Eftihia Bozartzis para uma discussão bíblica. De sua varanda, Nick percebeu dois homens na rua, em pé e observando as pessoas que entravam em sua casa, algumas das quais não tinham se retirado oficialmente da organização. Reconhecendo que um dos observadores era Testemunha, ele desceu para falar com eles, mas tão logo apareceu no nível da rua eles literalmente correram. Poucos dias depois, três dos que assistiam às reuniões foram desassociados pelos anciãos em comissões judicativas.

Na sexta-feira, outros iam normalmente à casa de Voula Kalokerinou, uma ex-Testemunha, mas visto que planejavam reunir-se para celebrar a ceia noturna do Senhor no domingo, a reunião na sexta-feira, 9 de abril, foi cancelada. Naquela sexta-feira à noite, contudo, Voula notou um carro com cinco pessoas estacionado em frente à sua casa no outro lado da rua, e seus ocupantes ali permaneceram durante horas. O mesmo ocorreu na noite seguinte.

Pode-se pensar que atribuir motivações sinistras a tais circunstâncias, vendo-as como evidência de “espionagem” destinada a identificar “desertores” e fornecer base para ação judicativa contra estes, seria fruto da imaginação, manifestando certo grau de paranóia. Os acontecimentos seguintes demonstraram o contrário.

No domingo seguinte, 11 de abril, várias pessoas foram à casa de Voula para comemorar a morte do Filho de Deus em favor de toda a humanidade. Ela observou um carro desconhecido parado no outro lado da rua, na esquina, e um furgão parado na outra esquina. A janela de trás do furgão estava tapada com papel, mas tinha um buraco no centro. Os ocupantes do carro foram até o furgão várias vezes, conversando com os que estavam nele. Voula pediu a um dos que tinham vindo à sua casa para descobrir por que os carros estavam parados lá. Quando ele aproximou-se do carro, este saiu em disparada. Ele foi então até a traseira do furgão e olhou através do buraco no material que tapava a janela. Lá dentro, viu um equipamento de vídeo sendo usado por duas Testemunhas, um ancião chamado Nikolas Antoniou, e um membro da equipe da filial da Torre de Vigia em Atenas, Dimitre Zerdes. Várias pessoas saíram da casa de Voula e vieram até o furgão, quando um policial de guarda na embaixada italiana próxima apareceu para saber qual era o problema. As Testemunhas do furgão conseguiram dirigir através do grupo que o cercava até um parque próximo, onde começaram imediatamente a descarregar seu equipamento de vídeo. Foram interrompidos pela chegada de dois carros da polícia e detidos por invasão de privacidade. O equipamento de vídeo foi confiscado. A fita mostrava a casa da Sra. Kalokerinou com tomadas de longa distância da porta da frente com closes de todos que entravam.

Diante do promotor distrital, os dois homens declararam que estavam lá apenas para filmar uma parenta de Dimitre Zerdes, o membro do pessoal da filial. Sua prima, Eftihia Bozartzis, já mencionada, se dissociara dois anos antes. Como Testemunha “leal,” o membro da filial, Dimitre, não devia ter nenhum interesse nela, e certamente não devia ter nenhum motivo para querer filmá-la secretamente dois anos após a dissociação dela.

O caso eventualmente foi a julgamento. Em sua declaração no final do julgamento, o promotor distrital, Sr. Kontaxis, afirmou:

 

Não creio que exista alguma organização cristã que mande que seus membros mintam, mas quando o acusado e sua organização fazem isso, eu desejaria que admitissem a responsabilidade e dissessem: “Sim, nós espionamos.” E se uma organização fez tal coisa, como podemos então esperar que outros a sigam? Eles tinham e usaram equipamento especial, com testemunhas que os viram filmando, e assim mesmo o acusado vem e diz que que não fez isso para espionar, mas apenas para filmar. Isto tudo não recomenda o acusado nem a organização à qual ele pertence.

Somos todos livres para pertencer à organização que quisermos, mas somos também livres para deixar essa organização e fazer o que quisermos dentro dos limites da lei.... Será que o fato de uma pessoa deixar, abandonar esta organização, dá a esta o direito de seguir e espionar seus membros? A lei dá proteção contra uso de cassetes, gravadores de fita, filmagens, quando estes são utilizados para espreitar a vida das pessoas. Trata-se do princípio da CONFIDÊNCIA, que dá direito à proteção em tais casos, e isto inclui as convicções íntimas das pessoas. Isto é muito grave. Os acusados, obviamente, estavam tentando esmiuçar a vida particular dos querelantes com o uso de equipamento de vídeo, e isto propositalmente, não por acaso.

A Sociedade Torre de Vigia, por ensinar que é a “arca,” e que se deve entrar nela para ser salvo, e por ensinar que é o canal de Deus, gera uma tremenda dependência em seus membros, que são assim orientados a fazer tudo para ameaçar e pisotear aquilo que chamamos de direitos humanos.

 

Durante o julgamento, um dos juízes perguntou ao ancião Testemunha, dono do furgão, por quanto tempo ele e as outras Testemunhas tinham ficado dentro do furgão naquele dia. A resposta foi que por seis horas. Quando perguntou se as janelas estavam claras, o ancião respondeu que não, que a janela de trás estava coberta com papel e tinha um buraco no centro por meio do qual eles tinham filmado com a câmara de vídeo. Alegou que tudo isso foi só para filmar o acompanhante de sua parenta. O filme confiscado mostrava closes de muitas pessoas na entrada da casa e na varanda, mas a parenta dele não aparecia em parte alguma da fita. Na verdade, ela não podia ter aparecido ¾ pela simples razão de nunca ter estado na reunião! O veredicto do tribunal foi de culpa.

Ironicamente, no ano seguinte, a revista Despertai! trouxe um artigo criticando a intolerância dos representantes da Igreja Ortodoxa Grega por pressionarem os responsáveis por um estádio esportivo para cancelar seu contrato com as Testemunhas de Jeová, que iam realizar um congresso no estádio.42 O artigo condenava, com razão, este tratamento injusto de “cristãos pacíficos e obedientes às leis,” e apontava para as garantias constitucionais de liberdade de adoração e consciência religiosa, citando a decisão de um tribunal de que “a liberdade de a pessoa expressar suas crenças religiosas é mais especialmente salvaguardada pelo... Tratado de Roma, datado de 11 de abril de 1950, ‘sobre a proteção dos direitos humanos.’” Após dizer que “a liberdade do povo grego foi mais uma vez pisoteada, graças à mentalidade obscurantista dos clérigos,” o artigo acrescentou: “Quão triste é ver tal desprezo pela democracia ser praticado no ‘berço da democracia.’”

Posso concordar com esta condenação de “extrema intolerância e fanatismo” e lamento que as Testemunhas tenham sofrido esta injustiça. O que igualmente lamento, porém, é que a organização consiga ver a injustiça quando cometida por outros, protestar contra ela quando praticada contra seus próprios membros em violação ao seu exercício da liberdade de consciência, e no entanto, não poder ver quando ela é culpada da mesma coisa. A organização Torre de Vigia nunca falou contra a mentalidade obscurantista que seus próprios representantes, no “berço da democracia,” manifestaram por espionarem secreta e ilegalmente cristãos pacíficos e obedientes às leis, que estavam se reunindo com o único objetivo de comemorar a morte do Filho de Deus. A presença de um membro da equipe da filial no furgão, utilizado claramente para espionar, indica que a administração da filial estava a par do que se fazia, e aprovava, ou no mínimo, fechava os olhos a isso. Mas a organização não informa disto as Testemunhas, não publica nenhuma declaração de condenação a tais práticas e, enquanto as Testemunhas de todo o mundo lêem sobre as açãos do clero ortodoxo grego, nenhuma delas, fora da Grécia, soube das ações dos representantes da Torre de Vigia naquele país.

 

Até hoje, em todos os países, qualquer pessoa que descubra que não pode conscienciosamente apoiar plenamente os ensinos e práticas da organização vive num clima de medo, sentindo que devem ficar constantemente em guarda quanto ao que dizem, o que fazem, o que lêem, com quem se associam, de quem recebem cartas, não tendo qualquer sensação de segurança mesmo entre amigos pessoais ou parentes próximos, se estes forem também Testemunhas. Como já dissemos, em minha experiência pessoal, tive contato por telefone com pessoas que tinham medo de dar seus nomes ou que achavam necessário usar nomes fictícios, e alguns que acharam necessário até adquirir uma caixa postal especial para poderem corresponder-se sem perigo de sua correspondência comigo ou outras ex-Testemunhas ser descoberta. Enfrentam uma situação como se fossem “reféns,” criada pelo poder da organização de cortar todas as suas comunicações futuras com a família e os amigos que estão sujeitos à autoridade da organização. O único modo de evitar isto é acatar os termos que a organização decreta.

Não há exagero no quadro descrito. As experiências aqui relatadas são apenas uma pequena fração de tudo que se poderia contar, pois encheriam um livro inteiro. Estas exemplificam o raciocínio e a atitude criados por uma organização que se dispõe a usar algo equivalente  ao “controle do pensamento” para manter um ambiente “esterilizado” entre seus membros. Ensinos bem fundamentados, sólidos, não precisam deste ambiente esterilizado ¾ onde a discussão franca é tachada de heresia, traição ¾ a fim de sobreviver. A verdade tem força para confrontar o erro. Seu valor e  solidez terminam sendo realçados por tais confrontos. Só os ensinos frágeis, sem base firme, é que não têm capacidade de resistência, de modo que para sobreviver exigem proteção para não se exporem a um teste de sua força.

A dura realidade da situação revela espantosamente a falsidade das declarações dos relações públicas, cujos representantes, quando entrevistados pelos órgãos noticiosos, expressam a dificuldade de entender ‘por que alguém estaria preocupado com represálias,’ ‘por que os que discordam simplesmente não vão embora em silêncio,’ que insistem que não há nenhuma “estigmatização,” nenhum fustigamento emocional” nesta “organização bem aberta,” que está livre de “policiais espirituais.” Há centenas, milhares de pessoas que sabem quão contrárias aos fatos são estas declarações. Sabem que expressar qualquer discordância, mesmo que de modo respeitoso, ou empenhar-se em qualquer debate de uma opinião divergente de algum ensino da organização, ainda que em conversa particular entre amigos íntimos, leva a investigação e julgamento por uma comissão judicativa. Sabem que é quase impossível retirar-se em silêncio, e que a idéia, de fato, é: “Você não pode sair, nós devemos expulsá-lo.” Por quê? Porque fazendo assim, a pessoa que tem preocupações conscienciosas quanto  à conduta e aos ensinos da organização é então posta numa “zona proibida” a todos os demais membros. Não há o perigo de que estes membros conversem com tais pessoas e comecem a pensar em assuntos que a organização declara serem impensáveis.

Ao contrário do pastor que deixa as noventa e nove ovelhas para ajudar a perdida, que paciente e gentilmente trata e afaga a ovelha doente, os esforços feitos pelos anciãos Testemunhas nestas situações são muitas vezes em forma de confronto. Quando usam as Escrituras, fazem-no de modo acusatório, não de um modo que cure. “Você aceita ou não aceita a organização como o único canal de Deus?” é sempre e praticamente a única pergunta feita, a questão primordial da qual depende o resultado do interrogatório, o critério por meio do qual se julga o cristianismo da pessoa. Daí resulta uma situação estranha, como se os pastores dissessem ao rebanho:

 

Se alguma de vocês ovelhas não gostar do modo como a alimentamos e pastoreamos, é inteiramente livre para sair. Aquela que quiser ir, no entanto, deve vir até nós para que antes a marquemos como rejeitada e a borrifemos com uma substância que tem o odor dos lobos, de modo que o rebanho possa identificá-la e evitá-la. E queira ter a decência de sair em silêncio e sem dar qualquer berro.

 

“Contra a lei”, de modo diferente

 

A Palavra de Deus serve para expor aquilo que de outro modo ficaria oculto. Ela revela os erros dos que, iguais aos fariseus, pareciam puros e santos, inculpes segundo a lei, mas que mereciam a firme denúncia feita pelo Filho de Deus por sua atitude desamorosa, insensível e arrogante. Disse que pareciam sepulcros caiados. Estes podem parecer belos por fora, mas por dentro todos eles continham ossos de mortos e impurezas. A justiça dos fariseus era superficial; fazia-os parecer bem diante de outros, mas encobria a hipocrisia e o que era contra a lei.43 Destacando que a aparência externa e a sujeição à lei pouco faziam em favor da genuína justiça, Jesus Cristo mostrou que a questão vai bem mais fundo do que aparece na superfície. Ele advertiu que um adultério pode ser cometido sem sequer se tocar numa mulher, por meio da cobiça do coração da pessoa. Seu discípulo João deixou claro que alguém pode ser assassino sem derramar sangue de ninguém, por causa do ódio homicida no coração. O apóstolo Paulo afirmou que a pessoa pode ser idólatra, mesmo sem ter imagens literais para adorar, por ter cobiça e ganância no coração.44

Parece que Paulo tinha em mente estes princípios, quando escreveu estas palavras em Romanos 2:17-24:

 

Ora, você leva o nome de judeu, apóia-se na Lei e orgulha-se de Deus. Você conhece a vontade de Deus e aprova o que é superior, porque é instruído pela Lei. Você está convencido de que é guia de cegos, luz para os que estão em trevas, instrutor de insensatos, mestre de crianças, porque tem na Lei a expressão do conhecimento e da verdade. E então? Você, que ensina os outros, não ensina a si mesmo? Você, que prega contra o furto, furta? Você, que diz que não se deve adulterar, adultera? Você, que detesta ídolos, rouba-lhes os templos? Você, que se orgulha da Lei, desonra a Deus, desobe-decendo à Lei? Pois, como está escrito: “O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vocês.” ¾ Nova Versão Internacional.

 

Estou grato, num aspecto, pelo que passei dentro da organização das Testemunhas de Jeová e em seu Corpo Governante. Duvido que teria apreciado plenamente o valor e a importância dos ensinos bíblicos em todas estas questôes, se não tivesse visto de modo tão pessoal o efeito da atitude legalística para com o cristianismo. Jamais teria percebido como se pode produzir uma moralidade superficial que, não obstante, dá margem a ações que não só são implacáveis, mas às vezes extremamente cruéis. Agora, contudo, posso entender como se podem igualmente aplicar hoje as palavras do apóstolo. Entendo hoje como é que uma organização pode alegar ser o “Israel espiritual,” formado de “judeus” em sentido figurativo, pode proclamar mundialmente que ela, e só ela, recebe o favor de Deus, conhece Sua vontade e Sua lei, é o guia designado por Ele para conduzir as pessoas da escuridão para a luz da verdade, uma organização que chama grande atenção dizendo fazer conhecido o nome de Deus por toda a terra ¾ como é que tal organização pode, não obstante ¾ ser culpada de agir contra a lei de forma tão séria que resulta em causar desonra ao mesmo nome que ela afirma honrar.

O problema não é que haja roubo de objetos materiais. Mas roubam-se coisas de valor muito maior. O fato é que homens e mulheres que genuinamente amam a Deus, seu filho e sua Palavra e que discordaram conscienciosamente de certas leis ou ensinos da organização, foram roubados na influência benéfica que exerciam sobre amigos e conhecidos, privados do bom nome e reputação que tinham, subtraídos da afeição e respeito que tinham honestamente granjeado em toda uma vida de serviço consciencioso a Deus e ao próximo, viram até suas próprias famílias afastar-se deles. Isto tudo, no entanto, tem sido justificado pela “lei” organizacional.45

Não houve nenhum derramamento de sangue, nenhum assassinato literal. No entanto, pessoas sinceras e inofensivas que buscavam sim-plesmente apegar-se à consciência foram, na prática, ‘apunhalados pelas costas’ por acusações injustificadas e até maldosas, sofreram o assassinato da personalidade, que os deixou como que espiritual-mente mortos aos olhos da maioria dos que os conheciam.

Usar a ameaça de desassociação organizacional, com todas as suas conseqüências, intimidar pessoas para que se sujeitem à certa norma quando a consciência delas dita o contrário, ou pressioná-las a professar crença num ensino que elas crêem honestamente ser contrário às Escrituras, é uma forma de extorsão espiritual, chantagem espiritual. Interpor um centro de autoridade religiosa como “canal” divino entre as pessoas e Cristo Jesus significa defraudar essas pessoas em sua herança espiritual, que é a relação íntima e personalíssima a que eles têm direito com Deus e seu Filho.

Estas coisas podem não ser tão fáceis de identificar e expôr como  roubo e assassinato literais ou fraude e extorsão materiais. Elas são, porém, igualmente imorais, e em alguns casos talvez até mais. Constituem um tipo de violação à lei que desonra seriamente o nome de Deus.

 

Lamentável zelo mal orientado

 

Há entre as Testemunhas de Jeová centenas, milhares de pessoas que precisam e se beneficiariam muito de uma ajuda edificante e saudável, que contribuiria para que desenvolvessem a energia e a compreensão para lidar com os problemas pessoais que afetam seriamente suas vidas. Como discutiremos num capítulo posterior, enquanto há muita exaltação do “paraíso espiritual” supostamente existente dentro da organização internacional, um levantamento na maioria das congregações revelaria que as Testemunhas, como coletividade, de modo algum estão livres da tensão social e dos problemas que afetam as pessoas em geral. Os grandes arquivos na sede da Torre de Vigia em Brooklyn contêm abundante evidência disto, e o volume deles cresce a cada ano que passa.

Fala-se muito que a norma de desassociar “pecadores impenitentes” é prova da preocupação em ‘manter a organização limpa.’ A simples amputação dos membros doentes de um corpo, contudo, não é sinal de plena saúde e certamente não é prova de que se tem o poder de cura.

Há, com certeza, na comunidade das Testemunhas, anciãos motivados a dar atenção pessoal e ajuda benéfica, que evitam apelar para a ação punitiva, ou a simplesmente dar o tipo de encorajamento e conforto cristãos de que tantos precisam. Há anciãos que corretamente tomam tempo para fazer isso, e que estão espiritual e biblicamente equipados para prover tal ajuda. O fato realmente lamentável é que tais anciãos são bem raros. O próprio sistema, sua visão de si mesmo e o espírito resultante simplesmente não favorecem este tipo de pessoa. O critério para a seleção de anciãos praticamente não leva em conta as desejáveis qualidades mencionadas, concentrando-se mais em quão “ativos” os candidatos são ¾ não em dar bondosa ajuda a outros ¾ mas nos programas da organização. Em resultado, a maioria dos anciãos são ou se tornaram “homens da organização,” preocupados apenas em seguir a linha da organização e em aguilhoar bastante as ovelhas para que sigam essa linha, dando ajuda apenas superficial e muito pouca no sentido de confortar e revigorar. O sistema religioso converteu-os de pastores espirituais em capatazes espirituais. A falha em reconhecer as verdades espirituais de que a salvação cristã não se apóia num programa de obras, que as ações cristãs devem ser espon-taneamente motivadas pela fé e pelo amor e não por pressões externas, e que os cristãos não estão debaixo de lei mas debaixo da benignidade imerecida de Deus ¾ é nesta falha que está a raiz do problema.

Não questiono a sinceridade de muitos destes homens. De fato, um número crescente de anciãos Testemunhas foram movidos pela consciência a renunciar aos cargos. Há evidência de que a organização está perdendo muitos de seus homens mais compassivos, e os efeitos disto a longo prazo não serão bons. Em muitas congregações, um número cada vez maior de homens relativamente jovens se tornam anciãos, o que resulta numa situação como a dos tempos bíblicos, quando o rei Roboão recebeu sábio conselho de moderação dos homens maduros, mas preferiu seguir o dos mais jovens, que eram a favor de uma postura dura, autoritária.46

O mesmo ocorre com muitos desses membros de congregações, que por acatarem as normas da organização, cortaram friamente relações com amigos e até com familiares, fazendo-o mesmo quando sabiam que o único “pecado” deles fora o de não poder aceitar conscienciosamente como bíblicos certos ensinos ou práticas da organização. Tenho certeza de que muitos fazem isso sofrendo. Entre estes, também, há os que eventualmente começam a perguntar-se se esta atitude reflete realmente o exemplo do Filho de Deus.

Em 1985, um casal do Maine, que deixara a vida “hippie” para tornar-se Testemunhas, escreveu que tinham sido atraídos para a organização por causa da aparente cordialidade e flexibilidade. Foram muitas vezes “pioneiros auxiliares”, deram “100 %” de si mesmos em todos os aspectos, de modo que, como diz a carta deles, “logo percebemos que nosso lar nada mais era que um quarto de hotel, um lugar para onde correr após a longa jornada das reuniões, um lugar para uma rápida passada antes de correr para deixar as crianças na escola e sair no serviço.” Nada disto, porém, os perturbava. O que de fato os perturbou foram experiências de outro tipo. A esposa escreve:

 

A primeira foi uma situação ocorrida no serviço: uma irmã Testemunha e eu visitamos uma Testemunha agonizante no hospital. Um jovem bem vestido apareceu lá também em visita, e então falamos com ele. Aconteceu que ele era uma ex-Testemunha, filho do irmão. Em nossa breve (nem é preciso dizer) conversa com ele, mencionou que seu problema tinha sido simplesmente algumas perguntas para as quais queria resposta, e que, após várias reuniões tentando obter as respostas, ele fora desassociado. (Isto fora em 1981)

O que agora me espanta, olhando para trás, é que tudo com que a irmã e eu estávamos realmente preocupadas era em parar logo de falar com ele, como “devíamos.” Nem sequer pensei em como ele devia estar se sentindo por causa de seu pai agonizante.

 

Kim, o marido dela, viu-se forçado a reavaliar seus conceitos com uma Testemunha polonesa que estivera em campos de concentração durante a 2ª Guerra Mundial. Ela perguntou a ele se podia falar com ele após uma reunião congregacional. A carta relata:

 

Ela começou a chorar logo no início da conversa. Ela ia de carro para o trabalho todas as manhãs com o filho desassociado, e com todo o “novo entendimento” [a norma mais dura da Sociedade, de 1981, para com pessoas desassociadas] ela estava com terríveis problemas no relacionamento com ele. Outro filho dela era ancião da nossa congregação e seguia a linha dura, e um outro estava morrendo de câncer. A idéia de rejeitar o filho desassociado era maior do que ela podia suportar.

Meu marido [Kim] comentou depois que se uma organização estivesse realmente ensinando o amor que Cristo nos ensinou a ter, uma situação como aquela jamais teria surgido, por que nesta não havia compaixão.

 

Depois que a audiência judicativa profere o veredicto de desassociar, a norma organizacional em vigor exige que todas as Testemunhas ¾ mesmo sem ter nenhum conhecimento do que foi dito na audiência secreta ¾ participem no “apedrejamento” figurativo do condenado, tratando-o como que morto enquanto estiver na condição de desassociado. Creio que qualquer um que tenha respeito genuíno pelo Juiz celestial e seu Filho, perante cujo tribunal todos nós teremos de comparecer, devia pensar seriamente na sua responsabilidade individual, quando convidado a atirar sua “pedra” pessoal, especialmente se tiver no íntimo alguma dúvida quanto ao condenado ser realmente uma pessoa “iníqua.”

Tendo sofrido eu mesmo a experiência de tal “apedrejamento,” creio que posso entender como muitos se sentem. E no entanto, creio que nosso próprio respeito por nossos juízes superiores, Deus e Cristo, bem como nossa própria compaixão e humildade, podem atenuar quaisquer sentimentos de ressentimento que possamos ter. Isto pode muito bem nos fazer acolher as palavras do Filho de Deus e de seu discípulo Estévão e dizer junto com eles: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo.”47 Não é que os anciãos congregacionais ou aqueles que são simplesmente membros não sejam pessoalmente responsáveis diante de Deus por suas ações. Eles são, e esta é uma responsabilidade que eles não podem transferir para a organização e seus líderes. Mas o grau de cegueira que os afeta é algo de que não podemos saber, é algo que apenas o Leitor celestial dos corações pode determinar. Pessoalmente, prefiro adotar essa perspectiva; acho a vida mais feliz em resultado disso.

 

Percy Harding

(El Mal Uso de la Expulsión)

 

 

 

Percy Harding, expulsado a la edad de 
91 añosPuesto que todas las acciones de expulsión se informan a las oficinas centrales de la organización, ésta no está desinformada de lo que pasa. El caso patético de Percy Harding ilustra esto, porque prácticamente tuvo lugar a las puertas de la central mundial.

En 1910, cuando tenía unos veinte años, Percy, oriundo del oeste del Canadá, empezó a leer los escritos del Pastor Russell y en séis meses había leído unas 3,000 páginas del material. Renunció a la iglesia Protestante de la que era miembro y se encontró completamente solo en su nueva creencia entre la gente de su pueblo. Empezó a "testificar", formó dos grupos en la zona y efectuó bautismos en un río cercano. Él escribe:

En 1918 dejé un buen trabajo para ser precursor. Mi territorio cubría miles de kilómetros cuadrados, la mayoría a lo largo de vías del tren, desde el sur de Alberta a la costa del Pacífico. También cubrí el país a pié, llevando dos pequeñas bolsas de libros. A menudo andaba tanto como unos 24 a 40 kilómetros al día.

Después de siete años en esta actividad, el 25 de mayo de 1925, fue a Brooklyn, Nueva York, para servir en las oficinas centrales de la Watch Tower. Después de unos cuatro años, la situación desarrollada bajo la presidencia de Rutherford y la conducta de algunos que ejercían superintendencia dejó a Percy desilusionado. En 1929 finalizó su obra en las oficinas centrales.

A pesar de eso, permaneció asociado y activo en la misma congregación en Brooklyn durante los siguientes cincuenta y séis años. De lo que entónces ocurrió él escribe:

Desde mayo de 1925, hasta Diciembre de 1981, permanecí en la misma congregación hasta que fui expulsado por hablar acerca de la Palabra de Dios con unos amigos míos. Esto fue increíble y en lo que concierne a la Sociedad, una actuación vergonzosa. El comité judicial tenía una carta recibida de otro cuerpo de ancianos de otra congregación. Habían expulsado a un amigo mío. Lo habían interrogado por largo tiempo acerca de otras personas que hubiesen estado hablando acerca de la Biblia. Él se derrumbó y se lo dijo y mencionó mi nombre y el de otros. Así es que se me presentó esa carta de los ancianos, incluyendo cosas que yo y otros habíamos dicho junto con la petición de que me expresara acerca de ella. Le dije al comité que no tenía nada que decir, que lo que tuvo lugar entre yo y mis amigos era un asunto estrictamente privado y que no le incumbía a nadie más. Ellos prometieron darme una copia de la carta, pero nunca la recibí.

Entónces empezaron a hacer preguntas, siendo la principal, "¿Crées que la Sociedad es la organización de Dios y que da a conocer la verdad?" Así es que dije, "No hay nada en la Palabra de Dios que indique que Dios haya usado alguna vez una 'organización' y que sea fuente de la verdad. Desde Moisés, pasando por todos los profetas, hasta Juan y la Revelación, fue siempre un asunto individual."

Tuvieron lugar tres reuniones del comité, la última en Betel. La noche que fuí expulsado, Harry Peloyan (un miembro de mucho tiempo del departamento de servicio de la Watch Tower) hizo un discurso en el Salón del Reino, trayendo a colación una acusación que aún no se había considerado en ninguna de las reuniones con el comité y que tendía a romper la unidad de la congregación. Él usó mal 2 Juan 10, 11, al ordenar a las 175 personas que cortaran toda relación conmigo. Después de la reunión todo el mundo desfiló, pasando por mi lado como si fuera un leproso.

Percy tenía 91 años de edad y mala salud. Quizá se le podría haber acusado de entender ciertos textos bíblicos de manera diferente, pero no debido a que estuviera creando algún disturbio que fuera evidente a la congregación sino debido a que tuvo conversaciones privadas con amigos. Nadie en la congregación se había quejado de que él fuera un "agitador" sino que el asunto llegó a tener trascendencia cuando llegó una carta de otra congregación, que inició la investigación y el interrogatorio por parte de los ancianos acerca de sus observaciones privadas sobre asuntos bíblicos con sus amigos personales. (Compare la acusación en contra del apóstol Pablo y su defensa en Hechos 24:5-13.) En un viaje que hice a la parte nordeste (de los Estados Unidos) en 1982, visité a Percy Harding en su casa del 6th Street en Brooklyn. Sentado en el sillón, tenía una apariencia diminuta, un hombre pequeño, de apariencia frágil y que era obvio que estaba debilitado por la edad y la enfermedad.

Me pregunté a mí mismo, cómo alguien en su sano juício podía ver a una persona como aquella, que no tenía una posición o influencia particular, como que podía constituir un peligro, a pesar de sus setenta años de asociación, y se juzgara necesario expulsarla y privarla de todas las amistades de toda la vida. Pensé que una organización debe sentirse extremadamente insegura de sí misma y con un increíble sentido de vulnerabilidad, por tan siquiera considerar a semejante hombre, frágil y envejecido como una amenaza. Con respecto al efecto que la expulsión tuvo en sus circunstancias personales, él escribe:

Antes de esto, habían dos enfermeras (Testigos) que me visitaban, casi cada semana. Hacían algunas cosas por mí que yo era incapaz de hacerlas por mí mismo, y lo más importante, las podía llamar si las necesitaba. Cuando cumpla 92 años el 18 de Agosto, ¿quién sabe si puede surgir una emergencia? Después de mi expulsión, llamé a una de las enfermeras . Contestó al teléfono su esposo y dijo, "Ann no tiene permiso para hablar contigo."

Déjenme decir otra vez que la única cosa que los ancianos tienen contra mí, es que hablé con unos pocos de mis amigos acerca de la Bíblia.

En mis conversaciones con Percy lo encontré un hombre de habla muy franca. Es posible que hubiera sido bastante franco en sus discusiones con los ancianos que le juzgaron. Pero aunque hubiera sido más que franco, que hubiera sido cáustico, o incluso arisco, ¿cómo pudo ser posible que esto justificara el que se expulsara a un hombre de 91 años, solo, enfermo, con su familia a miles de kilómetros y que habían dejado de escribirle por unos setenta años de asociación activa y que ahora era alguien ignorado y olvidado? ¿Qué crimen tan atroz había cometido él para merecer eso? Encuentro difícil el entender cómo álguien que afirma ser discípulo del verdadero Pastor de ovejas, Cristo Jesús, pudiera ser partícipe de semejante acción y que no puedo menos que el considerarla inhumana. Sin embargo, como se dijo antes, todo esto tuvo lugar a las mismas "puertas" de la central mundial de la Sociedad Watch Tower.

Percy está ahora muerto; murió mientras dormía el 3 de Febrero de 1984. Durante los veinticinco meses que siguieron a su expulsión, ni una sola persona de la congregación con la que él había estado asociado por 56 años vino a verle o a interesarse por sus necesidades. (Un amigo mío que vive en la zona de Nueva York lo visitaba semanalmente y finalmente, cuando los fondos de Percy se fueron agotando, hizo arreglos para que consiguiera entrar en la residencia en que murió.

"El mal uso de la Expulsión", capítulo 11 de En Busca de Libertad Cristiana

 

 

 

1         Carta datada de 29 de julho de 1987.

2         Os artigos moderadores de 1971 foram escritos por mim, por designação do Corpo Governante. Um sobrinho meu que fora desassociado, cujos pais, irmão e irmã havia anos não conversavam com ele, foi contatado pelos parentes como resultado direto destes artigos e logo depois foi readmitido. Hoje, no entanto, devido à revogação da norma, ele provavelmente sentir-se-ia obrigado a recusar conversar comigo. Quanto a mim, fico simplesmente feliz de que hoje minha irmã, agora viúva, tenha associação com seu filho e dele receba assistência, o único filho homem que lhe resta.

3         Nos casos de apelação, as comissões de apelação são geralmente escolhidas e designadas pelo Departmento de Serviço em Brooklyn.

4         Estes fatos foram impressos numa carta ao editorial do Concord Monitor de 8 de dezembro de 1984. Ninguém pôde refutá-los.

5         Um amigo meu que morava na região de Nova York o visitava semanalmente e, eventualmente, conseguiu que ele fosse aceito no lar de idosos em que veio a falecer.

6         Walter Graham, da filial do Canadá, citado em um jornal de Toronto.

7         Samuel Herd, superintendente viajante, citado no Chicago Tribune.

8         Robert Balzar, relações públicas da sede da Torre de Vigia.

9         Há uma fotocópia desta carta em Crise de Consciência, páginas ___, ___.

10      Mateus 25:43, BJ.

11      Esta é uma expressão padronizada, deliberadamente vaga para evitar problemas legais.

12      Na realidade, não é incomum que as esposas dos anciãos fiquem sabendo dos casos tratados por eles.

13      A Sentinela, 1º de setembro de 1987, página 13.

14      Romanos 6:14.

15      Romanos 7:6, NM.

16      2 Coríntios 3:6, TEB.

17      Atos 15:5; Gálatas 3:1-5, 10-13. O artigo até inclui uma referência a Deuteronômio 27:26 que diz: “Maldito aquele que não puser em vigor as palavras desta lei por cumpri-las.”

18      A Sentinela, 1º de setembro de 1987, página 13.

19      Deuteronômio 16:18; 21:19; Rute 4:1.

20      Confira Provérbios 29:24; Mateus 26:62, 63.

21      Sua publicação de 1992, Estudo Perspicaz das Escrituras, declara que “a publicidade que teriam os julgamentos realizados no portão tenderia a influenciar os juízes a ter cuidado e ser justos nos trâmites do julgamento e nas decisões.” (Vol. 3, página 741)

22      Levítico 24:10-14; Deuteronômio 13:6-11; 17:2-7; 21:1-9; Zacarias 13:2-6. Geralmente, os que sabiam de tais crimes deviam não só servir de testemunhas, mas também ser os primeiros a atirar pedras para executar a tais.

23      Mateus 1:19.

24      Mateus 1:20-24.

25      Mateus 6:23-25.

26      Mateus 18:15-18.

27      Marcos 2:27, BJ.

28      1 Samuel 21:1-6; Mateus 12:1-4, ARA.

29      1 Samuel 21:7; 22:9-19.

30      Mateus 12:7, NVI.

31      Romanos 7:6.

32      Romanos 13:8-10, NVI.

33      Tiago 5:16, 19, 20; Judas 22, 23.

34      Veja Provérbios 11:13; 25:19; 17:17.

35      Citação da legenda que acompanha a gravura na página 15 de A Sentinela de 1º de setembro de 1987.

36      Esta carta foi escrita em sueco. O que aparece aqui é uma tradução. Uma cópia do original em sueco está no arquivo da Commentray Press.

37      Veja A Sentinela de 15 de julho de 1961, página 448; Despertai! de 8 de dezembro de 1977, páginas 27-29; A Sentinela de 15 de janeiro de 1983, página 26.

38      Veja A Sentinela de 1º de junho de 1965, páginas 330, 331.

39      A norma geralmente adotada é de não se deve tomar nenhuma ação quando um varão Testemunha deixa creacer a barba, mas os ancião podem decidir se ele se qualifica para responsabilidades organizacionais.

40      Veja A Sentinela de 1º de abril de 1986, páginas 30 e 31, que alista a crença na importância dessa data como um dos “ensinos singulares” das Testemunhas de Jeová que as pessoas só podem rejeitar sob pena de serem desassociadas.

41      É interessante que se as pessoas que deixam a organização Torre de Vigia não fazem reuniões regulares, são criticadas por não obedecerem Hebreus 10:25, se se reúnem são acusadas de ‘formar uma nova organização.’

42      Veja a Despertai! de 22 de novembro de 1988, página 9-11.

43      Mateus 23:27, 28.

44      Mateus 5:27, 28; 1 João 3:15; Colossenses 3:5.

45      Num comunicado vindo do Canadá, George Beech, Testemunha havia 20 anos mas que fora separado de seus filhos e netos, disse que sua atitude para com a organização era: “Podem roubar minha casa, roubar meu dinheiro ¾ mas não roubem minha opinião, minha esposa, meus filhos.”

46      1 Reis 12:3-16.