13

 

 Argumentação e Manipulação


 

Temos rejeitado tudo o que é feito às escondidas e tudo o que é vergonhoso. Não agimos de má fé nem falsificamos a mensagem de Deus. Ao contrário, agimos sempre de acordo com a verdade, e é isso que nos recomenda a todos, diante de Deus.

 ¾ 2 Coríntios 4:2, A Bíblia na Linguagem de Hoje.

 

 

M

ESMO EM vista de toda a evidência apresentada, acho que seria     um erro pensar que cada uma das Testemunhas de Jeová crê no que crê e faz o que faz, totalmente em função de um senso consciente ou subconsciente de intimidação pela autoridade. Seria também errado pensar que todas as Testemunhas buscam conformar-se ao programa de reuniões e atividades da organização e a seus padrões de conduta e regras unicamente em virtude da pressão de seus pares e da ameaça de sanções. Pode acontecer com muitos, mas não com todos.

De fato, toda sensação consciente de intimidação é muitas vezes percebida pela primeira vez quando se começa a suscitar perguntas. Os homens de autoridade não se sentem ameaçados por pessoas que cedem, mas podem sentir isso em relação às que começam a perguntar a razão das coisas. Portanto, embora a intimidação intelectual obvia-mente pese muito, não é necessariamente o fator controlador de cada indivíduo. Estou convicto de que há inúmeras pessoas que estão onde estão simplesmente porque crêem que é “a verdade.” Creio que foi esse o fator decisivo que me fez passar toda a vida adulta como representante de tempo integral da organização das Testemunhas. Fiz o que fiz, e de todo o coração, porque acreditava que tinha a verdade, a verdade de Deus, e estou certo de que muitos outros poderiam dizer o mesmo.

Visto que certamente há na organização muitas pessoas ponderadas e inteligentes, como é que mais perguntas não são suscitadas? Sem dúvida o fator da intimidação faz algum efeito, e existe hoje, em definitivo, um clima de medo quanto a expressar dúvidas. Mas mesmo que estas não sejam expressas oralmente, por que mais pessoas não questionam dentro de si mesmas, no próprio coração e mente? Em vista da evidência disponível, pode parecer difícil crer que pessoas aceitem tão prontamente como “verdade revelada” os ensinos de uma organização com antecedentes tão questionáveis de confiabilidade. Embora seja verdade que, como Testemunhas somos treinados para nos disciplinar a aceitar sem duvidar, acho que só isso não bastaria para nos manter ano após ano nesta rota de aceitação quase total.

Não me considero uma pessoa particularmente crédula. Embora meus pais fossem dessa fé, não foi o caso de eu seguir obrigatoria-mente o caminho deles. Na realidade, ao atingir a adolescência, cheguei ao ponto de parar completamente de assistir às reuniões. Daí, em 1938, aos dezesseis anos, meu pai conversou seriamente comigo sobre minha falta de espiritualidade, minha atitude irreligiosa, e me perguntou ‘por que eu achava que Jeová iria poupar-me no Armage-dom se eu estava fazendo menos que nossos vizinhos que iam às igrejas?’ Embora eu admita que a idéia de enfrentar uma possível destruição às mãos de Deus por não estar plenamente “na verdade” teve algum efeito motivador, sei também que não foi esta a única ou principal motivação. (Fiquei provavelmente mais abalado pelo fato de meu próprio pai talvez me ver como indigno do favor de Deus e da vida, que pela idéia de uma iminente destruição futura.) Em resumo, após voltar a assistir às reuniões, fiquei convencido de que aquilo que eu estava aprendendo nas publicações era a verdade. Reconhecida-mente, a associação com a congregação preenchia um pouco o vácuo que eu sentia, e a atividade em que passei a me empenhar deu um senso de objetivo à minha vida. Estas coisas sem dúvida tiveram influência. O fato, porém, é que eu realmente acreditava. A maneira em que se apresentava a matéria, a argumentação usada, faziam-me acreditar que eu estava aprendendo “a verdade.”1 Hoje eu me pergunto: “Como? Por quê?” Que a argumentação era e é seriamente  falha está claro para mim. Não sinto nenhum mérito por discernir isso agora. A evidência estava lá o tempo todo. Portanto, não há motivo de orgulho quando considero que levei quase quarenta anos de minha vida para chegar à conclusão do erro. O efeito decididamente é mais de humilhação que de exaltação. Outros viram muitas destas falhas bem antes de mim, apenas pelo estudo das Escrituras.2 Não tiveram o benefício dos nove anos de experiência no conselho interno da organização, como eu. Como, então, fui convencido por tanto tempo? E como são convencidos milhões de outros, muitos deles pessoas claramente sensíveis, inteligentes?

A menos que sejamos bem mais crédulos do que imagino, parece evidente que a argumentação utilizada é produto de uma considerável habilidade, a habilidade de apresentar pontos de vista de maneira bem plausível, aparentemente racional. Junto com isso, e talvez a chave de toda a questão, há o desejo de acreditar, a vontade de acreditar.

É normal que as pessoas desejem a certeza e a sensação de seguran-ça que a certeza traz. A organização Torre de Vigia oferece isso, pois tudo que ela diz é apresentado como explicação correta da Palavra de Deus, a única explicação verdadeira, sem equívocos. É normal que as pessoas desejem que haja alguma fonte que possa responder a todas as suas perguntas acerca de Deus e seus propósitos, sobre a vida e o destino humano. A organização oferece-se para fazer isso também, e o faz com confiança. É normal desejar saber especificamente o que se tem de fazer para obter a aprovação de Deus e como e quando fazer o que Ele quer. A organização oferece um programa de atividades muito bem delineado, com regras bem definidas de conduta, e a garantia de que todos os que leal e submissamente se apegarem a estas estarão espiritualmente fortes e alegres, e ganharão a bênção de Deus. Ela faz tudo isso de forma a transmitir uma sensação de força intelectual em contraste com o emocionalismo, o emocionalismo que está presente em muitas igrejas e encontros de renovação religiosa.

Acreditar que você está “na Verdade,” que você é parte da única organização da terra com quem Deus trata, um povo com um destino divino, o único povo da terra que realmente entende a Bíblia, propor-ciona a muitos a sensação de segurança que procuram. Era esse o sentimento que eu tinha e que fez com que eu me doasse sem hesitação e de toda a alma a servir sob a direção da liderança das Testemunhas. Fui parte ativa de uma organização que crescia, e para mim a expansão da organização equivalia à disseminação da verdade, a verdade vivificante. Trabalhar para a expansão da organização era partilhar da batalha contra o erro, em que a força vitoriosa da verdade trazia a libertação aos que estavam cativos da falsidade religiosa.

É uma experiência abaladora descobrir que isso não é verdade depois de tanto tempo, quando se encara a sétima década de vida. Outros, porém, concluíram isso ainda mais tarde na vida. Em março de 1982, depois que saiu o artigo na revista Time, chegou a carta de uma Testemunha, endereçada a Peter Gregerson, em cuja propriedade eu então morava. Esta incluía estes comentários:

 

Escrevo-lhe esperando que transmita isso ao irmão Raymond Franz. Fiquei profundamente comovido após ler o artigo no Time e depois a carta dele em resposta, o que me motivou a achar que temos algo em comum.3

 

Fui batizado em 1917, e estive em Cedar Point em 1919 e 1922 e depois disto estive pregando “Milhões Que Agora Vivem Jamais Morrerão” por todo o Ohio. Estou cônscio do fato de que todos nós tivemos, ao longo dos anos,  uma espécie de medo embutido, pelo qual não devíamos questionar a Torre de Vigia. Mais tarde, viu-se que é impossível considerar as Escrituras no estudo de A Sentinela e expressar opinião sem sentir que podem jogá-lo fora da sinagoga como apóstata.

 

O remetente, John Knight, tinha 93 anos. Sua associação com a organização Torre de Vigia estendeu-se por mais de 75 anos. Como escreveu depois, quando via as inconsistências sua reação inicial era culpar a si mesmo, perguntando-se se não era apenas um “descobridor de faltas.” Ele se perturbava com uma das mesmas coisas que me perturbava: o dogmatismo encontrado nas publicações da Sociedade. Ele escreveu:

 

Como os bereanos, eu achava que devíamos pesquisar as Escrituras para ver se as coisas que nos ensinaram são assim. Isso me causava desconforto à medida que via a organização manter posições inflexíveis ao longo dos anos. Detesto usar a palavra infalível, mas este é o conceito que muitos dos amigos têm, e deveras é essa a posição em que eu mesmo me encontrei, obrigado a obedecer às ordens da Sociedade. Agora vem a parte difícil, em que não consigo encontrar textos que apoiem certas posições tomadas pela Torre de Vigia.4

 

Os comentários de John Knight foram típicos de muitos recebidos de pessoas de vários países ¾ Inglaterra, Suécia, Bélgica, Alemanha, Espanha, Brasil, Nigéria, Nova Zelândia e outros ¾ e muitos dos que escreveram tinham uma história de vinte, trinta, quarenta ou mais anos como Testemunhas. O notável é que a maioria deles tinha chegado a conclusões similares, isoladamente, sem saber que outros pensavam como eles.

Já que a verdade está inseparavelmente ligada à liberdade, parece vital que estejamos determinados a analisar o que nos dizem, o que lemos e ouvimos, e a pesar cuidadosamente a veracidade das coisas afirmadas, a validade da argumentação usada. Do contrário, talvez nos livremos de certas algemas do erro apenas para deixar que nos ponham novas algemas de erro. Reconhecer os métodos particulares da argumentação enganosa pode ajudar-nos a proteger nossa liberdade de pensamento, coração e consciência.

 

Identifique as armadilhas comuns da argumentação falsa

 

Irmãos, deixem de pensar como crianças. Com respeito ao mal, sejam crianças; mas quanto ao modo de pensar, sejam adultos.

¾ 1 Coríntios 14:20, Nova Versão Internacional.

 

Assim, não seremos mais crianças, joguetes das ondas, agitados por todo vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens e da sua astúcia que nos induz ao erro. ¾ Efésios 4:14, Bíblia de Jerusalém.

 

Há métodos honestos e desonestos de argumentar, com princípios e sem princípios, genuínos e artificiais. Já consideramos alguns destes, inclusive o que faz meras asserções, as versões de um só lado (em que a evidência contrária é suprimida ou ignorada), o uso do ridículo para com os que assumem uma opinião contrária, “pontificando” com base numa pretensa sabedoria superior ou autoridade superior. Estes são alguns dos métodos inválidos usados. Outros incluem:

 

· Distorcer os argumentos contrários, com o uso de um “boneco de palha” no lugar do verdadeiro ponto em questão.

 

· Uso de “raciocínio circular,” no qual uma premissa não provada é usada como ponto de partida de um argumento, que passa a ser fundamentado mais na premissa do que no fato estabelecido.

 

· Falsa analogia, em que as semelhanças existem, mas não a do tipo necessário para comprovar as conclusões defendidas.

 

· Criar um “falso dilema,” que faz parecer que há apenas duas opções, sendo uma a que se defende e outra que é geralmente indesejável, quando de fato pode haver várias opções, várias alternativas.

 

· Lançar uma “pista falsa” no meio do caminho, isto é, suscitar algum ponto que não é relevante na discussão e que serve apenas para desviar a atenção do leitor dos pontos fracos do argumento.

 

· Argumento ad hominem (significa “contra o homem”), que consiste em atacar a pessoa contra quem se argumenta, em vez do argumento dela.

 

· Provincialismo, isto é, apelar para a tendência de identificar idéias e crenças com um determinado grupo ¾ até por meio de preconceito e ignorância ¾ e para ver as coisas mais da perspectiva do “nosso grupo” e contra o “grupo dos outros.”5

 

· Mau uso do raciocínio dedutivo, ou tomar um princípio amplo e dele tirar conclusões injustificadas e não comprovadas, ou vice-versa, por usar certos fatos incidentais e com base nestes estabelecer um princípio amplo que não se aplica necessariamente, ou seja, uma “generalização” precipitada.

 

Estes tipos de argumentação muitas vezes se justapõem ou se aglutinam. A “pista falsa” pode incluir um apelo ao preconceito “pro-vincial” ou consistir de um ataque ad hominem. Mas, como quer que sejam empregados, o uso destas várias formas de argumentação podem com freqüência produzir matéria que parece muito plausível, às vezes até impressionante. Todavia, é falsa. O raciocínio intricado, tortuoso, pode deixar o leitor perplexo, e este pode simplesmente decidir que o autor é muito mais inteligente que ele, e que a matéria que ele acha confusa é na verdade muito “profunda.” A perplexidade transforma-se em profundidade, de modo que aquilo que é realmente superficial assume uma aparência profunda.

Foi especialmente em resultado dos debates do Corpo Governante que vim a perceber como era amplo o uso destes métodos de argumentação falsa, a freqüência com que surgiam nas várias publica-ções da organização. Não que os argumentos sólidos estejam totalmente em falta, pois não é o caso. Mas nos pontos cruciais, os ensinos que criam dúvidas na mente de muitas pessoas, creio que há evidência clara de que as publicações da Torre de Vigia têm empregado um raciocínio que não só é artificial, como muitas vezes enganador, que manipula a mente do leitor. Isto pode não ser necessariamente resultado de uma decisão consciente da parte dos autores. Em muitos casos, talvez surja da conclusão subconsciente de que as provas não são tão fortes quanto o desejável, que os contra-argumentos são fortes. O autor não tenta apenas convencer seus leitores; tenta também, talvez sem perceber, convencer a si próprio. O desejo de ser “leal” a determinado ensino ou posição pode fazer a mente desenvolver raciocínios não sólidos, a fim de reforçar a posição defendida. A crença dele de que está apoiando a única e verdadeira organização de Deus pode servir para suprimir ou embotar a sensação de desconforto que de outro modo isto poderia causar-lhe, e ele pode convencer-se de que o argumento é válido. Lamentavelmente, contudo, é difícil crer que toda a argumentação defeituosa venha desta motivação subconsciente; em alguns exemplos, pelo menos, ela parece deliberada, um caso de desonestidade intelectual.

Os exemplos dos tipos de argumentação falaciosa acima, tirados das publicações da Torre de Vigia poderiam encher um livro inteiro. Um pequeno número é considerado aqui.

 

Atacam à pessoa em vez do argumento
 
Podemos recordar aquilo que a revista Despertai! (22 de fevereiro de 1979), no artigo sobre a propaganda, disse:

 

A tirania da autoridade, a zombaria, os nomes feios, as difamações, os desdouros, as indiretas pessoais — todas essas táticas são empregadas para assaltar-lhe a mente e tomá-la por um ataque relâmpago... Não provam nenhuma de suas asserções, nem difamações, mas, mediante a tirania da autoridade, pontificam suas opiniões, fazem calar as objeções e intimidam os oponentes.

 

Eles condenam tais métodos quando usados por propagandistas políticos e evolucionistas, e no entanto, recorrem às mesmas táticas quando tratam dos que questionam a organização. Visto que muitos desses que concluem que não podem apoiar conscienciosamente todos os ensinos da organização eram pessoas exemplares, muitas vezes membros antigos e muito ativos no serviço da congregação, deve-se fornecer às Testemunhas que conheciam não só a eles como sua conduta, alguma razão para justificar a dura medida da excomunhão. Realizam isto por difamarem a eles e seus motivos, denunciando-os como “apóstatas,” apenas por se sentirem obrigados a respeitar mais a Palavra de Deus que a uma organização. A motivação deles é sempre apresentada como egoísta, presunçosa, fruto de um espírito rebelde, desrespeitosa a Deus e a Cristo. Seria difícil imaginar exercício mais claro da tirania da autoridade que o representado nas citações que seguem. E estas são apenas uma fração do todo.

Falando do sectarismo, a publicação de 1988, Revelação ¾ Seu Grandioso Clímax Está Próximo!, páginas 44, 45, diz:

 

 14 Desde os dias primitivos, a congregação cristã teve de contender com apóstatas orgulhosos, os quais, com conversa suave e enganosa, “causam divisões e motivos para tropeço contra o ensino” provido por meio do canal de Jeová. (Romanos 16:17, 18) O apóstolo Paulo advertiu contra esta ameaça em quase todas as suas cartas. Nos tempos modernos, em que Jesus restabeleceu a verdadeira congregação na sua pureza e unidade cristãs, permanece ainda o perigo do sectarismo. Portanto, todos os que talvez estivessem inclinados a seguir um grupo dissidente, formando assim uma seita, deviam acatar as próximas palavras de Jesus: “Arrepende-te, portanto. Se não, virei a ti depressa e guerrearei com eles com a longa espada da minha boca.” Revelação 2:16.

15 Como começa o sectarismo? Alguém que se arvora em instrutor talvez semeie dúvidas, questionando alguma verdade bíblica (tal como a de estarmos nos últimos dias), e assim se separa um grupo dissidente e segue a ele. (2 Timóteo 3:1; 2 Pedro 3:3, 4) Ou alguém critica a maneira de Jeová mandar realizar sua obra, e apela para o espírito de a pessoa não gastar a si mesma, por afirmar que nem é bíblico, nem necessário ir de casa em casa com a mensagem do Reino. A participação em tal serviço, segundo o exemplo de Jesus e dos seus apóstolos, os manteria humildes; mas, eles preferem separar-se e folgar, talvez apenas ocasionalmente lendo a Bíblia como grupo particular. (Mateus 10:7, 11-13; Atos 5:42; 20:20, 21) Esses inventam as suas próprias idéias sobre a Comemoração da morte de Jesus, sobre a ordem bíblica de se abster do sangue, a celebração de feriados e o uso de fumo. Além disso, rebaixam o nome de Jeová; e em pouco tempo recaem nos modos permissivos de Babilônia, a Grande. Pior ainda, alguns são induzidos por Satanás a se voltar contra e a “espancar os seus co-escravos”, seus anteriores irmãos. — Mateus 24:49; Atos 15:29; Revelação 17:5.

 

A matéria não mostra evidência alguma, mas concentra-se em fazer ataques ad hominem. Os que discordam da liderança da organização são “apóstatas orgulhosos.” Sua discordância de certas interpretações e normas da Torre de Vigia é rotulada de ‘crítica à maneira de Jeová mandar realizar sua obra,’ quando a questão de fato é se há provas de que é Jeová que faz a organização agir como age em diversas áreas. O autor ou falsifica os fatos ou ignora a real posição daqueles a quem ataca. Ele os apresenta como ‘questionando a verdade bíblica de que estamos nos últimos dias.’ Das pessoas que conheço que deixaram a organização Torre de Vigia, nenhuma nega que estamos nos últimos dias. O que elas não crêem é que 1914 assinalou o início dos últimos dias. O autor, portanto, recorre ao uso de meias-verdades. O autor nunca apresenta documentos como evidência de suas afirmações, mas simplesmente as faz, sem nunca citar os opositores, deixando seus leitores totalmente no escuro quanto às verdadeiras razões das posições deles. Qualquer preocupação conscienciosa deles com a verdade é desconsiderada, seus motivos são arbitrariamente impug-nados e eles são descritos como apelando “para o espírito de a pessoa não gastar a si mesma,” que “preferem separar-se e folgar,” que “inventam as suas próprias idéias sobre a Comemoração da morte de Jesus,” e outros assuntos, que “rebaixam o nome de Jeová,” e que logo “recaem nos modos permissivos de Babilônia, a Grande,” ou “pior ainda, alguns são induzidos por Satanás a se voltar contra e a ‘espan-car os seus co-escravos,’ seus anteriores irmãos.” Portanto, faz-se a admoestação:

 

16 Todos os que vacilam por causa da influência apóstata devem prontamente acatar a chamada de Jesus para arrepender-se! A propaganda apóstata tem de ser rejeitada por ser veneno! Baseia-se em inveja e em ódio, em contraste com as verdades justas, castas e amáveis com que Jesus nutre sua congregação.

 

Examine agora algo escrito há mais de 100 anos, na virada do século. O escritor, da Inglaterra, descreve o que faz um sistema religioso quando suas credenciais são rejeitadas, especialmente se a pessoa que as rejeita é alguém bem familiarizado com ele ou muito conhecido no sistema. Ele escreve:

 

...a norma eclesiástica é esconder a dissidência, se possível, e, quando tornada pública, apresentá-la como desonesta e imoral. A minha própria posição jamais seria, por um instante, reconhecida como bona fide [tida como de boa fé]. O mais gentil de meus colegas parece achar que, por alguma inescrutável razão, uma “luz” foi retirada de mim, enquanto que outros fizeram circular várias hipóteses de explicações, tais como o orgulho de julgamento, a embriaguez com honras prematuras, etc.

...a dissidência significa um adeus ao passado ¾ um adeus a quaisquer honras, estimas e afeições, ainda que obtidas por meio de uma vida de diligência e mérito. O decreto... é lançado contra o “apóstata.” Ele é excomungado ¾ amaldiçoado nesta vida e na outra ¾ e socialmente isolado, quando não difamado. Seus muitos admiradores, a grande multidão deles, escuta cada tolice que se inventa contra ele; os poucos, cujos instintos morais e humanos são muito profundos para se deixarem perverter, não podem senão oferecer uma simpatia secreta e distante. Ele é posto fora para reiniciar a vida, social e financeiramente; fica talvez sem teto, sem amigos e sem recursos.

...para o bem da Igreja e a perdição de seus inimigos, o dissidente deve ser posto na luz mais desfavorável possível.

 

O autor não era Testemunha de Jeová, embora suas palavras pudes-sem ter vindo de uma delas. O escritor, neste caso, era o ex-reve-rendíssimo padre Anthony, da Ordem Franciscana (na qual passara doze anos).6 Mas o que ele escreveu em 1903 descreve um incrível paralelo com o que tem acontecido com pessoas do movimento da Torre de Vigia em décadas recentes. Ao lê-lo, não pude deixar de pensar como tudo isso se ajusta perfeitamente à experiência de Edward Dunlap e outros que conheço, quanto ao tratamento que rece-beram da organização Torre de Vigia. A tendência para moderação e maior tolerância dentro da Igreja Católica parece corresponder a uma tendência contrária dentro da organização da Torre de Vigia, que tem consistentemente (ou talvez deva-se dizer, inconsistentemente) denunciado o autoritarismo da hierarquia católica.

 

Forçam as Escrituras a ajustar-se à história

    da organização

 

A  falácia do provincialismo é especialmente evidente quando a orga-nização descreve a si própria como figura central de várias profecias bíblicas. Como só um exemplo, a constante referência das publicações a eventos de 1919 e 1922 (época em que a equivocada “campanha dos milhões” e seu foco sobre 1925 estava a pleno vapor) mostra como ¾ por se desenvolverem cuidadosamente certos aspectos e incidentes enquanto se ignoram outros ¾ eventos de natureza relativamente corriqueira, ocorridos num certo período do passado, podem ser ampliados para parecer ter um significado monumental, uma impor-tância que abala o mundo.

O livro de Revelação (capítulos 8 e 9) descreve o toque de sete trombetas por anjos de Deus, seguido de dramáticos efeitos destru-tivos, e depois (capítulos 15 e 16) temos a visão de sete pragas e sete tigelas da ira de Deus prontas a serem derramadas sobre a terra. Os es-pantosos efeitos de todos estes são apresentados como tendo conse-qüências que abalam a terra. Segundo as publicações da Torre de Vigia, estas visões virtualmente já se cumpriram. Como? Do modo mais notável, por sete resoluções aprovadas em sete congressos dos adeptos da Torre de Vigia durante os anos de 1922 a 1928.7 Hoje, porém, nenhum destes pronunciamentos e eventos organizacionais dos anos 20 é conhecido da vasta maioria das Testemunhas de Jeová, muito menos de alguém no resto do mundo. Duvido seriamente que algum membro do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová tentasse sequer explicar em detalhes a interpretação do derramamento destas tigelas e pragas e seus supostos cumprimentos individuais. Se alguém os questionasse sobre o cumprimento, eles só poderiam responder lendo diretamente numa publicação da Torre de Vigia que trate da pretensa interpretação.

As profecias do livro de Daniel recebem aplicação similar. Daniel 8:13, 14 fala de uma “transgressão que causa desolação” que afeta o “lugar santo” ou santuário de Deus, e prossegue dizendo:

 

Até duas mil e trezentas noitinhas e manhãs; e o lugar santo certamente será levado à sua condição correta.

 

O livro Seja Feita a Tua Vontade na Terra (páginas 194-202) afirma que este período começou em 25 de maio de 1926 e terminou em 15 de outubro de 1932. O que aconteceu nessas datas? A primeira, em 1926, marcou o início de um congresso da Torre de Vigia realizado em Londres, Inglaterra, no qual adotou-se uma Resolução condenando a Liga das Nações. Apenas um jornal, o Daily News de Londres, fez alguma cobertura do evento. O livro diz (página 197) que os outros “jornais londrinos abafaram a maior e mais importante notícia de todos os tempos.” Assim, o escritor do livro consegue converter esta simples falta de interesse em algo quase conspiratório. A data de encerramento, 15 de outubro de 1932, é supostamente validada porque uma revista Sentinela com essa data pedia a eliminação dos “anciãos eletivos” em todas as congregações. (Efetiva-mente, isso resultou não só em acabar com a eleição congregacional de anciãos, mas na eliminação completa dos corpos de anciãos, que foram restaurados apenas cerca de 40 anos depois, nos anos 70; esta eliminação dos corpos de anciãos abriu caminho para que toda a autoridade administrativa fosse centralizada na sede de Brooklyn.)8
A aplicação da profecia bíblica a eventos que em muitos casos são essencialmente insignificantes, manifesta uma imaginação fértil, mas não discernimento ou apego fiel às Escrituras. É um exemplo claro da falácia do provincialismo. A rejeição posterior de tantos dos supostos cumprimentos de profecias demonstra que isto é verdade.

 

Reescrevem as Escrituras para ajustá-las à história
      da   organização

 

Como exemplo de raciocínio circular óbvio, considere o que se faz no livro Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, programado para ser estudado pela segunda vez pelas Testemunhas de Jeová alguns anos atrás. Neste, a parábola dos “talentos” de Jesus é, com efeito, reescrita para acomodar-se aos ensinos da Torre de Vigia.9 A parábola conforme Jesus a contou pode ser resumida como segue:

 

Um homem prestes a viajar para fora convoca seus escravos e confia-lhes os seus bens, dando cinco talentos a um, dois a outro, e um a um terceiro.

Os dois primeiros usam os talentos para obter ganhos para seu amo, e o terceiro não faz isso.

Depois de muito tempo volta o amo e ajusta contas com eles, recom-pensando os dois que obtiveram ganhos e lançando fora o que não o fez.

 

O livro mencionado acima, contudo, apresenta o equivalente a uma reescrita desta parábola, acrescentando-lhe características que a fazem ajustar-se aos ensinos e à história da organização. É assim que, segundo as publicações da Torre de Vigia, leríamos a parábola de Jesus, com o trecho alterado em itálico:
 
Um homem prestes a viajar para fora, convoca escravos seus e confia-lhes os seus bens, dando cinco talentos a um, dois a outro, e a ainda outro, um.

Os dois primeiros usam os talentos para obter ganhos para seu amo, e o terceiro não faz isso.

Depois de muito tempo, volta o amo e ajusta contas com eles. Ele vai ajustar contas com seus escravos, mas antes que possa fazê-lo vem um inimigo e os ataca. O inimigo despoja os que tinham obtido aumentos, toma-lhes o dinheiro e leva todos ao cativeiro. Quando voltam do cativeiro, contam a seu amo que todo o ganho que haviam obtido lhes foi tomado. Ele responde que compreende e que vai dar-lhes uma dilatação do prazo, durante o qual poderão obter algum ganho.

 

Se parece difícil acreditar que uma organização chegue a “adaptar” as Escrituras a este ponto para ajustá-las à sua interpretação, examine estas afirmações conforme aparecem no livro mencionado, páginas 231, 232. Primeiro ele decreve o suposto cativeiro das Testemunhas de 1918-1919. O livro altera a descrição, na qual os escravos mais parecem vítimas de um “assalto” maldoso que arrastados a um cativeiro distante. Sem explicar por que oferece esta versão diferente, o livro passa para a primavera de 1918 (época da “libertação” de Babilônia em outras publicações da Torre de Vigia) e diz:

 

43 Estes “escravos” do Governante Legítimo deste globo terrestre foram aparentemente despojados de tudo. Os “talentos” dele que lhes foram confiados aparentemente foram eliminados. Seus inimigos alegraram-se de ter tirado estes “escravos” do serviço de seu Amo celestial para todo o tempo futuro, pois, parecia haver sérias dúvidas sobre a capacidade deles de começar tudo de novo.

 

No parágrafo seguinte, o livro descreve a libertação da prisão dos encarregados da Torre de Vigia a 25 de março de 1919, e daí suscita uma pergunta:

 

45 A parábola dos “talentos” retratou que quando o viajante voltasse de fora, ajustaria as contas com eles. Isto significaria um exame deles. Era bastante lógico que, em vista dos acontecimentos na primavera (setentrional) de 1919, seria o tempo devido para o celestial “amo daqueles escravos” examiná-los. Mas que contas podiam eles prestar com respeito aos seus “talentos”, confiados à classe dos escravos?

 

Em resposta à pergunta, o livro diz:

                                                                  Qualquer aumento que tivessem obtido antes do clímax da perseguição do tempo de guerra, em 1918, parecia ter sido eliminado. Estavam como que sem “talentos” figurativos. Então, se haviam de mostrar um aumento dos “talentos” de seu Amo, teriam de produzir este aumento no período do após-guerra e entregar-lhe no futuro tal aumento de seus bens. Teriam de receber uma nova oportunidade adicional de ‘fazer negócios’ com os preciosos “talentos” dele. E foi assim que aconteceu historicamente, por causa da consideração misericordiosa de seu Amo celestial.

 

Note como se diz que “aparentemente” os escravos do amo foram despojados,” seus talentos foram “aparentemente” eliminados, que estavam “como que sem” talentos para mostrar ao amo. Ora, ou eles tinham sido despojados deles ou não. Qual? Cristo Jesus, afinal, é descrito na profecia como um juiz que “não julgará pelo que mera-mente parece aos seus olhos,” mas que vê a realidade dos assuntos, e não a sua “aparência.”10 Portanto, se os escravos, a fim de mostrar algum aumento, realmente “teriam de produzir este aumento no período do após-guerra” e “teriam de receber uma nova oportunidade adicional” ¾ como o livro diz que teriam ¾ isso só pode significar que o inimigo de fato os despojou do aumento deles, e não só “aparentemente.” A oportunidade adicional é que eles podem entregar aumentos ao seu amo “no futuro,” o que significa que eles o entregam depois do exame, e não na época do exame, como afirma a parábola.

 

Mais uma vez, o livro não mostra a base para esta estranha explicação do cumprimento da parábola, este evidente enfeite do relato do que acontece na volta do amo, ou o raciocínio que apoia esta versão incrivelmente reescrita das coisas. Ele simplesmente diz que foi assim, que assim deve ser. Não foi assim que Jesus apresentou a parábola, mas isso parece não importar.

Na verdade, o que o livro faz é adaptar os textos bíblicos a certos fatos da história da organização, como se essa história predominasse sobre os textos bíblicos. Assim, a libertação dos encarregados da Torre de Vigia da prisão na primavera de 1919, é descrita como uma espécie de sinal para Cristo Jesus, informando-o, é “bastante lógico,” que este seria o “tempo devido” para ele iniciar sua inspeção (embora que, segundo o ensino da organização, a “volta invisível” dele já estivesse em vigor por mais de quatro anos, desde 1914.

A própria parábola bíblica dos talentos nada diz quanto aos dois escravos fiéis terem perdido seu aumento ou sido assaltados, nem de o amo ter dado uma “nova oportunidade adicional” a qualquer dos escravos. Mas a explicação da história da organização exige isso. É necessário para que a organização harmonize seus ensinos e interpretações sobre outros pontos. Diz-se, portanto, que isto “deve” ter sido assim, visto que “foi assim que aconteceu historicamente.” Este é um exemplo gráfico do uso de “raciocínio circular.”

A organização, assim, pode não só determinar como aplicar o texto bíblico (isto é determinado pelas próprias experiências dela), como também discorrer sobre ele, enfeitando o relato. Quando vim a perceber que era realmente isto o que se fazia, não pude senão acreditar que Deus jamais intencionou que um homem ou um grupo de homens tivesse o direito de manipular sua Palavra de modo tão arbitrário, com efeito, brincar com ela como se fosse um brinquedo pessoal.

 

Do mesmo modo, não acho justificativa para o modo como pintam a história da organização a fim de harmonizá-la com alguma explicação particular que esteja sendo dada no momento. Quando afirma haver um paralelo profético entre a situação da organização em 1918-1919 e o cativeiro de Israel em Babilônia, seus membros são descritos como “impuros,” “culpados de transgressão,” e “vendendo-se por práticas erradas.” Quando passa a descrever os mesmos em relação à parábola do “escravo fiel e discreto,” pinta-se um quadro muito diferente, como vemos em A Sentinela de 15 de janeiro de 1961 (página 52):

 

22 Agora que o há muito esperado Reino já se tornara realidade estabelecida no céu, certamente os seus interêsses cada vez maiores na terra, depois de 1919, não seriam deixados nas mãos duma organização neófita de crianças espirituais. E isto mostrou-se correto. Foi ao “escravo fiel e discreto” de 1900 anos de idade, à antiga congregação cristã, que se confiou êste precioso serviço do Reino. Abundante na sua lealdade e inte-gridade, perseverante em suportar paciente-mente a perseguição, forte na sua antiga fé nas preciosas promessas de Jeová, confiante na liderança de seu Senhor invisível, Jesus Cristo, obediente na sua comissão secular de ser testemunhas na terra, e finalmente purificado pela prova ardente em 1918, o “escravo” maduro, conforme representado por um restante, estava agora pronto para novas designações de serviço.

 

Apesar de toda esta prosa brilhante, o fato é que em 1919 esta era uma organização que tinha cerca de 40 anos, e não era antiga, mas bem nova. Era uma organização que não tinha vínculos que a ligassem, durante os dezenove séculos anteriores, com nada além do Segundo Adventismo. Tinha feito inúmeras predições cronológicas erradas, as quais foram eliminadas das edições posteriores das publicações. Continuou, igual a uma criança, a cometer mais destes mesmos erros, enquanto disparava críticas contra os que conseguiam discernir que estes eram realmente erros. Além do mais, as próprias publicações da organização a apresentam como recém-saida do cativeiro babilônico em 1919, cativeiro resultante de suas próprias transgressões e impureza. No entanto, ela é aqui apresentada como o auge, a epítome de um escravo fiel e discreto de 1900 anos, maduro, provado e digno de confiança! Trata-se claramente de uma brincadeira de prender e liberar os fatos. Todas as qualidades impressionantes e a idade que ela atribui a si própria só têm como base as afirmações que ela mesma faz de si ¾ um exemplo clássico de raciocínio circular.
 
Vê-se também o raciocínio circular no fato de que, sempre que fala do assunto da aprovação divina e da designação de autoridade, a própria organização determina os padrões e condições para passar na prova, padrões e condições todos adaptados para ajustar-se com precisão ao que ela estiver fazendo no momento, e que possa ser tido como distintivo. O resultado da “prova” na época da suposta volta invisível de Cristo é assim totalmente manipulado em favor dela, de forma que eles não podem deixar de aparecer como vencedores. Quando se aborda a questão quanto a Cristo, em sua suposta volta, tê-los encontrado fazendo o que ele queria, o livro da Sociedade, Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos (página 351) diz:

 

Deve tê-los encontrado assim, segundo o modo em que a inspeção, começada em 1919, afetou sua decisão desde então.

 

Quais foram as ‘decisões de Cristo’ desde 1919? Quem está tão a par dos negócios dele, tão informado quanto ao que ele tem decidido no reino espiritual invisível desde aquele ano, para nos dizer? Por meio do que só poderia ser revelação divina, a organização Torre de Vigia presume fornecer esta informação e fazer saber aos seus leitores que as decisões dele (Jesus) ocorreram de modo a identificá-la positivamente como o canal aprovado dele. O livro, portanto, descaradamente garante a seus leitores que:

 

O congresso geral de oito dias realizado em Cedar Point, Ohio, E. U. A., de 1.° a 8 de setembro de 1919, foi um aviso a todo o mundo [indicando]...  quem era que o retornado Senhor Jesus havia achado ser sua classe do “escravo fiel e discreto”.11

 

Junto com o provincialismo, tudo isto é uma forma evidente de raciocínio circular, o qual, na verdade, diz: “devemos ter passado na prova com êxito e sido escolhidos, visto que nossas interpretações das Escrituras, e as aplicações que fazemos delas a nós mesmos, mostram que devemos ter passado na prova com êxito e sido escolhidos.” É o caso de apoiar uma afirmação usando a mesma afirmação como base de apoio, validando sua revelação com sua revelação.
 
Considere mais um exemplo notável de raciocínio circular combi-nado com provincialismo. A Sentinela de 1º de setembro de 1981 (página 27) trazia um artigo sobre o “escravo fiel e discreto” em apoio à interpretação da parábola da organização e à sua aplicação à “classe ungida” das Testemunhas de Jeová. Na conclusão do artigo, vinha esta matéria: [FOTOCÓPIA]

 

                              ESMAGADORAS CREDENCIAIS
O “escravo fiel e discreto” possui abundantes credenciais. Segue uma lista parcial das desig-nações bíblicas e proféticas que se aplicam ao restante dos seguidores ungidos de Jesus ou são representadas neles desde o notável ano de 1919:
(1) A esposa de Noé, Gên. 7:7; (2) os anjos enviados a Ló, Gên. 19:15; (3) Rebeca, Gên. 24:64; (4) José e Benjamim, Gên. 45:14; (5) a respiga deixada para trás, Lev. 19:9; (6) os dois espias que chegaram a Raabe, Jos. 2:4; (7) Baraque, Juí. 4:14; (8) Jefté, Juí. 11:34; (9) Noemi e Rute, Rute 2:2; (10) os guerreiros israelitas de Davi, 2 Sam. 18:1; (11) Jeú, 2 Reis 10:11, 15; (12) Mordecai e Ester, Ester 4:13; (13) Jó, Jó 42:10, 13; (14) a filha do Rei, Sal. 45:13; (15) homens de benevolência, Sal. 50:5; (16) grupo íntimo, Sal. 89:7; (17) Sear-Jasube, Isa. 7:3; (18) luz das nações, Isa. 60:3; (19) grandes árvores de justiça, Isa. 61:3; (20) ministros de nosso Deus, Isa. 61:6; (21) cacho preservado, Isa. 65:8; (22) servos chamados por outro nome, Isa. 65:15; (23) homens que tremem da palavra de Deus, Isa. 66:5; (24) nova nação nascida, Isa. 66:8; (25) Jeremias, Jer. 1:10; (26) povo de Jeová no novo pacto, Jer. 31:33; (27) vigia perseverante, Eze. 3:16-27; (28) homem vestido de linho, Eze. 9:2; (29) povo purificado, Eze. 36:29-32; (30) moradores no meio da terra, Eze. 38:12; (31) o exército do céu, Dan. 8:10; (32) santuário restaurado (purificado), Dan. 8:14; (33) os que são sábios, Dan. 11:33; (34) aquele que se mantém na expectativa, Dan. 12:12; (35) toda a carne que recebe espírito, Joel 2:28; (36) Jonas, Jon. 3:1-3; (37) menina do olho de Jeová, Zac. 2:8; (38) restante liberto, Zac. 2:7; (39) um judeu, Zac. 8:23; (40) filhos de Levi, Mal. 3:3; (41) trigo, Mat. 13:25; (42) filhos do reino, Mat. 13:38; (43) trabalhadores no vinhedo, Mat. 20:1; (44) os convidados à festa de casamento, Mat. 22:3-14; (45) os escolhidos, Mat. 24:22; (46) águias, Mat. 24:28; (47) escravo fiel e discreto, Mat. 24:45; (48) virgens discretas, Mat. 25:2; (49) irmãos do rei, Mat. 25:40; (50) pequeno rebanho de ovelhas, Luc. 12:32; (51) o mendigo Lázaro, Luc. 16:20; (52) ovelhas ‘neste aprisco’, João 10:1-16; (53) ramos da videira, João 15:4; (54) palácio real de Davi, Atos 15:16; (55) herdeiros com Cristo, Rom. 8:17; (56) o restante, Rom. 11:5; (57) ramos da oliveira, Rom. 11:24; (58) os santos, 1 Cor. 6:2; Rev. 16:6; (59) templo, 1 Cor. 6:19; (60) nova criação, 2 Cor. 5:17; (61) embaixadores de Cristo, 2 Cor. 5:20; (62) congregação de Deus, Gál. 1:13; (63) parte do descendente de Abraão, Gál. 3:29; (64) Israel de Deus, Gál. 6:16; (65) corpo de Cristo, Efé. 1:22, 23; (66) soldados de Cristo Jesus, 2 Tim. 2:3; (67) casa sob Cristo, Heb. 3:6; (68) sacerdócio santo, 1 Ped. 2:5; (69) nação santa, 1 Ped. 2:9; (70) associação de irmãos, 1 Ped. 2:17; (71) sete congregações, Rev. 1:20; (72) vinte e quatro pessoas de idade avançada, Rev. 4:4; (73) Israel espiritual, Rev. 7:4; (74) gafanhotos, Rev. 9:3; (75) duas testemunhas, Rev. 11:3; (76) duas oliveiras, Rev. 11:4; (77) semente da mulher, Rev. 12:17; (78) Nova Jerusalém, Rev. 21:2; (79) a noiva de Cristo, Rev. 22:17; 19:7; (80) testemunhas de Jeová, Isa. 43:10.

 

O fator verdadeiramente “esmagador” é que cada um dos itens desta lista de “credenciais” depende totalmente da interpretação exclusiva da organização Torre de Vigia para torná-lo uma credencial. Este é um raciocínio circular comparável a um homem que diz: “Sou a maior pessoa de toda a história humana e tenho credenciais para provar. Olhe só esta longa lista de homens e mulheres famosos do passado, e depois leia estes escritos de minha autoria nos quais apliquei tudo que se falou deles a mim mesmo.”

Que pessoa normal, ao ler, por exemplo, o relato bíblico no qual aparece a primeira pessoa (“a esposa de Noé”) desta lista, chegaria a dizer: “Sim, realmente essa é uma credencial que identifica as Teste-munhas ungidas de Jeová desde 1919 como o ‘escravo fiel e discreto’” ou, se for o caso, qualquer uma das outras 79 pessoas alistadas (tais como “os anjos enviados a Ló,” “José e Benjamim,” “os dois espias enviados a Raabe,” “grupo íntimo,” “Sear-Jasube,” etc.) e coisas (tais como “a respiga deixada para trás,” “luz das nações,” “cacho preservado,” etc.)? Chega a ser cínico e ofensivo à inteligência das pessoas pedir-lhes que aceitem esta listagem arbitrária como “esmagadoras credenciais” de alguma coisa. E é indicativo do grau de doutrinação atingido entre seus membros, que uma organização possa sequer publicar tal matéria chamada de “credenciais” sem uma profunda sensação de embaraço pessoal.

 

Relação com Deus só mediante uma organização

 

Este conceito, enfatizado com hipnótica freqüência, é essencial para a manutenção do tipo de controle quase total que é tão notável entre as Testemunhas de Jeová. Vez após vez, as Testemunhas de Jeová são lembradas de que Deus não trata com indivíduos à parte de uma organização. Considere o tipo de argumentação utilizada para alimentar esta visão na mente das Testemunhas.

Observe o primeiro parágrafo de um artigo sobre “Organização” que apareceu na Sentinela de 1º de novembro de 1981 (página 17):

 

ESTRANHO como pareça, nesta era de grande inteligência, muitos passaram a ter dúvidas sobre se Deus tem ou não tem uma organização. Alguns hesitam, sim, até temem agora usar a expressão “organização de Deus”, visto que notaram que a tradução da Bíblia que possuem não usa a palavra “organização” com relação a Deus ou de outro modo.

 

Recorde agora, os pontos comentados na Despertai! de 22 de fevereiro de 1979 (página 4) sobre o poder da propaganda (aplicado no caso a certos defensores de crenças evolucionistas):
 
Mas, até mesmo pessoas instruídas, sofisticadas, tornam-se vítimas de um tipo muito injusto e inverídico de propaganda. Este tipo assume um ar superior de rejeição do ponto de vista do oponente, tratando-o como um tanto patético e realmente indigno de atenção... gente supostamente inteligente que nada sabe sobre tal teoria crê nela porque “todas as pessoas inteligentes acreditam nela”.

 

Compare esses pontos válidos com o parágrafo da Sentinela já mencionada. Começa mostrando que é “estranho” que “nesta era de grande inteligência” alguém não esteja inclinado a pensar na família de filhos celestiais e terrestres de Deus em termos de uma “organiza-ção,” o tipo de organização que a Sociedade Torre de Vigia defende. Se essas palavras tivessem aparecido depois de mostrada alguma evidência de que tinham uma aplicação válida, não poderia haver objeção. Mas foram usadas antes de qualquer evidência, na própria abertura do artigo, e portanto, servem a um único propósito: predispor a mente do leitor antes de a evidência sequer ser considerada. O artigo passa então a dizer que tais pessoas “temem” até usar a expressão “organização de Deus” simplesmente porque ela não existe nas Escrituras. Só neste parágrafo, encontramos exemplos de uso de uma “pista falsa” para desviar a atenção da verdadeira questão e sua substituição por um “boneco de palha” junto com o equivalente a um ataque ad hominem, descrevendo os que divergem do ponto de vista da Torre de Vigia como uma espécie de anomalia numa era de inteligência. Este artigo, bem como o artigo da Sentinela que o antecede, foi baseado num discurso dado pelo então presidente da Sociedade Torre de Vigia na reunião anual da corporação a 1º de outubro de 1980. (Isto foi apenas alguns meses depois da grande convulsão que ocorreu na sede mundial na primavera daquele ano, quando a organização desassociou certos membros do pessoal, inclusive Edward Dunlap, membro antigo e proeminente da equipe da redação e ex-secretário da Escola de Gileade da Torre de Vigia, como também causou a reunião do Corpo Governante que resultou na minha renúncia àquele Corpo.) O presidente iniciou sua palestra aos membros reunidos da corporação, dizendo:

 

Agora, estão nos apontando que a palavra “organização” não aparece nas inspiradas Sagradas Escrituras, a Bília. E você pode consultar qualquer tradução que quiser, qualquer das traduções modernas, e você perceberá a ausência do termo “organização.” Portanto, em vista desse fato, ora, que direito temos você e eu de dizer que Deus tem uma organização? Agora, essa é a grande questão que foi posta em discussão nos meses recentes, e esta certamente merece uma resposta, franca, extraída dos fatos do caso.

 

Uma resposta franca, baseada nos fatos do caso, teria sido deveras revigorante. O fato, todavia, é que a verdadeira questão, a grande questão nas mentes de muitas Testemunhas de Jeová não era a que o presidente apresentou. A que foi apresentada na introdução dele representa um exemplo clássico do uso do “boneco de palha.” Nem eu, nem Edward Dunlap, nem nenhum dos outros que conheço, incomodava-se primordialmente com o fato de a palavra “organização” aparecer ou não aparecer na Bíblia. E não é isso que  incomoda no momento inúmeras outras Testemunhas ou ex-Testemunhas. Não se incomodam se é correto ou apropriado usar o termo para descrever o arranjo de Deus para seus servos no céu e na terra. Não questionam o “direito” de alguém fazer isso. O que de fato as incomoda são as afirmações de autoridade abrangente, de elevada superioridade e as exigências de aceitação e submissão incondicionais, que são proclamadas pela organização Torre de Vigia. Incomodam-se com as afirmações de que Cristo Jesus, cabeça da congregação, determinou e dirigiu o desenvolvimento de uma organização altamente estruturada e com graus sucessivos de posições de autoridade, que vão de corpos de anciãos a superintendentes de circuito, superintendentes de distrito, membros de comissões de filial e terminam na sede internacional da autoridade organizacional, o Corpo Governante. Incomodam-se com a validade bíblica de todas estas afirmações da organização, mas especialmente com a alegação de que ser filiado a esta organização e subordinar-se a ela são um requisito indispensável  para se ter uma relação com Deus e Cristo.

A questão, pois, não é se o mero termo “organização” em si é bom ou mau, aceitável ou inaceitável. É se o conceito, a abordagem, o controle e o espírito da organização Torre de Vigia se harmonizam com os ensinos de Cristo e representam a congregação cristã estabele-cida no primeiro século. Essas pessoas talvez se preocupem com o forte paralelo que vêem entre esta estrutura autoritária, com sua excessiva ênfase à autoridade humana, e os desenvolvimentos que a história religiosa revela terem ocorrido durante o segundo e terceiro séculos da Era Comum, o período que as publicações da Torre de Vigia apresentam como a época do início da apostasia do primitivo cristianismo.

Ignorar esta preocupação é ignorar os verdadeiros “fatos do caso,” fatos que o discurso do presidente nunca encarou, nunca respondeu, quer francamente quer de outra maneira. Por fazer da mera ausência da palavra “organização” na Bíblia a questão fundamental, o verda-deiro problema foi simplesmente posto de lado. Assim colocou-se um “boneco de palha,” que é muito mais fácil de atacar do que os verdadeiros pontos em questão.

O artigo de A Sentinela citado segue a mesma regra. Não mostra provas de que alguém realmente “teme” usar a expressão “organização de Deus.” Simplesmente afirma. De modo algum reconhece que essas pessoas podem ter pesado os assuntos racionalmente, à luz da Bíblia, e ter chegado à decisão corajosa, e não temerosa, de que não podiam conscienciosamente continuar com o que consideravam ser práticas autoritárias, mesmo que essa decisão resultasse em penosas dificul-dades. Os “bonecos de palha” são muito mais fáceis de se lidar do que pesssoas reais, e do mesmo modo é muito mais fácil argumentar contra conceitos artificiais que contra conceitos autênticos. É menos provável que pessoas descritas como em descompasso com uma “era de grande inteligência” sejam levadas a sério em comparação com as identificadas como ‘bastante sábias’ para seguir as normas publicadas pela organização. Poucos desejariam atribuir algum mérito à atitude descrita de pessoas que ‘hesitam’ e ‘temem’ por causa de um tópico de menor importância.

No final da mesma revista A Sentinela de 1º de novembro de 1981, a seção “Perguntas dos Leitores” (também baseada no discurso do presidente na reunião anual da corporação) aborda o mesmo assunto, como aqui se pode ver (páginas 31 e 32):

 

· Visto que a palavra “organização” não ocorre na Bíblia, nem mesmo nas suas línguas originais, que direito temos de dizer que Deus tem uma organização ou de falar da organização de Deus?

Uma palavra hebraica moderna para “organização” é o substantivo irgun. Deriva do verbo hebraico erág, que significa “arranjar em fila”, bem como “seguir”. Correspondentemente, uma organização é um arranjo de coisas. (Um exemplo disso pode ser visto no livro ‘Coisas em Que É Impossível Que Deus Minta’, capítulo 17, parágrafo 28, na edição hebraica.)

A língua hebraica tem outra palavra equivalente para “organização”, a saber, histadrúth. Esta palavra baseia-se numa outra encontrada nas Escrituras Hebraicas originais. As letras-chave ou básicas da palavra histadrúth são s, d, e r. Com essas três consoantes se forma o verbo hebraico sadar, que significa basicamente “arranjar em ordem”, produzindo assim um arranjo. A forma reflexiva do verbo sadar serve de base para o substantivo histadrúth, que significa “organização”.

Embora não encontremos esta palavra nas inspiradas Escrituras Hebraicas, encontramos o substantivo hebraico relacionado, seder, em Jó 10:22. Este substantivo é ali usado no plural, sendo grafado s’darim. A edição revista e corrigida da tradução de João Ferreira de Almeida verte Jó 10:22 do seguinte modo: “Terra escuríssima, como a mesma escuridão, terra da sombra da morte e sem ordem [s’darim] alguma, e onde a luz é como a escuridão.” (Também a versão de Matos Soares e a de Antônio Pereira de Figueiredo.) A Tradução do Novo Mundo reza aqui: “Para a terra de obscuridade igual às trevas, de sombra tenebrosa e de desordem [lo s’darim], onde não reluz mais do que as trevas refazem.” (Também Liga de Estudos Bíblicos.) Desordem, sem ordem alguma significaria aqui falta de arranjo, desorganização.

Os judeus usam até o dia de hoje a palavra seder. Um seder é parte da Míxena judaica. Sob a palavra “Míxena” (Mishna), a Cyclopœdia de M’Clintock e Strong diz: “A Míxena divide-se em seis partes ( . . ., Sedarim, arranjos), que contêm 62 tratados . . . e 514 capítulos . . . Estes últimos, novamente, estão divididos em seções numeradas.”

De modo que a palavra para “ordem” ou “arranjo” é encontrada na bíblia hebraica original. O apóstolo Paulo, salientando a necessidade de ordem e arranjo na congregação cristã, escreveu aos cristãos em Corinto: “Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos. Mas faça-se tudo decentemente e com ordem [em traduções hebraicas: s’darim n’khonim].” (1 Cor. 14:33, 40, Almeida, rev. e corr.; Mateus Hoepers) Este conselho apostólico do primeiro século aplica-se com força igual, hoje, a todas as congregações das testemunhas cristãs de Jeová. O apóstolo Paulo escreveu no grego comum dos seus dias, e a palavra grega para “organização” é orgánosis. A raiz desta palavra é érgon, palavra que significa “trabalho” e é repetidas vezes encontrada nas Escrituras Gregas Cristãs.

Considerando-se tudo à luz das Escrituras, é um argumento forçado dizer que Deus não tem nenhuma organização, visto que as palavras originais que significam “organização” nas línguas antigas não ocorrem nas inspiradas Escrituras Hebraicas e Gregas. Deus demonstra em tudo que ele é capaz de prover organização. O que aconteceria se ele não organizasse as suas criaturas obedientes? Uma organização, como estrutura, é um grupo de pessoas inteligentes reunidas e dispostas de modo a trabalharem pacífica e harmoniosamente juntas na execução dum objetivo em comum, o objetivo do organizador.

Em harmonia com este fato, Deus é repetidas vezes chamado de “Jeová dos exércitos”. Um exército é um corpo de tropa organizado. Assim, em apoio da verdade de que Deus tem uma organização, lemos a seguinte exortação dirigida à sua organização: “Bendizei a Jeová, vós anjos seus, poderosos em poder, cumprindo a sua palavra, por escutardes a voz da sua palavra. Bendizei a Jeová, todos os exércitos seus, vós ministros seus, fazendo a sua vontade. Bendizei a Jeová, todos os trabalhos seus, em todos os lugares do seu domínio.” (Sal. 103:20-22) Jeová tinha uma organização de criaturas espirituais, celestiais, já antes de ele criar a nossa terra e colocar o homem sobre ela.

Contra diversos fundos históricos, Deus usa de linguagem figurativa para se referir à sua organização. O primeiro caso disso se encontra em Gênesis 3:15, onde Deus fala sobre sua organização espiritual, celestial, como “a mulher”, em oposição à “serpente”, termo figurativo que indica Satanás, o Diabo. (Veja Gênesis 3:14; Revelação 12:9.) Este rebelde contra Deus imitou-o e desenvolveu uma organização contrária à organização de Deus, a “mulher” figurativa de Deus.

 

Tendo começado com uma pergunta sugerindo que algumas pes-soas estavam desafiando o próprio “direito” de falar em “organização de Deus,” observe como, de modo similar, a matéria distorce a questão, dizendo:

 

Considerando-se tudo à luz das Escrituras, é um argumento forçado dizer que Deus não tem nenhuma organização, visto que as palavras originais que significam “organização” nas línguas antigas não ocorrem nas inspiradas Escrituras Hebraicas e Gregas.

 

Isto, naturalmente, coloca sobre todos os que questionam as pretensões da organização uma luz negativa, como pessoas que ‘forçam argumentos.’ No entanto, a própria coisa que eles aqui dizem fazer, é apresentada numa perspectiva totalmente diferente na edição de 15 de julho de 1956 de A Sentinela (em inglês). Um artigo intitulado: “Por Que Crê na Trindade?” traz estas declarações:

 

Se o espírito santo é igual a Jeová Deus, como afirma o Credo Atanasiano, e se a trindade é o ensino central da religião cristã, como afirma The Catholic Encyclopedia, não devíamos esperar que estas coisas fôssem claramente declaradas com muitas palavras na Bíblia? E não deveria ser assim, especialmente em vista do fato de que se declara que o ensino da trindade é, “de todas as verdades reveladas” “a mais impenetrável à razão,” e, no entanto, a salvação depende de sua aceitação? O fato de que a Palavra de Deus não menciona, explica ou ensina explicitamente uma trindade é em si mesmo uma forte prova de que o ensino da trindade é falso.

 

Há um apelo à lógica no argumento apresentado. Consistentemente, porém, poderíamos reformular o parágrafo desta Sentinela assim:

 

Se o tipo de organização altamente estruturada encontrada hoje entre as Testemunhas de Jeová é produzida por Jeová Deus, como afirma o Corpo Governante, e se ela é o canal exclusivo de Deus na terra, como afirma A Sentinela, não devíamos esperar que estas coisas fôssem claramente declaradas com muitas palavras na Bíblia? E não deveria ser assim, especialmente em vista do fato de que se declara que rejeitar as diretrizes da organização ou os seus ensinos é rebelar-se contra Deus, e que a salvação depende do acatamento e da submissão a essa organização? O fato de que a Palavra de Deus não menciona, explica ou ensina explicitamente tal tipo de organização é em si mesmo uma forte prova de que o ensino sobre tal organização é falso.

 

A argumentação é a mesma, paralela, apoiada nos mesmos princípios e premissas. Evidentemente, quando usada em relação a fontes de fora da organização ela é aceitável; quando aplicada dentro da organização, não é aceitável.

É fácil deixar-se vencer pelo grande número de palavras de uma longa explicação. Reveja a matéria de “Perguntas dos Leitores” e seus cinco primeiros parágrafos, abrangendo uma página inteira. A matéria, que forma o grosso da resposta à “pesada” pergunta apresentada, está cheia de explicações técnicas sobre termos hebraicos e gregos. Pouco faz para esclarecer o assunto, mas deve impressionar o leitor com o conhecimento erudito superior do autor.13 O leitor, achando difícil entender qual é a relevância destes tópicos, pode muito bem presumir que isto se deve a seu próprio conhecimento ou instrução inferior.14 O efeito é a intimidação intelectual.

Na realidade, o que se diz nestes complexos cinco parágrafos pode ser simplesmente resumido assim:

 

Uma organização é um arranjo ordeiro.

 

Embora exista uma palavra hebraica para “organização” ela não aparece na Bíblia, mas a palavra hebraica para “ordem” ou “arranjo” aparece. (Jó 10:22)

 

Deve haver ordem e arranjo na congregação cristã. (1 Coríntios 14:33, 40)

 

Existe uma palavra grega para “organização,” mas esta também não aparece na Bíblia, embora a raiz da qual ela se deriva apareça com freqüência.

 

Não soa muito impressionante, e, no entanto, resume-se de forma simples e compreensível tudo o que realmente foi dito em todos esses cinco parágrafos de fraseado complexo. Jamais esteve em questão que deve haver ordem e arranjo na congregação cristã. A matéria foge da verdadeira questão e não provê evidência em apoio ao desenvol-vimento de uma estrutura de autoridade eclesiástica tal como existe na organização atual das Testemunhas de Jeová ¾ o verdadeiro ponto em questão.

Portanto, é boa prática resumir qualquer argumento prolongado aos pontos básicos, formulados de modo simples, talvez até alistando-os num papel, se necessário, para ver se de fato constituem um argumento válido. É bom perguntar não só o que é explicado, mas o que não é explicado. A matéria citada, por exemplo, não explica por que, em vista da reconhecida ausência na Bíblia do termo “organiza-ção,” as publicações da Torre de Vigia o usam continuamente como termo preferencial, por que, ao referir-se à associação mundial das Testemunhas, não preferem dar ênfase primária aos termos que a Bíblia usa, tais como “congregação,” “família [de Deus] ou “asso-ciação de irmãos,” encontrados em sua própria Tradução do Novo Mundo, em vez de dar ênfase tão grande e constante ao termo não-bíblico “organização.” Não indica isto que a verdadeira questão não se refere ao uso de um termo, mas à autoridade da organização e até onde ela vai? Os termos bíblicos não se prestam bem à enorme ênfase concedida à autoridade humana.

 

Às vezes, insere-se logo no início da apresentação do argumento uma única palavra ou frase, que realmente representa um juízo de valor, um julgamento que fazem pelo leitor, sem deixarem que este o faça com base na evidência. Como diz Logic and Contemporary Rhetoric (página 10), uma única palavra “pode ser usada para direcionar o ponto de vista de um artigo inteiro e criar no leitor uma disposição mental receptiva à mensagem do autor. O fato de que usou-se apenas uma palavra para conseguir isso torna bem mais difícil detectar a falácia.” Na Sentinela de 15 de fevereiro de 1989, por exemplo, ao considerar o relato de Atos, capítulo 15, e a visita de Paulo e Barnabé a Jerusalém para resolver a questão da circuncisão e da observância da lei, o artigo (página 19) começa dizendo:

 

Os apóstolos e os anciãos em Jerusalém (obviamente reconhecidos como corpo governante da congregação cristã primitiva) examinaram cuidadosa-mente as Escrituras inspiradas pelo espírito e recapitularam como o espírito santo dirigira as coisas durante os prévios 13 anos.

 

Observe a palavra “obviamente.” Ela representa um juízo de valor e visa um objetivo: condicionar a mente do leitor para aceitar a afirmação que vem em seguida. O fato de que realizou-se um concílio em Jerusalém numa única ocasião certamente não prova que ali funcionava um “corpo governante,” um grupo administrativo centrali-zado. Conforme mostrou-se no capítulo 3, a razão primária de Paulo e Barnabé terem ido a Jerusalém foi que o problema originou-se lá. (Veja Atos 15:1, 2, 23, 24; confira Atos 21:15, 20.) No parágrafo anterior a esta passagem citada, faz-se referência a um “corpo central de ensino” em Jerusalém. Mais uma vez, nada há nas Escrituras que indique Jerusalém como sede deste “corpo central de ensino.” Todas as Escrituras Cristãs, com exceção da carta de Tiago (e possivelmente o evangelho de Mateus) foram evidentemente escritos em outro lugar. Não há nada, nem a mínima evidência, de que Paulo, Pedro, João ou qualquer outro submetessem seus escritos à aprovação de um “corpo central de ensino” ou estivessem de algum modo sujeitos à autoridade deste corpo.

O artigo inicial da série sobre “Organização” já mencionada no número de 1º de novembro de 1981, traz uma consideração típica de supressão de evidência desfavorável. Quando analisado, o efeito geral e o alvo da matéria é reduzir a importância da relação pessoal com Deus e elevar o conceito da lealdade a uma organização. O artigo é intitulado “Que Organização ¾ a de Jeová ou a de Satanás?” e o texto temático é de Josué 24:15. Observe como a matéria manipula o texto para ajustar-se ao conceito que é desenvolvido (página 12):

 

 

 “Escolhei hoje para vós a quem servireis.”

  ¾ Jos. 24:15.

 

HOJE é preciso fazer uma escolha entre as duas maiores organizações em existência. Historicamente, isso não é nada novo, mas a necessidade de fazer a escolha certa é hoje mais urgente do que em qualquer época anterior. Há dois mil anos, um personagem histórico, cuja decisão sobre esta questão teria as maiores conseqüências para todo o universo, viu-se confrontado com essa escolha.

2 Duas testemunhas disso, dois pesquisa-dores dos fatos históricos, a saber, Mateus Levi, ex-cobrador de impostos, e Lucas, que era médico, apresentam-nos o testemunho que corrobora a verdade disso. O persona-gem histórico em que se fixavam então os olhos de todo o universo era Jesus Cristo, do Oriente Médio. Mateus Levi conta-nos que Satanás, o Diabo, “mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles, e disse-lhe: ‘Todas estas coisas te darei, se te prostrardes e me fizeres um ato de adoração.’” Jesus não questionou a afirmação de Satanás, de que o mundo organizado lhe pertencia, mas rejeitou sem hesitação a oferta dele. (Mat. 4:8-10) Jesus negou-se a abandonar a organização a que já pertencia para tornar-se parte da organização de Satanás.

 

O próprio texto bíblico focaliza o tema “a quem servireis,” e o contexto mostra que nos dias de Josué a questão era a lealdade a uma PESSOA, Jeová Deus, escolher entre Ele e os deuses falsos. Mas o artigo de A Sentinela imediatamente começa:
 
Hoje é preciso fazer uma escolha entre as duas maiores organizações em existência.

 

Numa espécie de “jogo das conchas” intelectual, substituiu-se sutilmente a pessoa pela organização, que torna-se o centro da questão. Depois, no segundo parágrafo, apresenta-se Jesus tendo de escolher, entre duas organizações opostas, a quem prestar lealdade. Cita-se Mateus 4:8-10 em apoio. Mas apenas um fragmento destes versículos é citado, e não se inclue nenhuma das respostas que Jesus deu a Satanás. É um caso de supressão de evidência desfavorável, já que nelas Cristo Jesus mostrou claramente que seu interesse era mostrar lealdade, não a uma organização, mas a uma PESSOA, seu Pai celestial, Deus. Suas respostas, conforme aparecem na Tradução do Novo Mundo, foram:

 

O homem tem de viver, não somente de pão, mas de cada pronunciação procedente da boca de Jeová.

 

Novamente está escrito: “Não deves pôr Jeová, teu Deus, à prova.”

 

Está escrito: “É a Jeová, teu Deus, que tens de adorar e é somente a ele que tens de prestar serviço sagrado.”

 

Como poderia algo ser mais pessoal? Apesar disto, o parágrafo de A Sentinela conclui:

 

Jesus negou-se a abandonar a organização a que já pertencia para tornar-se parte da organização de Satanás.

 

Pela mera asserção, o conceito de lealdade organizacional ensinado pela Sentinela suplanta a relação muito pessoal com Deus, encontrada nas declarações de Jesus Cristo. Não há no relato a menor indicação de que Cristo pensava em termos de uma organização ou via o assunto como uma questão de lealdade organizacional. Ele preocupava-se com a lealdade à Pessoa, Deus. No artigo de A Sentinela temos um caso em que se lê nas Escrituras uma coisa que não está lá. Deve-se, de fato, fazer aqui uma “escolha,” a escolha da fonte pela qual se guiar.

É incrível como esta constante ênfase à “organização” faz as Teste-munhas em geral ler as declarações bíblicas ajustando-as quase auto-maticamente ao conceito da organização. Portanto, quando Jesus disse aos discípulos, “Será que vós também quereis ir?”, Pedro respondeu: “Senhor, para quem havemos de ir? Tu tens declarações de vida eterna.”15 As Testemunhas citam consistentemente esse texto quando falam a favor de “ficar com a organização” e dizem: “para onde havemos de ir?” Mas Pedro não disse “para onde,” ele disse, “para quem havemos de ir?” Ele não expressou confiar numa organização para ter a verdade, mas disse “tu [Jesus Cristo] tens declarações de vida eterna.”

Mas, devido à doutrinação, a mente das Testemunhas faz um desvio automático, substituindo a pessoa, o Filho de Deus, pela  “organização.” Que a organização deseja que façam esta transferência fica evidente pela legenda abaixo da gravura na Sentinela de 15 de março de 1988 (página 18), que claramente equipara a lealdade a Cristo com a lealdade a ela própria.

                                         SCAN

 

O parágrafo 7 do artigo de 1º de novembro de 1981, página 14, apresenta este exemplo de raciocínio dedutivo defeituoso:

 

7 Não se pode negar que Satanás tem uma organização poderosa, com parte invisível e parte visível. Satanás, o Diabo, é imitador com o fim de enganar, e ter ele uma organização é na realidade um argumento no sentido de que seu principal opositor, Jeová Deus, também tem uma organização. De modo que Satanás, o imitador, tem enganado multidões de pessoas a pensar que estão aceitando, adotando e abraçando a coisa certa e correta. (2 Cor. 11:13-15) Basta lembrar-se da parábola de Jesus a respeito do trigo e do joio, ou cizânia, como ilustração disso. O joio, ou a cizânia, que brotou cedo, era tão parecido ao trigo, que havia o perigo de que neste primeiro estágio do crescimento se arrancassem as plantinhas do trigo em vez de as do joio ou da cizânia semeada pelo Diabo. (Mat. 13:24-30, 36-43) Jesus explicou que o joio, a cizânia ou a erva daninha representava “os filhos do iníquo, e o inimigo que o semeou é o Diabo”.

 

Esta é uma forma incomum de argumentar. Diz, com muitas palavras, que aquilo que Satanás faz nos orienta para sabermos o que Deus faz. É verdade que o texto bíblico citado mostra que Satanás apresenta-se como “anjo de luz,” de modo que nesse sentido pode-se dizer que ele imita os anjos de Deus. Mas usar essa única declaração como base para presumir que tudo que Satanás faz é necessariamente em imitação a Deus, é um raciocínio dedutivo falso, uma generaliza-ção precipitada, injustificada. Satanás é também “o pai da mentira,” um homicida, o arqui-praticante do engano. A quem está ele imitando nisto? Não a Deus, certamente.

Na verdade, as Escrituras mostram que muitas vezes Satanás usa métodos, não típicos de Deus, mas em oposição direta a Ele. O antagonismo da luz contra a escuridão, da verdade contra a falsidade, da honestidade contra o engano, do ódio contra o amor, do altruísmo contra a ganância, e de muitos outros opostos, é vivamente retratado nas Escrituras. Em vista disso, como devemos razoavelmente reagir à afirmação de que Satanás promove uma ‘organização visível e invisível’ para validar a existência de uma estrutura de autoridade altamente organizada? Deve guiar-nos ou repelir-nos? É deveras um argumento bem estranho, dizer que o modo de Satanás agir serve para nos ensinar as coisas de Deus.16

Nesta mesma linha, um artigo intitulado “A Organização de Jeová Avança ¾ Está Avançando com Ela?,” publicada na Sentinela de 1º de dezembro de 1982, página 23, começa assim:

 

NÃO se pode ler as Escrituras Gregas Cristãs sem se ficar impressionado com o fato de que os cristãos foram organizados para a adoração. Em especial, foram organizados para pregar, para divulgar as boas novas do reino de Deus.

 

Quem lê as Escrituras Gregas Cristãs (ou Novo Testamento) certa-mente se impressiona com o fato de que os primitivos cristãos estavam motivados para a adoração e para partilhar as boas novas. Mas motivação e estar organizados não são a mesma coisa. As Teste-munhas de Jeová hoje têm reuniões organizadas, cinco por semana, cada uma com seu programa organizado; têm assembléias semi-anuais de circuito e assembléias anuais regionais ou de distrito, com seus programas organizados; têm atividade de “serviço de campo” com “testemunho de grupo” organizado, cobertura organizada do território, atividade organizada do “dia de revistas,” um “superintendente de serviço” para organizar esta atividade e dar atenção aos relatórios de atividade entregues cada mês por todas as Testemunhas, e superinten-dentes de circuito e de distrito que fazem visitas organizadas de uma semana, cujo objetivo principal é supervisionar e promover esta atividade congregacional organizada. Onde vemos nas Escrituras inspiradas algo que mesmo de longe lembre esta abordagem sistema-tizada, institucionalizada e programada de adorar e partilhar as boas novas?

Na verdade, a falta de qualquer programação formal e a aparente espontaneidade e motivação individual dos cristãos do primeiro século são o que há de mais notável nos relatos que encontramos na Bíblia. Temos apenas ligeiras sugestões de como eram suas reuniões, e nenhum indício de qualquer metodologia e sistematização no modo como proclamavam as boas novas.

Recordo que durante os anos em que servi na atividade de superin-tendente de circuito e de distrito, eu meditava sobre isto quando preparava os “discursos de serviço,” que eram parte regular do programa semanal quando visitava as congregações. Eu queria preparar discursos que fossem bíblicos, mas parecia bem difícil achar textos que mesmo vagamente refletissem o tipo de “serviço organi-zado” exigido pela sede mundial  em suas publicações. Achava difícil entender como os apóstolos Pedro, Paulo e João e os discípulos Tiago e Judas, puderam escrever cartas inteiras às congregações e jamais dizer nada que frisasse a necessidade de os leitores daquelas cartas saírem e irem de porta em porta, nada sobre arranjos de testemunho organizado em horários marcados, sobre fazer mais horas no “serviço de campo” ou abordagens e tópicos semelhantes, todas estas coisas regularmente destacadas nas publicações da Sociedade Torre de Vigia. As cartas dos apóstolos e discípulos pareciam deficientes de acordo com o ponto de vista que me fora incutido.

Ficou claro, eventualmente, após algumas décadas, que o real problema estava na opinião que me fora inculcada, opinião que, de fato, pervertia o registro do primeiro século, manipulando-o para fazer dizer algo que realmente não dizia. Utiliza-se a dedução falsa. A partir do princípio amplo de que todos os cristãos devem partilhar as boas novas, fazem-se deduções para apoiar e cobrir virtualmente cada aspecto da abordagem sistematizada da organização com respeito à adoração e à pregação. Essas deduções, porém, são injustificadas, conforme indicado pela falta de evidências comprovantes nas próprias Escrituras. A abordagem sistematizada, altamente programada do cristianismo que se desenvolveu assemelha-se mais à de uma grande organização comercial que a da congregação cristã do primeiro século, com sua abordagem simples, descomplicada, do que é adorar e servir a Deus.

AQUI

 

Conforme mostramos, a forte atitude organizacional desenvolvida tem a influência definitiva de moldar o pensamento das Testemunhas de Jeová. A lealdade à organização torna-se a a pedra de toque, o critério, a “linha de fundo,” para determinar quem é cristão fiel e quem não é. É a ausência na inspirada Palavra de Deus desse tipo de atitude e espírito, não a ausência de uma simples palavra, que causa hoje séria preocupação a muitas Testemunhas de Jeová.

A mesagem da Bíblia, como um todo, vai contra depositar-se fé numa organização terrestre, num grupo de homens ou num único homem. Fazer isso é pôr em perigo a relação pessoal com Deus inculcada nas Escrituras. Lendo a história dos tratos de Deus com a humanidade, podermos ver que Deus lidava regularmente com indivíduos ¾ Abel, Enoque, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Jó e muitos outros.

É provavelmente quando invoca exemplos das Escrituras Hebrai-cas, em busca de apoio a seu conceito organizacional, que a literatura da Torre de Vigia recorre com maior freqüência à falácia da falsa analogia. Recordemo-nos que, nesta falácia, a analogia falha, não porque não haja qualquer semelhança, não porque não seja suficiente para dar alguma validade à analogia. Na realidade, em muitos dos casos das aplicações feitas pela Torre de Vigia, as semelhanças são em muito ultrapassadas pelas diferenças.

O único verdadeiro exemplo que temos de uma “organização,” no sentido em que o termo é usado na literatura da Torre de Vigia, é o estabelecimento da nação de Israel. Qualquer que seja a comparação feita com a congregação cristã, está claro que o cristianismo assinalou um notável rompimento com o passado, pelo qual os tratos de Deus com seus servos foram postos num novo patamar, de modo eminente-mente superior e distinto. As sombras deram lugar à realidade.17 Tentar definir o relacionamento dos cristãos com Deus e Cristo com base em analogias da estrutura naconal israelita é tão apropriado quanto comparar o sacrifício de Cristo e o benefício resultante com os sacrifícios de animais feitos na antiguidade. A diferença é muito, muito maior que a semelhança.

 

Não confiem em príncipes, em meros mortais, incapazes de salvar. Quando o espírito deles se vai, eles voltam ao pó; naquele mesmo dia acabam-se os seus planos. Como é feliz aquele cujo auxílio é o Deus de Jacó, cuja esperança está no SENHOR [Jeová], no seu Deus.19

 

A história desses cinco séculos mostra que, apesar da existência daquela organização nacional e de seu sacerdócio, Jeová continuou a tratar com indivíduos, e que, com maior freqüência do que o contrário, esses indivíduos eram claramente pessoas que não tinham o favor daquilo que se poderia chamar “organização” estabelecida.

Jeová tratou com Davi mesmo quando o cabeça da “organização,” o rei Saul, baniu Davi da organização. Davi preferiu residir fora das fronteiras de Israel por algum tempo, até mesmo achando mais seguro viver entre os pagãos filisteus em Gate; no entanto, Jeová continuou a tratar com ele.20 Fora o que Davi e Salomão escreveram, a maior parte dos demais textos bíblicos foram escritos por homens que, ou não faziam parte da estrutura organizacional oficial estabelecida ou discordavam dela, sendo vistos por ela com reprovação. Os profetas a quem Deus suscitava não recebiam designações ou instruções de um “canal” organizacional, nem submetiam seus discursos ou escritos para receber o selo de aprovação dessa estrutura. Eles mostravam aberta desarmonia com os que lideravam e dirigiam a estrutura organizacional, os reis e os sumos sacerdotes. Por causa disso estes profetas eram muitas vezes vistos como agitadores subversivos para a congregação de Israel. Seguiam o conselho do Salmo 37 de “esperar em Jeová” por não recorrerem a ações ilícitas ou violentas em retaliação às injustiças que sofreram, deixando que Deus executasse seu julgamento sobre aquela organização nacional e seus líderes desencaminhados. Mas este “esperar em Jeová” era apenas nesse sentido, pois eles não se refrearam de aberta e publicamente tornarem conhecidos os desvios da organização em relação à Palavra de Deus. Não se sentiram obrigados a “acompanhar” a estrutura organizacional e seus encarregados em seu proceder errôneo ou a aceitar e apoiar suas distorções da Palavra de Deus. A lealdade deles a Jeová e à sua Palavra suplantava a lealdade a qualquer sistema terrestre, ainda que este tivesse sido inicialmente estabelecido por Deus, como foi a nação de Israel.

Hoje, a maioria das Testemunhas de Jeová sente virtual orgulho em apoiar “a organização” não importa o que ela faça, aonde ela leve ou o que ela ensine. Nisto eles não têm apoio algum das Escrituras. Na congregação nacional de Israel, foram aqueles que submissamente seguiam as autoridades organizacionais (reis e sacerdotes) de modo incondicional, que se deixaram levar à adoração falsa, e a “lealdade” deles aos líderes dessa organização nacional os fez acusar falsamente e perseguir homens que eram inocentes de qualquer transgressão.21 Eles consideravam tais servos conscienciosos de Jeová como contrários ao “sistema.” Assim, sua lealdade a uma organização na verdade os colocou em oposição a Deus. Isto nos serve de advertência até hoje.

Embora já não existisse a realeza, a estrutura oficial do sacerdócio de Israel ainda funcionava na época de Jesus, seus sacerdotes ainda atuavam como se fossem representantes designados de Deus. Aliados a eles estavam os anciãos judaicos que ajudavam a compor o mais alto tribunal de justiça da nação. Como afetou esta circunstância o procedimento do Filho de Deus, Cristo Jesus? Ele adotou a atitude de falar de um modo que lhe trouxe a desaprovação e a oposição daquela estrutura de autoridade e de seus membros mais responsáveis, inclusive o próprio sumo sacerdote. Na realidade, foi o que se poderia apropriadamente chamar de “o corpo governante” da organização nacional, o principal sacerdote e os membros do Sinédrio, que o julgaram adversamente.22 E foi àquele “corpo governante” que os apóstolos depois declararam: “Temos de obedecer a Deus como governante antes que aos homens.”23 A posição que tomaram e o princípio que anunciaram permanecem válidos hoje. Estes estão em conflito direto com a idéia de “acompanhar” uma organização simplesmente porque ela afirma falar por Deus.

Fazer da lealdade a uma organização o critério para se julgar o cristianismo da pessoa, é pois, uma clara perversão das Escrituras. Exortar, e mesmo, insistir, que as pessoas depositem em qualquer sistema terrestre, é algo sem apoio algum das Escrituras. Leia todos esses textos bíblicos e verá claro que aquilo que nós somos chamados a fazer é depositar fé em Deus, fé em seu Filho e fé em sua Palavra conforme nos foi transmitida por aqueles a quem Ele inspirou, mas em parte alguma somos ensinados a depositar fé em homens ou numa organização terrestre, seguindo incondicionalmente sua liderança. Tal fé é mal orientada e leva a graves conseqüências. Os fatos da história mostram isso ao longo de todos os séculos e nosso século vinte não é exceção. Longe de encorajar tal fé em homens imperfeitos, todo o registro bíblico é um contínuo lembrete do perigo inerente a esse tipo de confiança.

 

Duas classes de cristãos

 

Há um só corpo e um só espírito, assim como também fostes chamados em uma só esperança a que fostes chamados; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por intermédio de todos, e em todos. ¾ Efésios 4:4-6.

 

Usa-se uma argumentação incomum para privar as pessoas que são Testemunhas de Jeová da relação com Deus a que elas têm direito. Faz-se isto por meio do ensino de um arranjo de duas classes para os cristãos, sendo uma das duas definitivamente mais privilegiada na relação com Deus que a outra. Entre as preciosas promessas feitas nas Escrituras, como quinhão de todos que se voltam para Deus com arrependimento e fé no sacrifício de resgate de seu Filho, estão estas:

Eles são libertados da escravidão ao pecado e à morte, são justificados ou declarados justos aos olhos de Deus, seus pecados são plenamente perdoados pelo poder expiatório do sacrifício de Cristo. Ele atua como seu Mediador e os traz a uma relação pactuada com seu Pai, e eles são plenamente reconciliados com Deus tornando-se parte da família dele, filhos de Deus, recebendo essa condição e a relação íntima com Deus que isto representa. Deles é a vida eterna, a qual só perderão se perderem sua fé, visto que o Filho de Deus afirma:

 

Digo-vos em toda a verdade: Quem ouve a minha palavra e acredita naquele que me enviou tem vida eterna, e ele não entra em julgamento, mas tem passado da morte para a vida.24

 

Essas são deveras promessas grandiosas, que apresentam um relacionamento maravilhoso com Deus e seu Filho. Segundo os ensinos atuais da Sociedade Torre de Vigia, porém, essas promessas e essa relação privilegiada são hoje o quinhão de apenas cerca de 8.600 pessoas na terra, o “restante ungido” dos 144.000 escolhidos. Elas não se aplicam às demais seis milhões de pessoas que são Testemunhas de Jeová.25 Muitas das Testemunhas ignoram realmente este fato, sem se aperceberem de até onde vão os ensinos oficiais da Sociedade nesta área. Alguns ficam francamente perturbados quando se deparam com o fato de que  ¾ embora eles próprios tenham escutado as boas novas de Deus, acreditado nelas, se arrependido e depositado fé na provisão de Deus do sacrifício de resgate por meio de seu Filho ¾ não obstante, Cristo Jesus não é seu Mediador, eles não são declarados justos e nem podem sê-lo até o fim do “reinado de mil anos de Cristo.” Desta forma, seus pecados  não são de fato perdoados, mas mantidos em suspenso, como se fossem, não filhos de Deus, mas apenas “filhos prospectivos,” que não se tornam realmente filhos de Deus até após o “período de julgamento de mil anos” e a prova final que se diz que virá em seguida. Além disso, dizem-lhes (com tato, naturalmente) que as Escrituras Gregas Cristãs ou Novo Testamento foram escritas para os “ungidos” e que só se aplicam a estes outros seis milhões “por extensão.” Isto é porque não fazem parte dos cerca de 8.600 “ungidos,” aqueles que hão de reinar com Cristo no céu e que são os únicos a participar do pão e do vinho na refeição noturna do Senhor. Estes ensinos não ficaram totalmente sem questionamento. Devido a perguntas sobre o caráter bíblico deste relacionamento de duas fileiras, os “ungidos” e a classe das “outras ovelhas,” a organização preparou vários artigos destinados a fortalecer a crença nos pontos mais fracos desse ensino. A argumentação utilizada merece mais uma vez atenção.

 

As “outras ovelhas”

 

A designação “outras ovelhas,” que se acha em João 10:16, faz parte do assunto. As palavras de Jesus são:

 

E tenho outras ovelhas, que não são deste aprisco; a estas também tenho de trazer, e elas escutarão a minha voz e se tornarão um só rebanho, um só pastor.

 

O ensino da Torre de Vigia é de que, com esta expressão “outras ovelhas,” Jesus referia-se aos que não fazem parte dos 144.000 “ungidos,” como uma classe com destino terrestre.
Em conversa que tive com um respeitado membro da comissão de filial de um grande país europeu, este texto veio à baila. Ao ser sim-plesmente mencionado, e sem nenhum comentário meu ou qualquer discussão anterior, ele foi logo dizendo: “Isso obviamente se aplica aos gentios.”
Numa reunião do Corpo Governante, este tópico foi discutido e eu mencionei que tinha ouvido várias pessoas se expressarem de acordo com o citado comentário. Após alguma discussão, a proposta final foi de manter a posição tradicional. Durante o debate, Ted Jaracz deu um exemplo notável de raciocínio circular, perguntando ‘onde ficaria na parábola a classe terrestre se a expressão não se aplicasse a ela?’26 Logo antes da votação, o membro Leo Greenlees disse: “Não acham que devemos pelo menos abrir à possibilidade de o texto aplicar-se aos gentios?” Não se fez, porém, tal abertura.

No entanto, a parábola primeiro descreve claramente o ministério de Jesus ao povo judeu, aos do “redil de ovelhas” de Israel, às quais ele veio, e das quais ele convocou as que mostraram ser “suas ovelhas,” as que conhecerem sua voz e a seguiram. Visto que ele claramente chamou primeiro as suas ovelhas dentre os judeus, quem seram logicamente as “outras ovelhas” senão as que depois vieram a ouvir sua voz, proferida através de seus apóstolos e discípulos?

A Sentinela de 15 de novembro de 1980 (página 23) buscou dis-sipar as dúvidas quanto ao ensino tradicional deste assunto, um ensino em vigor desde 1921. Observe a maneira como ela introduz o ponto de vista oposto de que este texto se refere aos gentios, aqueles que seriam ajuntados ao aprisco dos cristãos judeus para com eles se tornarem “um só rebanho”:

 

As igrejas da cristandade afirmam que o “aprisco” de que Jesus fala aqui devia conter apenas cristãos judaicos, ao passo que as “outras ovelhas” são os que se tornam cristãos procedentes dos não-judeus ou gentios; e que tanto os judeus crentes como os gentios crentes tornam-se “um só rebanho” sob “um só pastor” Mas este ensino discorda de outros textos bíblicos sobre o assunto.

 

Joga-se imediatamente uma “pista falsa,” por atribuir este entendimento de João 10:16 às “igrejas da cristandade,” como se estas fossem a fonte original do conceito de que as “outras ovelhas” no texto relacionam-se aos gentios. Isto tem um efeito bem previsível sobre a mente dos leitores Testemunhas, efeito que estimula o preconceito do “provincialismo.” Já que a cristandade é vista como a parte principal de Babilônia, a Grande, estando assim, condenada, a visão é logo de saída obstruída por este preconceito.28
A lógica deve deixar claro que é um raciocínio falso afirmar que só porque estas igrejas crêem em alguma coisa, esta deve ser vista automaticamente como suspeita, e até automaticamente errada. A maior parte da cristandade, com certeza, ensina igualmente que Cristo é o salvador da humanidade e que ele morreu por ela; a maioria das igrejas da cristandade ensina que a Palavra de Deus se acha na Bíblia, que ela provê aos homens a orientação divina, aponta o caminho da vida eterna. Torna estas coisas erradas ou suspeitas o fato de que são ensinadas pelas igrejas da cristandade? A organização Torre de Vigia jamais hesitou em fazer citações de dicionários bíblicos, comentários bíblicos, e outas obras similares de autoria de eruditos da cristandade, desde que as declarações deles possam ser usadas em apoio aos ensinos da organização.29 Apenas quando essas declarações são contrárias ao dogma da Torre de Vigia é que ocorre o inconsistente tipo de apelo ao preconceito exemplificado neste artigo. A atitude honesta é a de reconhecer que um argumento é válido ou não segundo seu próprio mérito, independente de sua fonte.

Faz-se logo a tentativa de pôr o leitor no aperto de um falso dilema, por dizer que “este ensino discorda de outros textos bíblicos sobre o assunto.” Esta declaração, porém, é uma mera asserção e não tem fundamento. Suponhamos, para efeito de argumentação, que todos os outros ensinos da organização quanto ao número 144.000 ser literal, quanto a outros além destes estarem destinados à vida num paraíso terrestre, quanto às ovelhas na parábola das ovelhas e dos cabritos se relacionarem com os que viverão no paraíso terrestre ¾ suponhamos que tudo isto esteja correto. Como é que isto, de algum modo, vai contra Jesus ter se referido aos gentios no texto em consideração, João 10:16? Isto simplesmente não acontece.

Não é verdade que os gentios convertidos vieram de fato a unir-se aos cristãos judeus como um só rebanho sob um só Pastor? Quer os ensinos da organização sobre uma classe terrestre sejam verdadeiros quer  não, isto não mudaria nem um pouco este fato, não é? Visto que o fato de os gentios ‘escutarem à voz de Jesus’ e se juntarem ao rebanho dos cristão judeus realmente ocorreu, o que impede que a ilustração de Jesus se aplique dessa maneira? Que razão pode haver para tentar forçar um “confronto” entre este entendimento bíblico e os ensinos da organização sobre uma classe terrestre e um paraíso terrestre, quando este confronto ou oposição não é necessário? Se o argumento fosse sólido e se apoiasse em firme evidência bíblica, não haveria necessidade de o autor do artigo recorrer ao uso de um falso dilema. A argumentação de A Sentinela não é justa nem factual.

O parágrafo seguinte sugere ao leitor o que “João pode muito bem ter recordado” quando escreveu as palavras de Jesus. Após referir-se à parábola das ovelhas e dos cabritos em Mateus 25, diz:

 

7 O apóstolo João estava familiarizado com essa parábola, porque ele e seu irmão Tiago, bem como Pedro e André, foram os que promoveram a profecia de Jesus por perguntarem-lhe em particular sobre o “sinal”, e João ouviu a profecia integral-mente. (Mar. 13:3, 4) Portanto, quando registrou as palavras de Jesus sobre as “outras ovelhas”, pode muito bem ter recordado a parábola de Jesus sobre as ovelhas e os cabritos. Ele era o apóstolo idoso a quem se deu a Revelação, que expôs que as 12 tribos do Israel espiritual teriam apenas 144.000 membros. De modo que sabia que o “aprisco” com o “pequeno rebanho” abrangeria apenas um número limitado de todos os salvos.30

 

Esta tentativa do autor do artigo de fazer uma espécie de leitura da mente nada prova; é também inútil, já que as palavras de João 10:16 não foram fruto do pensamento de João, mas do de Jesus. A afirmação também supõe que João entendia os 144.000 de Revelação da mesma forma que a organização Torre de Vigia. Mais uma vez, o autor argumenta com o uso do raciocínio regular.

O aspecto mais interessante dos artigos talvez seja a gravura que representa de modo visual a interpretação que a Torre de Vigia dá a esse texto, conforme aparece aqui:

 

  [ SCAN ]

 

Embora isto não seja mais que o esboço de um artista, o conceito transmitido pela cena, destinado a harmonizar-se com o ensino da organização, é quase incrível. Retrata-se aqui um pastor israelita com sete ovelhas (contadas) protegidas num redil e outras cinqüenta (contadas) deixadas soltas do lado de fora, sem a proteção do redil. Que pastor em qualquer época da história, de qualquer raça, em qualquer país do mundo, faria tal arranjo com suas ovelhas? Que pastor adquiriria “outras ovelhas” em grande número e as deixaria do outro lado do muro, separadas do rebanho já existente, andando às tontas fora do aprisco? Mesmo que fosse o caso de duas raças distintas, com diferentes tipos ou espécies de lã, o pastor ainda providenciaria, pelo menos, um redil de ovelhas para a raça recém-trazida. Mas, existem realmente, em qualquer sentido, duas “raças” de cristãos, que justifiquem o tratamento desigual retratado na gravura de A Sentinela?

Curioso é que o artista optou por uma proporção de 7 ovelhas fora para cada uma dentro. Se a proporção se baseasse nos mais de 6.000.000 agora supostamente na classe das “outras ovelhas” em relação ao total de 144.000 do chamado ‘pequeno rebanho,” a proporção seria na verdade próximo de __ para 1. Isso significaria que se 7 ovelhas são retratadas dentro do aprisco, haveria ___ do lado de fora, o que tornaria a cena ainda mais incrível.

No pimeiro século, em Pentecostes, 3.000 pessoas foram batizadas. Depois, o relato fala em “cinco mil homens” entre os que aceitaram as boas novas.31 Nos anos seguintes, não só houve mais aumento em Jerusalém, como congregações de crentes surgiram por todo o mundo então conhecido, e a evidência histórica indica que o número dos que abraçaram as boas novas chegou a muitas dezenas e até centenas de milhares.32 Mesmo que presumíssemos que a maior parte não se mostrou fiel, ainda é difícil crer que não tenha havido pelo menos milhares que o tenham sido. Desde que a revista A Sentinela começou a ser publicada em 1879, mais dezenas de milhares têm professado ser seguidores ungidos de Cristo, e a A Sentinela com certeza sugere que muitos desses se mostraram fiéis. Para fins de ilustração, se aceitarmos o número bem conservador de 10.000 que se mostraram fiéis até a morte ao longo do primeiro século, e mais 10.000 de 1879 em diante, em diante, isso deixaria (segundo a doutrina da Torre de Vigia) outros 124.000 aprovados ¾ durante o período intermediário ¾ como herdeiros celestiais. Considere o que significaria isso. Significaria que durante os 1.779 anos consecutivos antes de a Torre de Vigia entrar em cena, Cristo Jesus, que estava dirigindo seus seguidores de acordo com suas palavras em Mateus 28:20, viu apenas uma média de 70 pessoas por ano ¾ no mundo inteiro ¾ se tornarem seguidores fiéis e aprovados dele!33 Certamente não é fácil pensar que estes resultados insignificantes poderiam ser fruto da direção de Jesus sobre seus discípulos, o que também rebaixaria o poder das boas novas e o poder do Espírito santo de Deus.

 

Apesar de toda a argumentação complexa, parece evidente que um cristão verdadeiro é um cristão verdadeiro. As próprias Escrituras inspiradas não conhecem nem apresentam outro tipo. Todos que ouvem a voz do bom pastor são chamados a mostrar a mesma espécie de fé e amor, os mesmos frutos do Espírito de Deus, usufruindo com Ele a mesma relação de filhos. A existência de dois tipos diferentes de “ovelhas” cristãs é fruto da invenção humana.

Bem dentro da Bíblia encontramos uma passagem que faz notável paralelo com a de João 10:16, a saber, o que o apóstolo Paulo escreveu em Efésios 2:11-18. Ali, em vez de dois grupos de ovelhas, o apóstolo refere-se a dois povos, judeus e gentios, e diz, de acordo com a Tradução do Novo Mundo:

 

Portanto, persisti em lembrar-vos de que anteriormente éreis pessoas das nações quanto à carne; fostes chamados “incircuncisão” por aquilo que é chamado “circuncisão”, feita na carne, por mãos — que naquele tempo específico estáveis sem Cristo, apartados do estado de Israel e estranhos aos pactos da promessa, e não tínheis esperança e estáveis sem Deus no mundo. Mas agora, em união com Cristo Jesus, vós, os que outrora estáveis longe, chegastes a estar perto pelo sangue do Cristo. Pois ele é a nossa paz, aquele que das duas partes fez uma só e que destruiu o muro no meio, que os separava. Por meio de sua carne, ele aboliu a inimizade, a Lei de mandamentos, consistindo em decretos, para que dos dois povos, em união consigo mesmo, criasse um novo homem e fizesse paz; e para que reconciliasse plenamente ambos os povos com Deus, em um só corpo, por intermédio da estaca de tortura, porque ele matara a inimizade por meio de si mesmo. E ele veio e declarou as boas novas da paz a vós, os que estáveis longe, e paz aos [que estavam] perto, porque, por intermédio dele, nós, ambos os povos, temos a aproximação ao Pai, por um só espírito.

 

Todos os elementos encontrados em João 10:16 acham-se aqui. Embora use uma analogia diferente da das ovelhas, diz a mesma coisa e apresenta o mesmo quadro. Mostra que, em acréscimo aos crentes (ou ovelhas) judeus, os crentes (ou ovelhas) gentios ouviram as boas novas (a voz do pastor, Cristo), e por meio de Cristo os dois povos tornaram-se um só corpo (ou um só rebanho), tendo a ele como cabeça (seu um só pastor).

Dizer, então, que o entendimento das “outras ovelhas” em João 10:16 como se referindo aos crentes gentios, “discorda de outros textos bíblicos sobre o assunto” está em oposição direta aos fatos. Esse entendimento está em total harmonia, não só com a declaração de Paulo, acima citada, como também com o restante das Escrituras. Do tempo da promessa de Deus a Abraão em diante, as Escrituras apontaram continuamente para o futuro e profetizaram sobre a época em que Deus juntaria pessoas de todas as nações em um só povo, seu povo, sob o seu Messias.34 Com este fundo histórico, entende-se facilmente a afimação de Jesus, sem necessidade de argumentos complexos e intricados que a expliquem. Em vez de estar em ‘desarmonia com os textos bíblicos sobre o assunto’ em vista de todas as profecias que apontam para isto, seria muitíssimo estranho que Jesus não tivesse dado uma parábola ilustrando o ingresso dos gentios na unidade com os crentes judeus.

Outra designação usada para a suposta classe secundária de cristãos é a de “grande multidão,” termo tirado de Revelação 7:9-17. Para uma consideração deste assunto, recomendamos ao leitor a matéria no Apêndice.

 

Doutrinas que o vento leva

 

Não seremos mais como crianças... agitados por todo vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens.

¾ Efésios 4:14, Bíblia de Jerusalém.

 

A verdade é consistente consigo mesma, sendo portanto algo estável e confiável. Um sinal seguro de argumentação falaciosa, portanto, é a inconsistência, particularmente se a inconsistência de uma posição posterior com uma anterior não é abertamente admitida, ou se lhe dão a aparência de outra coisa que não a que realmente é: a correção de um erro.

É o caso do empenho da organização Torre de Vigia em criar um senso de “urgência” baseado na afirmação de que o “fim definitivo” deve ocorrer dentro de um determinado período de tempo. Crise de Consciência documenta o modo como toda uma série de datas foi eventualmente descartada, e as predições ligadas a essas datas foram transferidas para outra série posterior de datas.35 Apresenta também evidência de como as predições relacionadas com 1914, 1918, 1920, 1925, o início dos anos 40, e finalmente 1975, mostraram-se todas sem substância. A Sentinela empenhou-se em justificar tudo isso, ao mesmo tempo em que punha seus leitores na defensiva nesta questão. Nos números de 15 de agosto e 1o de setembro de 1985, vários artigos sobre a “Vigilância Cristã” destacaram as muitas exortações bíblicas de “manter-se vigilantes” com respeito à prometida volta de Cristo e depois relataram as evidências históricas de um relaxamento geral do alerta espiritual, tanto no passado como no presente. O artigo passou a justificar a forte ênfase aos cálculos cronológicos para determinar a proximidade do fim, conforme a prática da organização Torre de Vigia, por dizer essencialmente que “É melhor cometer estes erros de cálculo do que estar espiritualmente sonolento e apático quanto à volta de Cristo.” O inteiro objetivo da série de artigos é fazer parecer que, a menos que a pessoa tenha em mente um período de tempo específico esteja atenta às condições visíveis em busca de sinais, ela cai automaticamente no outro campo, o dos que se tornam espiritualmente apáticos e perdem o interesse na volta de Cristo.

A matéria dá exemplos de muitas formas de raciocínio falso. Muito da justificativa para as expectativas falsas da Torre de Vigia baseia-se no fato de que outros, no passado, inclusive servos de Deus de épocas pré-cristãs e cristãs, tiveram também idéias erradas quanto às datas em que Deus agiria com respeito a certas áreas de seu propósito. Isto ém variação do raciocínio de que “duas coisas erradas fazem uma certa,” a saber, que a “prática costumeira” de algum modo justifica o que alguém faz. Na verdade, se a Sociedade Torre de Vigia está ciente dos erros do passado por parte de pesssoas que tentaram fixar um período de tempo para o fim ocorrer, isto a torna não menos, mas mais responsável por fazer predições equivocadas. Deviam ter demonstrado que aprenderam algo destes exemplos do modo errado de pensar e deviam ter se refreado de seguir o mesmo caminho errado. O ditado é que “A experiência é uma escola difícil, mas em outra os tolos não aprendem,” e um “escravo fiel e discreto” não devia estar nesta classe. Os homens da Bíblia cometeram todos os tipos de erros e o registro destes serve de “advertência para nós, sobre quem tem chegado o fim dos tempos,” não como justificativa para cometer erros similares.36

O principal, todavia, é que os artigos colocam os leitores à mercê de um falso dilema. Empenham-se em criar a idéia de que ou a pessoa segue a atitude da organização Torre de Vigia em fixar um certo esquema de tempo para a vinda do fim, usando para isso cálculos cronológicos e avaliações de certas condições mundiais, ou então ela cai na categoria dos que simplesmente não se importam com quando Cristo vem, que são apáticos, relapsos e provavelmente “apóstatas.” O fato, contudo, é que a pessoa não se defronta com apenas estas duas opções e nem precisa se colocar em qualquer destas duas categorias. Cristo Jesus predisse os que viriam dizendo, “Aproximou-se o tempo devido,” e disse sobre estes, “Não vades após eles.”37 Nem Cristo Jesus nem seus apóstolos encorajaram de algum modo o uso de cálculos cronológicos para determinar a data de sua volta. Pelo contrário, as exortações de Cristo de “manter-se vigilantes” traziam em seu contexto igual ênfase ao fato de que era impossível aos seus seguidores saber de antemão ou predizer a data da volta do Amo. O próprio fato da incerteza e da falta de expectativa do tempo era o que efetivamente tornava a vigilância tão crítica.38

Isto vai contra o conceito de que ‘ser vigilante’ significava observar os meios noticiosos ou outras fontes em busca de evidências visíveis ¾ na forma de eventos ou condições mundiais ¾ de que a volta de Cristo estava para ocorrer e que o “fim estava próximo.” Suas próprias palavras mostram que seus seguidores estavam vigilantes em guardar-se contra os atrativos de um mundo materialista, as desencami-nhadoras ansiedades da vida, e desta forma em manifestar um cuidado constante e diligente em manter o vigor e a saúde espirituais, e, acima de tudo, em manter um correto relacionamento com Deus e Cristo, de modo que, quando sem nenhum aviso prévio, o tempo do julgamento irrompesse, eles pudessem ser encontrados “em pé diante do Filho do homem” como pessoas aprovadas.39 Pedro, também, ao falar sobre o dia de julgamento de Deus, deixa claro que a pessoa evidencia que “tem bem em mente” esta época por “atos santos de conduta e ações de devoção piedosa,” não por depositar fé em especulações cronológicas ou por empolgar-se com certos eventos ou condições mundiais.40 Como cristãos, nunca devem perder de vista que este tempo de julgamento é certo e inevitável, devem deixar que a consciência os guie em todas as suas decisões e modo de agir, vivendo assim cada dia como se este fosse aquele em virá a prestação de contas.

Em certo ponto, o artigo da Sentinela de 1o de setembro de 1985 (página 24) afirma: “Será que os apóstatas que afirmam que os ‘últimos dias’ tiveram início em Pentecostes e abrangem a inteira Era Cristã promoveram a vigilância cristã? Ao contrário, não induziram à sonolência espiritual?” Não se apresenta prova alguma de que esse  entendimento dos “últimos dias” tenha de resultar ou resultou nesta “sonolência espiritual,” ou na redução da “vigilância cristã.” Uma questão de que os artigos nunca tratam é o que mostram as evidências quanto ao efeito das numerosas predições falsas da Torre de Vigia. Será que estas ¾ e as predições similares de outros grupos religiosos ¾ de fato fortaleceram a confiança das pessoas nas promessas da Bíblia com respeito à volta de Cristo? Será que reforçaram o apreço delas pelas Escrituras ou serviram para fazê-las parecer um fonte de expectativas falsas?

Sob o subtópico “Desapontamentos Podem Enfraquecer Nossa Fé,” A Sentinela de 15 de abril de 1990, afirma (página 27):

 

Os cristãos adultos também podem ficar desapontados, e isto, em alguns casos, tem levado ao desastre espiritual. Alguns deposi-taram sua esperança numa data em que tinham certeza de que viria o Armagedom. Quando nada aconteceu naquele dia, senti-ram-se decepcionados.

 

Isto é, sem dúvida, uma lusão às expectativas que as Testemunhas tinham para o ano de 1975. Qual foi a fonte destas expectativas? O que as fez ficar empolgadas? Será que partiu das próprias pessoas que ficaram subseqüentemente desapontadas? O artigo nunca mostra que o desapontamento que “em alguns casos, tem levado ao desastre espiritual” resultou das expectativas falsas suscitadas e estimuladas pela própria organização Torre de Vigia. Ilustrando a ênfase que se deu ao assunto, um relatório de congresso da Assembléia Internacional “Paz na Terra” realizada em 1969, publicado em A Sentinela de 15 de abril de 1970, após referir-se à aproximação de um novo milênio no ano 2001, afirmava (página 238):

 

                               Mas, para os estudantes, tementes a Deus, da Bíblia Sagrada que contém tanto as antigas Escrituras Hebraicas como as Escrituras Gregas Cristãs, existe um milênio mais importante que exige atenção. Trata-se do sétimo milênio! Não, não se trata do sétimo milênio contado a partir de A. D. 1, ou 1 E. C., mas o sétimo milênio da existência do homem aqui na terra, o sétimo milênio contado a partir da criação do homem e da mulher perfeitos, por Deus, no jardim do Éden. Este costuma ser contado segundo a regra do calendário do Anno Mundi ou “Ano do Mundo”, referindo-se neste caso ao mundo da humanidade.

38 Tem este fato alguma coisa que ver com a aproximação da paz de mil anos ou de um milênio? É bem evidente que sim!

 

Como todas as Testemunhas já sabem, três anos antes (em 1966) s Sociedade Torre de Vigia tinha identificado o ano de 1975 como a data do início do sétimo milênio da história da humanidade.41 Que significado foi atribuído a este cálculo? A matéria de 1969, publicada na revista já mencionada continua (páginas 238-239) dizendo:

 

39 Mais recentemente, pesquisadores sérios da Bíblia Sagrada verificaram novamente a sua cronologia. Segundo os seus cálculos, os seis milênios da vida da humanidade na terra terminariam nos meados da década de mil novecentos e setenta. Portanto, o sétimo milênio a partir da criação do homem por Jeová Deus começaria em menos de dez anos.

                  ¾¾¾¾¾¾¾¾

42 A fim de que o Senhor Jesus Cristo seja ‘Senhor até do sábado’, seu reinado de mil anos terá de ser o sétimo de uma série de períodos de mil anos ou milênios. (Mat. 12:8, Al) Seria assim um reinado sabático. Desde cedo na existência da humanidade, Satanás, o Diabo, tem estado solto, fazendo a família humana labutar arduamente em escravidão e causando que a terra se enchesse de violência antes do dilúvio global dos dias de Noé, e fazendo que a mesma terra antiga se enchesse de violência ainda maior hoje em dia. Dentro em breve terminarão assim seis milênios de sua exploração iníqua da humanidade, como seus escravos, ainda durante o período de vida da geração que presenciou os eventos mundiais desde o fim dos Tempos dos Gentios, em 1914, e até agora, segundo as palavras proféticas de Jesus, em Mateus 24:34. Não seria, então, o término dos seis milênios da escravização laboriosa da humanidade, sob Satanás, o Diabo, o tempo apropriado para Jeová Deus introduzir um milênio sabático para todas as suas criaturas humanas? Deveras, seria! E seu Rei Jesus Cristo será o Senhor daquele sábado.

 

A responsabilidade fundamental por toda a empolgação e todas as expectativas desapontadoras relacionadas ao ano de 1975 cai sobre os ombros da organização Torre de Vigia. Conforme documentado em Crise de Consciência, páginas 209-212, o efeito danoso do desaponta-mento foi claramente evidente, declarado até em memorandos de membros responsáveis do pessoal da própria sede mundial. No entanto, o Corpo Governante resistiu a admitir essa responsabilidade por quase quatro anos. Seus próprios registros mostram que isso resultou numa “vigilância espiritual” artificial por parte de centenas de milhares de pessoas, e que a aparente vigilância delas terminou tão logo aquele ano acabou, há quase três décadas. Será que essas centenas de milhares que afluíram para a organização em resultado desse alarme falso foram beneficiadas por tal desilusão? Será que isso reforçou a confiança delas nas Escrituras? Há pouco motivo para pensar assim. O alicerce dessa aparente “vigilância espiritual” foi erguido sobre as areias movediças da especulação humana e não pode ser comparado com a genuína vigilância espiritual erguida sobre a rocha dos ensinos de Jesus Cristo.42
Todos nós somos às vezes inconsistentes; é uma falha humana. Mas isso não é desculpa para tentar encobrir, justificar ou negar nossas inconsistências. O que a organização fez, no máximo, foi um reconhecimento simbólico da responsabilidade pelos danos causados por suas inúmeras predições errôneas de datas. A Sentinela de 15 de abril de 1990 citada mostra que nem mesmo este reconhecimento foi feito de boa vontade e que a organização ainda tenta fugir à sua responsabilidade e astutamente transferi-la para outros, na verdade, as suas vítimas. É neste fator que a falácia da inconsistência torna-se claramente repreensível.

 

Embora a organização faça ocasionalmente um vago reconheci-mento da reversão do entendimento com relação à sua data chave de 1914 (a qual foi durante quarenta anos vista como o fim dos últimos dias, e, quando aquela data passou, foi mudada para o início dos ultimos dias), ela alega grande estabilidade em apegar-se a esta data e seu significado atualmente aceito. Dos anos 60 a 80, porém, à medida que essa data ficava cada vez mais no passado, a organização mudava constantemente sua definição da “geração” de Mateus 24:34, que se ligava a essa data e cuja “geração” não passaria antes de chegar o final definitivo.
Portanto, embora nunca declarado especificamente, por muito tempo a impressão geral era de que a “geração” se relacionava essen-cialmente  às pessoas que eram adultas em 1914 e que a geraçaão destas pessoas ainda estaria viva quando chegasse o Armagedom. Depois, a Despertai! de 22 de abril de 1969 (páginas 13, 14) saiu com esta declaração:

 

Jesus falava òbviamente sôbre os que eram suficiente idosos para testemunhar com entendimento o que ocorreu quando começa-ram os “últimos dias”. Afirmava Jesus que algumas dessas pessoas que viviam quando surgiu o ‘sinal dos últimos dias’ ainda estariam vivas quando Deus pusesse fim a êste sistema.

Até se presumirmos que os jovens de 15 anos teriam suficiente percepção mental para discernir a importância do que aconteceu em 1914, isso ainda faria com que os mais jovens ‘desta geração’ tivessem quase 70 anos atualmente. Assim, a grande maioria da geração a que Jesus se referia já havia desaparecido na morte. Os restantes atingem a velhice. E, lembre-se, Jesus disse que o fim dêste mundo iníquo viria antes de tal geração desaparecer na morte. Isto, em si, nos informa que não podem ser muitos os anos antes de chegar o fim predito.

 

Tomar 15 anos como uma espécie de tempo mínimo, resultaria, como disse o artigo, em fazer o mais jovem daquela “geração” ter quase 70 anos naquela ocasião (1969).

Dez anos depois, quando o membro “mais jovem” da “geração” estaria então com 80 anos, A Sentinela de 15 de janeiro de 1979 (página 32) fez uma ligeira mudança.43 A publicação de 1969 tinha dito que as palavras de Jesus “obviamente” se referiam a pessoas com idade suficiente para entender e “ter suficiente percepção mental para discernir a importância” do que ocorreu em 1914. Agora, dez anos mais tarde, isto não era tão “óbvio.” Em vez disso, a publicação de 1979 disse que se podia incluir aqueles que puderam “observar”  coisas tais como a guerra de 1914 e outras condições. Ao mesmo tempo, ela descartou enfaticamente a aplicação aos que eram meros bebês recém-nascidos naquela época.

Dois anos depois, A Sentinela de 15 de abril de 1981 (página 31),  utilizando a declaração de uma revista popular de notícias, falou que a pessoa pode começar a criar uma impressão duradoura na memória à idade de 10 anos.

Lá em 1979, A Sentinela tinha dito que “tratando-se da aplicação ao nosso tempo, a ‘geração,’ logicamente, não se aplicaria aos bebês nas-cidos durante a Primeira Guerra Mundial.” A passagem de mais seis anos fez o ilógico tornar-se lógico. A Sentinela de 15 de novembro de 1984 (páginas 4-7), reverteu a posição anterior, e, pelo uso de certas definições (encontradas em obras de eruditos da cristandade), então dizia:

 

                                                        Estas defi-nições abrangem tanto os que nasceram por volta da época dum acontecimento histórico como todos os que estavam vivos na ocasião.

Se Jesus usou a palavra “geração” nesse sentido e se a aplicarmos a 1914, então os bebês daquela geração têm agora 70 anos ou mais.44

 

Assim, enquanto a Despertai! de 22 de abril de 1969 tinha se referido aos de 15 de anos de idade nascidos em 1914 como tendo (em 1969) 70 anos, por volta de 1984 quinze anos tinham passado e encontramos naquela ocasião a organização falando de bebês nascidos em 1914 terem 70 anos de idade.

Provérbios 27:16 compara a inutilidade de tentar conter a mulher obstinadamente briguenta a “conter o vento ou pegar o óleo com a mão.” (BJ) De modo um tanto similar, tentar achar algo de estável na definição da organização Torre de Vigia quanto ao que se referia exatamente “esta geração” era também como tentar pegar o óleo. Era simplesmente um desafio tentar entender algo tão escorregadio.45

Dali a pouco mais de duas décadas, as únicas pessoas nascidas em 1914 ou antes disso seriam centenárias. Conforme documentado em Crise de Consciência, apesar das declarações confiantes das publicações da Torre de Vigia, um número razoável de membros do Corpo Governante há muito reconheciam que o ensino tradicional sobre “esta geração” mostrava-se cada vez mais frágil. Não há outra explicação para o fato de que em 1980 os membros da Comissão do Presidente redigiram e apresentaram um documento cujo raciocínio, se tivesse sido aceito, teria colocado o início da “esta geração” ¾ não em 1914 ¾ mas em 1957, ano em que a União Soviética lançou seu primeiro Sputnik!46

Uma norma similar de mudança de definições pode ser vista nos esforços das publicações da Torre de Vigia em fixar 1914 com a data em um apareceu um “sinal” mundial  exclusivo, relacionado com guerras, fome, terremoto e pestilência. Visto que a evidência abundante de inconsistências, das tentativas de apoiar afirmações  tirando citações do contexto, de ignorar ou suprimir evidência histórica contrária, estão tão plena e cuidadosamente documentadas  no livro Sinal dos Últimos Dias ¾ Quando? (em inglês), parece desnecessário considerá-los aqui. Junto com a evidência bíblica que demonstra que o real sentido do termo crítico parousia e da expressão “os últimos dias,” o livro apresenta também sérios motivos para crer que todo o enfoque dado ao entendimento das palavras de Jesus em Mateus 24, ensinado não só pela organização das Testemunhas mas por muitos outros sistemas religiosos, parte de uma premissa falsa.47

 

Embora obrigada a admitir a natureza oscilante de sua “verdade” publicada, a organização Torre e Vigia busca minimizar ou negar qualquer importância a tal inconsistência. Ela lança alguns argumentos distintivos no empenho de explicar e justificar o trajeto errático de seus ensinos em várias questões doutrinais, argumentos que buscam converter erros e enganos em “verdade progressiva.”
Muitas obras religiosas, tais como os comentários bíblicos, que foram escritos um e até dois séculos atrás, ainda são impressos e considerados como de genuíno mérito.48 Em contraste, há bem poucas publicações da Torre de Vigia, publicadas durante os primeiros 80 anos dos 120 anos de história da organização que não são hoje considerados “desatualizadas.”(Quase todas deixaram de ser impres-sas e não estão mais disponíveis.) Em vez de reconhecerem este fato como sinal de pesquisa instável e de ensinos elaborados às pressas, o que se faz é apresentá-lo como evidência da “luz progressiva”! O problema é que, em grande número de casos, o suposto “progresso” simplesmente levaram à organização de volta a ensinos anteriormente descartados como errados e substituídos pelo que se afirma que é a verdade mais “progressista.” Em tais casos, aquilo que antes se considerava uma “verdade” fruto do progresso passa a ser considerada um erro e aquilo que antes se considerava erro passa a ser um progresso da “verdade.”

Na carta de um ex-membro da Igreja Mundial de Deus, o autor declara que lá se dizia aos membros: “Somos a verdadeira igreja porque mudamos nossos ensinos quando estão errados.” A igreja tomou certa posição quanto ao divórcio e a um novo casamento, depois revogou essa posição. Conforme comenta este ex-membro, esta mudança foi descrita pela liderança da organização como uma “‘nova luz,’ uma ‘nova verdade’ que Deus (finalmente) nos mostrou.” Ele acrescenta:

 

Em outras palavras, [o chefe da organização] sutilmente culpou a Deus pelo nosso erro doutrinal. Ele jamais admitiu que simplesmente estava errado. Jamais desculpou-se com todas pessoas cujas vidas e casamentos el einha arruinado. Atribuiu a Deus todo o crédito pelo naufrágio e destruição de milhares de famílias.49

 

Um carta emitida pela liderança garantia aos membros que “esta mesma experiência deve ensinar a todos que a lealdade a Deus e à Sua Igreja tem sempre de vir em primeiro lugar, acima dos erros e das mágoas pessoais, supostos ou verdadeiros.” Sobre isto, comenta o autor da carta:
 
[Ele] está dizendo que a  lealdade à [igreja] deve ser posta acima da lealdade à Palavra de Deus! Ele está dizendo que o certo é que nós obedeçamos ao ensino não-bíblico [da igreja] . . . todos estes anos, porque é a isto que ele denomina como “lealdade à Igreja de Deus.” E ele diz que esta lealdade tem “sempre de vir em primeiro lugar, acima dos erros e das mágoas pessoais, supostos ou verdadeiros”; em outras palavras,a lealdade aos ditames de uma organização tem de ser posta acima daquilo que a Bíblia ensina . . . . Considera aqueles que dez anos atrás se recusaram a obedecer [os ensinos da igreja agora mudados] como desleais, muito embora fossem leais ao que Deus disse em sua Palavra.

 

De maneira idêntica, quando trata dos conceitos errôneos do passado, a organização Torre de Vigia enaltece aqueles que que não se opuseram a tais ensinos por lealddae à “organização de Deus.” A lealdade à organização recebe assim um mérito maior do que a lealdade à própria verdade das Escrituras.

Mesmo quando a questão faz um círculo completo, a Sociedade Torre de Vigia procura de qualquer modo demonstrar que, afinal de contas, houve progresso. Tenta-se mostrar que a posição final se diferenciava substancialmente, de algum modo, da posição original.

Isto é ilustrado graficamente num artigo da Sentinela de 1º de agosto de 1982, que traz também um ótimo exemplo do uso de falsa analogia na argumentação.

A matéria (nas páginas 27-29) empenha-se em explicar como é possível que o canal de comunicação exclusivo de Deus apresente primeiro uma opinião, depois, uma totalmente diferente, e depois, volte à primeira posição.50 O autor usa o exemplo de um barco, “bordejando contra o vento,” como mostra a página seguinte:

 

                                       SCAN[Sentinela 1/8/82, p.27]

 

2 No entanto, a alguns talvez tem parecido que a vereda nem sempre seguiu reto em frente. Ocasionalmente, as explicações dadas pela organização visível de Jeová têm indicado ajustes que aparentemente voltam a pontos de vista anteriores. Mas, na realidade, não tem sido assim. Poderia ser comparado ao que se conhece em náutica como “bordejar”. Manobrando as velas, os marujos podem fazer o barco ir da direita para a esquerda, em ziguezague, mas sempre avançando em direção ao seu destino, apesar de ventos contrários. E o objetivo visado pelos servos de Jeová são os “novos céus e uma nova terra” da promessa de Deus. ¾ 2 Pedro 3:13.

 

Recordo-me, quando superintendente viajante, de fazer uma viagem de barco à vela nas Ilhas Virgens Britânicas, indo da ilha de Tortola para a de Virgen Gorda, e a travessia levou seis horas para cobrir a distância de 27 quilômetros usando o método de bordejar. Os barcos à vela precisam usar tais métodos devido aos ventos desfavoráveis, mas causa espanto que o “canal” aprovado de comunicação de Deus para toda a humanidade tenha de recorrer a tal processo. Não nos dizem que “ventos” contrários são esses que o movem em direções erradas, em alguns casos até mesmo em artigos escritos pela mesma pessoa com com diferença de poucos anos.

A ilustração que acompanha o artigo apresenta o processo de bordejar do barco à vela como que se baseando em curvas de 90º, como se vê abaixo:

                                      SCAN

 

Para descrever a trajetória de muitos ensinos da Torre de Vigia a ilustração mais apropriada seria esta:

                                    SCAN

As curvas feitas nos ensinos da Sentinela aqui considerados parecem mais curvas de 180º, com reversão virtualmente completa do curso. Não têm nenhuma semelhança com o bordejar, que resulta num definitivo avanço para a frente e leva a uma posição bem distante do ponto de partida original. Na verdade, as posições oscilantes e as revogações de ensinos comparam-se ao movimento de uma pessoa que rema num bote em mar aberto, sem nenhum compasso para guiá-la, e que após algum tempo pode ser levado mais ou menos ao mesmo local de onde partiu. Considere um dos exemplos mencionados neste mesmo número da Sentinela de 1º de agosto de 1982, o do ensino sobre as “potestades” ou “autoridades superiores” de Romanos, capítulo 13.

 

As autoridades superiores

 

O entendimento inicial (no tempo do Pastor Russell) era de que esta expressão referia-se às autoreidade governamentais da terra, a quem os cristãos têm de prestar submissão, pagar impostos, tributos e honra (como deixam bem claro os versículos 6 e 7). No tempo do Juiz Rutherford isto foi negado e a Torre de Vigia declarou categoricamente (em 1929) que os “poderes superiores” eram, em vez disso, Deus e Cristo. Dizia que as “poderes superiores” de modo algum aplicavam-se às autoridades seculares; o conceito era totalmente inaceitável. Aclamava-se isto como evidência da “luz progressiva” da verdade que brilhava para o povo de Deus.51

Trinta anos depois, em 1962, essa “luz progressiva” foi rejeitada e restabeleceu-se o conceito de que o termo aplicava-se de fato às autoridades seculares. Observe, contudo, como o artigo na Sentinela de 1982 (páginas 29 e 30) apresenta o assunto:

                                [SCAN W 1/8/82,pp29,30]

 

14 Felizmente, no ano de 1962, Jeová levou os do seu povo ao entendimento do princípio da sujeição relativa. Viu-se que os cristãos dedicados precisam obedecer aos governan-tes seculares como “autoridades superiores”, reconhecendo-os de bom grado como “ministro de Deus”, ou servo de Deus, para o próprio bem deles. (Romanos 13:4) Contudo, se essas “autoridades” lhes pedissem que violassem as leis de Deus, o que fariam nesse caso os cristãos? Até este ponto, os cristãos têm obedecido à ordem em Romanos 13:1: “Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores.” Mas, a dita sujeição é limitada pelas palavras de Jesus, registradas em Mateus 22:21: “Portanto, pagai de volta a César as coisas de César, mas a Deus as coisas de Deus.” Portanto, sempre que “César” quer que os cristãos façam algo contrário à vontade de Deus, eles têm de colocar a lei de Jeová à frente da de “César”.

 

Como se pode ver, afirma-se que de fato houve progresso, que em 1962 as Testemunhas de Jeová ¾ ostensivamente pela primeira vez! ¾ passaram a entender o princípio da “sujeição relativa,” e que embora mostrassem submissão às autoridades superiores elas não podiam prestar sujeição total a elas. Se essas “autoridades superiores” lhes pedissem para fazer coisas em violação às leis de Deus, elas não poderiam obedecer.

O autor do artigo possivelmente escreveu sem conhecer os fatos, embora devamos presumir que ele pesquisou a matéria. O fato é que o entendimento que acabamos de citar de modo algum era novo; na época de Russell, sempre entendeu-se que a sujeição às autoridades seculares era apenas relativa, condicionada a que as exigências das autoridades não se chocassem com os requisitos de Deus. Já em 1886, o livro O Plano Divino das Eras, na página 266, afirmava:

 

 Sabendo ser este o propósito de Deus, nem Jesus nem os apóstolos interferiram de algum modo nos assuntos dos governos terrestres. Pelo contrário, eles ensinavam à igreja a submeter-se a estes poderes, muito embora amiúde sofressem debaixo do abuso deles. Ensinavam à Igreja a obedecer as leis e a respeitar os em autoridade por causa do seu cargo, mesmo que não fossem pessoalmente dignos de estima; a pagar os impostos estipulados, e, exceto onde entrassem em conflito com as leis de Deus (Atos 4:19; 5:29), a não oferecer resistência a quaisquer leis estabelecidas. (Rom. 13:1-7; Mat. 22:21) O Senhor Jesus e os apóstolos, bem como a primitiva igreja, todos acatavam as leis, embora se mantivessem separados e não participassem nos governos deste mundo.

 

A Sentinela de 1º de agosto de 1982 refere-se a declarações (feitas em 1904) no sentido de que os cristãos podiam servir no exército e assim mesmo refrear-se de atirar mesmo em alguém. Cita-se sito como prova d que stes primitivos Estudantes da Bíblia não entendiam corretamente o princípio da sujeição relativa. O artigo, embora aludindo até 1904, aparentemente evitou o encontro com alguma evidência inconveniente, nevegando ao redor do número de 1º de setembro de 1915 de A Sentinela. Ali, sob o subtópico “A Obrigação Cristã e a Guerra,” o Pastor Russell fazia estas observações:

 

Em ESTUDOS DAS ESCRITURAS, Vol. VI., fizemos a sugestão de que os seguidores de Cristo busquem por todos os meios adequados evitar a pareticipação na guerra. Ali sugerimos a possiblidade de que, no caso de serem convocados, os seguidores do Senhor usem de toda a influência para obter posições no Corpo Hospitalar ou no Departamento de Provisões do exército, em vez de na prática efetiva de guerra. Sugerimos ainda que se fosse impossível evitar ir para as trincheiras, não seria necessário violar o requisito divino: “Não deves cometer assassinato.”

Temos desde então nos perguntado se o procedimento que sugerimos é o melhor. Nos perguntamos se tal procedimento não significaria transigir. Refletimos que tornar-se membro do exército e vestir um uniforme militar implica em que os deveres e obrigações de um soldado são reconhecidos e aceitos. Um protesto feito a um oficial seria insignificante ¾ o público em geral não teria conhecimento dele. Não estariam os cristãos em lugar indevido sob tais condições?

“Mas,” replica alguém, “Se a pessoa recusar o uniforme e o serviço militar, será fuzilada.”

Replicamos que se a explicação for dada de modo adequado, pode haver alguma espécie de dispensa; mas, se não, seria de algum modo pior ser fuzilado por lealdade ao Príncipe da Paz e por recusar desobedecer sua ordem do que ser baleado enquanto sob a bandeira destes reis terrenos e aparentemente dando-lhes apoio, e, pelo menos na aparência, transigindo quanto aos ensinos de nosso Rei celestial? Das duas mortes, preferiríamos a primeira ¾ preferimos morrer por causa da fidelidade ao nosso Rei celestial.

                                                           ¾¾¾¾¾¾

Não exortamos a este procedimento. Meramente o sugerimos. A responsabilidade pertence totalmente ao indivíduo. Não estamos nos exonerando da responsabilidade para com os muitos estudantes da Bíblia que  que nos indagam da opinião do Senhor a este respeito. Já lhes provemos nossas mais sérias reflexões, mas receamos agora ter sido demasiado conservadores.

 

A única diferença entre a posição então declarada e a que a organização hoje assume é que Russell não tentou impor esta posição sobre serviço hospitalar a outros, mas a deixou para ser decidida pela consciência individual deles.

A alegação, então, de que na época de Russell houve uma deficiência de entendimento quanto à natureza relativa da sujeição às autoridades seculares, é claramente falsa. Ela simultaneamente desvia a atenção da questão básica da identificação dos “poderes superiores.” Nisso a organização deu uma volta completa. Ainda que o entendi-mento da sujeição relativa tenha sido alterado em data posterior, isto ainda não muda o mínimo o fato de que uma definição totalmente errada das “autoridades superiores” foi adotada e mantida durante trinta anos antes de se retornar à posição correta.

Não houve, todavia, nenhuma mudança genuína no entendimento da sujeição relativa. Ainda que se desse margem a alguma diferença insignificante de ponto de vista, as reversões radicais feitas nos ensinos da organização quanto aos “poderes superiores” ainda seriam como partir para um ponto que visa o norte, depois fazendo uma curva e dirigindo-se na direção sul, para um ponto que é o mesmo de onde se havia partido. Isso não é “bordejar,” em que o “zigzaguear” constante e consistente traz o barco para mais perto de sua meta. Em vez disso, é simplesmente um retrocesso inútil. O método de “progredir” no entendimento apresentado no artigo de A Sentinela tem tanto mérito quanto circunavegar uma ilha de 150 quilômetros de comprimento a fim de chegar a um ponto exatamente a cerca de um quilômetro de onde se começou.

Quanto a reconhecer o princípio da “sujeição relativa,” pode-se encontrar dezenas de comentários bíblicos que, ao tratar de Romanos, capítulo 13, defendem a posição de que a sujeição cristã às autoridades seculares é sempre relativa, condicional. Isso acontece com os comentários escritos cem e duzentos anos atrás, sim, até muito antes de existir a revista A Sentinela.

Como apenas um exemplo, o comentário ainda popular de Albert Barnes, Barnes’ Notes, escrito entre 1832 e 1851, fala da injunção de ‘submeter-se às autoridades superiores,’ de Romanos 13:1:

 

A palavra aqui usada não designa a entensão da submissão, mas meramente a ordena de modo geral. O princípio geral a ser visto é que temos de obedecer em todas as coisas que não são contrárias à lei de Deus....

Não pode haver e jamais houve questão quanto a se eles obedeceriam a um magistrado se ele ordenasse algo claramente contrário à lei de Deus.

 

Esta posição é idêntica à adotada pela Sociedade Torre de Vigia e foi escrita mesmo antes do nascimento de Charles Taze Russell. No entanto, o artigo de A Sentinela citado faz parecer que Deus levou essa luz a seu povo ungido pela primeiríssima vez em 1962!

A maior falha de todo este conceito e analogia de “vai e vem” não é apenas que ele não se ajusta aos fatos, mas que ele distorce grave-mente a maneira histórica em que Deus revela a verdade aos seus servos.

Cita-se muito o exemplo do ponto de vista errado sobre a circuncisão sustentado por muitos cristãos do primeiro século como justificativa  para as opiniões flutuantes e reversões de vários ensinos da Torre de Vigia. Todavia, em vez de ilustrar este trajeto errático, que vai e vem, esse entendimento errado dos primitivos cristãos manifesta somente a tendência, por parte de alguns, principalmente da Judéia, de agarrar-se a uma prática instituída pelo próprio Deus muitos séculos antes, uma lentidão em reconhecer que as “sombras” encontradas no Pacto da Lei tinham se cumprido com a “realidade” encontrada no Messias, Jesus Cristo. O deles não era um caso de irem para frente e para trás nas crenças, mas de serem lentos em progredir no entendimento.

A leitura das Escituras como um todo, demonstra que a revelação dos propósitos de Deus à humanidade através dos vários meios de comunicação que ele empregou ¾ os profetas inspirados e os autores da Bíblia ¾ foi de constante progresso. Não há sinuosidades e movimentos de vai-e-vem, mas um desdobramento ordeiro do propósito divino, cada passo progressivo levando direto ao passo progressivo seguinte da revelação, sem desvios ou direções erradas. Essa é uma razão pela qual podemos crer na confiabilidade dessa Palavra escrita. O curso tortuoso admitido nos artigos de A Sentinela de modo algum demonstra a direção divina. Demonstra o oposto, a saber, o raciocínio humano imperfeito. Visto que estamos todos sujeitos a tal raciocínio, este não é, em si, o grande problema. O grande problema é quando os homens insistem em que seus raciocínios sejam encarados como “verdades divinamente reveladas,” e condenam os que, no livre exercício de seu julgamento pessoal, os encaram de outra maneira.

Depositar confiança implícita numa fonte que faz afirmações tão ousadas sobre si mesma, deixar de testar sua direção pelo firme compasso da Palavra revelada de Deus, é um proceder que nada tem de recomendável.

 

Embora certas regras de lógica, tais como as discutidas, sejam úteis para discernir a falsidade das argumentações, o conhecimento delas não é essencial. Nosso Criador nos dotou de inteligência natural e se evitarmos a aceitação precipitada e nos dermos tempo para pensar, para fazer perguntas, buscar com oração a ajuda do Espírito dele, nos protegeremos contra graves decepções. Em vez de nos tomarmos de temor dos homens, ou de nos impressionarmos com o que falam ou escrevem, devemos por à prova suas declarações, perguntando-nos: “Foi este assunto realmente comprovado ou são mais simples asser-ções? É esta a única explicação razoável, de modo que sou obrigado a  aceitá-la como verdade?”

A libertação cristã e a verdade andam juntas. (João 8:32) Jamais ganharemos a prometida liberdade de Deus a menos que queiramos fazer o esforço de determinar o que é verdade e o que não é. Isto não exige que nos sintamos obrigados a tentar “amarrar” o significado preciso de toda declaração das Escrituras. Muitas declarações permitem mais de um entendimento e o entendimento alternativo pode ser tão compatível com o restante das Escrituras quanto o inicial. As verdades cruciais, aquelas em que se apóia a nossa fé, são tais que todos podemos entendê-las. O Filho de Deus pode assim agradecer a seu Pai por Ele ter “escondido estas coisas dos sábios e dos cultos e as revelado aos pequeninos.”52

Nosso amor à liberdade, pois, deve igualar-se a nosso amor à verdade, e à companheira da verdade, a honestidade. Podemos ser naturalmente inclinados a tomar a atitude mais fácil, a da submissão passiva. Mas anularmos aquilo que Deus nos deu, o poder de pensamento e análise crítica, e nos tornarmos meros acatadores daquilo que os homens dizem que é verdade, soó nos leva à servir humanos. A própria vida depende de estarmos dispostos a pagar o preço que o amor à verdade requer, pois os adoradores aprovados de Deus “têm de adorá-lo com espírito e verdade.”53

 

 

1         Isto não significa que fiquei plenamente convencido de todos os detalhes, mas aquilo que eu não entendia, eu aceitava pela fé.

2         Tenho em minha biblioteca exemplares de várias publicações bem antigas da Torre de Vigia que outrora pertenciam a Percy Harding (mencionado no capítulo 11). Muitas delas contêm anotações pessoais nas quais ele mostra que discernia sérias falhas no raciocínio e argumentos apresentados ¾ muitas décadas antes de eu começar a chegar a essa conclusão.

3         O artigo saiu na edição de 22 de fevereiro de Time, e tratava primariamente de minha excomunhão.

4         Minha esposa e eu visitamos John Knight e tivemos palestras pessoais com ele em mais de uma ocasião, e ele se manteve em contato exatamente até sua morte aos 96 anos (a pedido dele presidi seu funeral).

5         In Logic and Contemporary Rhetoric, páginas 54, 55, Howard Kahane, do Bernard Baruch College, afirma: “O provincialismo muitas vezes resulta numa falsa concepção da importância e da qualidade moral do próprio grupo da pessoa... Em sua forma extrema, a falácia do pronvincialismo trnsforma-se numa falha pior, a falácia da lealdade. Esta é a falácia de crer (ou descrer) diante de forte evidência contrária por causa da lealdade provincial.

6         Doze Anos num Mosteiro (em inglês), Joseph McCabe, O.S.F., Watts & Company.

7         Veja “Cumprir-se-á, Então, o Mistério de Deus”, páginas 209-247; Revelação ¾ Seu Grandioso Clímax Está Próximo!, páginas 129-160.

8         Conforme observamos, Rutherford justificou esta medida drástica por descrever os “anciãos eletivos” como uma classe de pessoas que não cooperavam, eram fracas na atividade de porta em porta ou opunham-se a ela, e acusações similares. Poucas pessoas param para pensar que homens como Fred Franz e uma porção de outros de muito destaque na organização eram eles próprios anciãos eletivos naquela época. Tampouco menciona-se que o próprio Rutherford não se empenhava na atividade de porta em porta.

9         Veja Mateus 25:14-30.

10      Isaías 11:2, 3.

11      Aproximou-se o Reino de Deus de Mil Anos, página 353.

12      Observe que a pessoa que elaborou esta lista de “credenciais esmagadoras” segue a ordem dos livros da Bíblia, de Gênesis a Revelação, mas então, exatamente no fim, recua para Isaías 43:10, de modo a colocar ali as “Testemunhas de Jeová,” dando assim a ilusão de que todos os alistados anteriores conduziam a esse clímax. Isto é manipulação pura.

13      O estilo é o do então presidente da Torre de Vigia, Frederick Franz.

14      O texto de Jó, capítulo 10, versículo 22, sobre “a terra de obscuridade igual às trevas, de sombra tenebrosa e de desordem,” talvez deixe o leitor tateando em busca da obscura conexão com a “organização de Deus” em discussão.

15      João 6:67, 68.

16      No mesmo artigo, na página 15, trechos de números antigos de A Sentinela de 1883 e 1884 estão reimpressos, como se apoiassem a idéia de uma organização visível tal como a que hoje existe  entre as Testemunhas de Jeová. A palavra “organização” de fato aparece várias vezes nas citações. Mas isso é tudo. Quando examinadas, estas citações mostram ser, na verdade, uma contradição direta ao conceito de organização da época atual. Essa matéria do século 19 realmente argumenta contra o desenvolvimento de uma organização religiosa altamente estruturada de modo terreno, e insiste em que deve haver apenas uma organização formada celestial, invisível, da congregação de Cristo. Como mostramos no capítulo 4, páginas __-__ deste livro, o editor de A Sentinela, Charles Taze Russell, opunha-se à formação exatamente do tipo de estrutura organizacional terrestre, visível, que passou a desenvolver-se após sua morte. Não há a menor referência a estes fatos no artigo em questão, e o leitor é levado a crer que há uma harmonia entre estas citações centenárias e o conceito moderno da organização Torre de Vigia. Fatos e informações adversos são suprimidos, encobertos, manipulados ou ignorados.

17      2 Coríntios 3:7-10; Colossense 2:17; Hebreus 9:7-11, 23.

18      1 Samuel 8:4-7; Isaías 33:22.

19      Salmo 146:3-5, NVI.

20      1 Samuel 21:10.

21      Confira Hebreus 11:36-40; Tiago 5:10, 11.

22      Mateus 26:57, 59.

23      Atos 5:27-29.

24      João 5:24.

25      Tampouco se aplicam a qualquer uma dos outros seis bilhões de pessoas da terra que não são Testemunhas de Jeová.

26      Atualmente, como Ted Jaracz bem sabe, a “classe terrestre” é consistentemente excluída nas publicações da Torre de Vigia de todas as parábolas de Jesus, com exceção desta e da das ovelhas e cabritos (Mateus 25:31-46).

27      João 10:1-16; confira João 1:11-13; Mateus 10:16; 15:24; 28:18-20; atos 1:8.

28      Descreve-se isto, no campo da lógica, como a tática de “envenenar o poço” na qual faz-se o esforço de de desacreditar a fonte, de modo a dar a impressão de que nenhuma evidência ou argumento provindo dessa fonte é digno de consideração.

29      Como só um exemplo, A Sentinela de 15 de janeiro de 1991, em apenas seis páginas (10 a 15) cita quinze fontes em apoio de sua posição ¾ todas elas da “cristandade.” Geralmente, quando se utiliza uma citação favorável á posição da Torre de Vigia, não se chama atenção para o fato de que a fonte ¾ quer seja dicionário bíblico, comentário bíblico ou qualquer outra obra religiosa ¾ é fruto do que A Sentinela chama de “cristandade apóstata.” Quanto ao autor da matéria favorável, simplesmente dá-se o seu nome, ou então é designado, não como um representante de “Babilônia, a Grande,” mas como “um erudito bíblico” ou termo similar.

30      A Sentinela, 15 de janeiro de 1981, página 7.

31      Atos 2:41; 4:4.

32      Confira Atos 6:1, 7; 8:1, 4, 5, 14; 13:44, 48, 49; Mateus 28:18-20; Atos 1:8.

33      Este número é o resultado da divisão de 124.000 por 1.779.

34      Gênesis 12:3; 22:18; 28:14; Salmo 72;17; Isaías 19:23-25; Amós 9:11, 12; Atos 15:15-18; Gálatas 3:8.

35      Veja Crise de Consciência, páginas ___, ___-___, ___, ___.

36      1 Coríntios 10;11, NVI.

37      Lucas 21:8.

38      Confira Mateus 24:42-44; 25:13; Marcos 13:33-37; Lucas 12:40.

39      Lucas 21:36.

40      2 Pedro 3:10-12.

41      Veja a documentação apresentada em Crise de Consciência, páginas ___-___.

42      Mateus 7:24-28.

43      A razão da publicação deste artigo foi que Albert Schroeder, membro do Corpo Governante, durante uma viagem pela Europa naquele ano, tinha sugerido, por iniciativa própria, um novo entendimento da “esta geração.” Sugeriu que a aplicação fosse feita à geração dos “ungidos,” uma definição que desligaria “esta geração” da data de 1914 e permitiria que ela se prolongasse pelo tempo em que qualquer Testemunha de Jeová, independentemente de sua data de nascimento, professasse ser da “classe ungida.” O artigo de A Sentinela destinava-se primariamente a reafirmar o apego da organização a esta posição básica, tradicional, edificada em torno de 1914.

44      O sublinhado é meu. A Despertai! de 8 de abril de 1988, página 13, 14, repetia esta posição.

45      Até anos recentes, as publicações vinham chamando regularmente a atenção para o número de de pessoas que estavam na casa dos 90 anos ou que tinahm chegado aos 100 e ainda estavam vivos.

46      Veja Crise de Consciência, páginas ___-___.

47      Carl Olof Jonsson e Wolfgang Herbst, Sinal dos Últimos Dias ¾ Quando? (em inglês), Commentary Press, 1987.

48      A biblioteca da sede mundial da Torre de Vigia contém literalmente dezenas destas obras.

49      Veja o capítulo 16, páginas ___, ___, para mais detalhes sobre esta carta. Não se pode senão lembrar aqui as normas sobre divórcio publicadas pela organização Torre de Vigia, que obrigavam as pessoas a ficar com cônjuges que se empenhavam em cópula anal com alguém fora do casamento, que eram homossexuais aivos, ou que tinham até prtaicado atos sexuais com animais. Estas normas vigoraram durante décadas, e sei, pois estava no Corpo Governante, que no tempo em que estes erros foram finalmente reconhecidos, que não houve, por parte de qualquer dos membros, praticamente nenhuma expressão de preocupação com osofrimento e danos causados às vidas das pessoas durante aquelas décadas. Veja Crise de Consciência, páginas __-__.

50      O artigo baseou-se evidentemente num discurso dado por Karl Klein, membro do Corpo Governante, ao pessoal da sede mundial em 23 de janeiro de 1981.

51      Veja o livro As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino (em inglês), páginas 91 e 124, a informação sobre este conceito ainda em 1959.

52      Lucas 10:21, NVI.