TRECHO DA DISSERTAÇÃO DO PROFESSOR MARCO ALEXANDRE DE AGUIAR

            Desde 1893, falava-se na Câmara Municipal em se criar uma escola  complementar, denominação utilizada na época e hoje correspondente ao nível médio. Porém esta escola foi criada somente em 1911. Estamos falando da famosa Escola Normal. No início do século quase não havia faculdades, portanto uma Escola Normal, com a função de formar professores,  constituía-se no supra-sumo em termos educacionais.
            Apesar da escola ser criada em 1911, ela funcionou provisoriamente em vários locais, até a construção da sede definitiva. Como a lei exigia, esta Escola acabou sendo construída ao lado de um grupo escolar, o G. E. “Dr. Cardoso de Almeida”. O nível do ensino almejado era o de melhor qualidade. Para isto, não se pouparam nem esforços nem recursos para realizar uma construção realmente impressionante. A majestosidade da obra constata-se através do seguinte relato:
 

“A inauguração solene e oficial do estabelecimento deu-se aos 24 de maio de 1916. O edifício sumamente moderno, consoante os ditames da época achava-se e ainda se acha, construído numa área de 4694,37 m 2, sendo realmente construída num total de 2145,95 m 2. Possue 72,5 m de frente e 64,75 m de fundo, três pavimentos e abriga, atualmente as seguintes dependências, que servem aos diversos cursos – pré-primário, primário, ginasial, colegial científico e normal: salão nobre para festas, 2 diretorias e uma vice-diretoria, secretaria, inspetoria, 2 salas de orientadores educacionais, Sala Brasil, 2 salas de professores, salas ambientes para desenho, trabalhos manuais, física, ciência, química, prática de ensino e curso pré-primário, sala de medidas biométricas, 2 salas de sopa escolar, arquivo, depósito, anfiteatro, gabinete dentário e 14 salas de aula comuns. O páteo de recreio ocupa uma área de 1180 m 2 e possue dois galpões.” [1] 

Sobre a Escola Normal, seu prédio continua funcionando até hoje. Reformado recentemente, está em boas condições e atualmente é sede da  Escola Estadual  “Cardoso de Almeida”. Quanto à qualidade do ensino ministrado, podemos dizer, não é a mesma. Não querendo ficar numa postura saudosista simplista,  é necessário constatar que, entre outras razões, à ampliação quantitativa ocorrida no ensino correspondeu  uma queda qualitativa  deste. Na época da criação da escola,  e por muito tempo subseqüente, os alunos ingressantes  constituíam  uma elite.
            No tempo da Escola Normal,  realçou-se a atuação de alguns professores, denotando a concepção de educação predominante na época. Na aula do professor Campos a disciplina era absoluta. Não se concebia que alguém tivesse a ousadia de brincar em sua aula. Já o professor Fornos de francês compendiou  os seus conhecimentos em livretos acessíveis aos seus alunos, e a eles gratuitamente distribuía. Sua coleção de verbos franceses tornou-se famosa.  O professor Francisco Pedro do Canto Júnior era farmacêutico, suas aulas eram pesadas, maciças, sobrecarregadas de matéria. Apesar dos excessos de matéria, do trabalho insano destinado a seus alunos, desfrutava de um renome muito grande.
            A biblioteca da Escola Normal se destacava. Anita Helene Bokermann e Elza Sansom Lyra,  comentam a respeito:
 

“A biblioteca de nosso Instituto de Educação é uma das mais completas e melhor organizadas de todo o Estado. Possue, por estatística recente, 3452 livros, além de coleções de periódicos e revistas. Possue fichário didascálico, onomástico e por assunto; está organizada pelo processo decimal de Dewey. Dada a sua importância, está filiada ao Instituto Nacional do Livro. O número de consultas, levado a efeito no ano de 1952, principalmente por alunos dos cursos Normal e científico, foi de 5100. Contém obras de real valor e sumamente raras”. [2]       

            Ao mesmo tempo que havia um cuidado com os livros, também existia, nas escolas em geral, uma grande valorização da música. Todas possuíam o seu hino. Durante muito tempo, o excelente orfeão do Grupo Escolar Rafael de Moura Campos era muito apreciado na cidade. No Grupo Escolar Dr. Cardoso de Almeida, o porteiro Vicentinho, pianista, flautista e compositor, brindava os pais dos alunos com suas peças e seu virtuosismo flautístico. 

Um pouco da História de Botucatu: a greve ferroviária da E. F. Sorocabana em 1.963
(
Artigo publicado no Jornal "A Cidade") 

Na tentativa de caracterizar a cidade de Botucatu na década de 50 e início dos anos 60, temos algumas informações: 1)  De acordo com  dados do Censo realizado pelo IBGE, em 1950 a população botucatuense apresentava-se com 41.264 habitantes, e em 1960 com 44.767. 2) Uma atividade social bastante difundida, estava no ato de freqüentar o cinema. Existiam 3 cinemas e a televisão, na sua época inicial, era uma raridade nos lares botucatuenses. 3) Havia um político de destaque e com grande prestígio na cidade, chamado Emílio Peduti. Vereador no período de 1948 a 1962 e prefeito da cidade por duas vezes, de 1952 a 1955 e 1960 a 1963, ano de sua morte. 4) Houve uma  luta árdua dos políticos locais, para a criação da FCMBB(Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu). Depois de mais uma década de reivindicações, e uma disputa com outras cidades do interior paulista que também desejavam a faculdade, a  inauguração ocorreu em 1963.
            Dentro dessa conjuntura, nos remeteremos à importância da ferrovia para a cidade. Estamos falando da Estrada de Ferro Sorocabana, inaugurada em 1875, fazendo a ligação entre Sorocaba e São Paulo. Depois de muitas dificuldades para transposição da cuesta botucatuense, os trilhos chegaram na cidade em 1889, trazendo enormes vantagens no transporte das mercadorias e na comunicação em geral. A Vila dos Lavradores, com suas oficinas e residência dos ferroviários, cresceu em função deste importante meio de transporte. Na década de 50 e início dos anos 60, já existia uma política favorável à rodovia e um desprezo pela ferrovia,  entretanto esta ainda possuía grande importância.
            Com o início da decadência da ferrovia, o prestígio e os salários dos ferroviários  começaram a declinar. Então começaram a se organizar e a reivindicar melhores condições de vida e de trabalho. O sindicato dos ferroviários, criado em 1933, teve vida curta. Durante a ditadura do Estado Novo, no ano de 1940, o governo Getúlio Vargas proibiu a atuação desse sindicato,  em conjunto com as categorias dos marítimos e portuários. Com o fim da ditadura em 1945, os ferroviários começaram a lutar pela criação de uma associação representativa dos interesses ferroviários, uma vez que o sindicato continuava proibido. Dessa maneira, em 1951, no antigo e extinto Cine Espéria, situado próximo à "Praça do Bosque", houve uma manifestação dos ferroviários de toda a Estrada de Ferro Sorocabana, onde se criou a União dos Ferroviários da  Estrada de Ferro Sorocabana.

            No ano de 1963 tínhamos como presidente do Brasil João Goulart, e como governador do estado de São Paulo, o líder do PSP (Partido Social Progressista) Adhemar de Barros. Este realizou um acordo com os ferroviários envolvendo a reestruturação das carreiras, porém não cumpriu. Em novembro, os ferroviários partiram para a greve, e esta durou dezoito dias, com grande repercussão na cidade. Os ferroviários aposentados, hoje dentro da faixa dos  70 e 80 anos, lembram com  grande saudosismo desse momento, e de muitos outros vividos na antiga Sorocabana. Os jornais botucatuenses do período, como A Gazeta de Botucatu, Correio de Botucatu e Folha de Botucatu, noticiaram a greve. A tendência política desses jornais, e a maneira como noticiaram esse movimento, constitui-se no principal objeto da dissertação de mestrado, que estou terminando de escrever. Quem se interessar pelo assunto, em breve poderá obter maiores informações nessa dissertação, realizada no Programa de Pós-Graduação "Comunicação e Poéticas Visuais" da UNESP, câmpus de Bauru, com o título A Imprensa e o movimento grevista ferroviário de 1.963 em Botucatu.


[1] BOKERMANN, A., H.  LYRA E., S,  A., Educação em Botucatu. Mestres, Escolas e Instituições Culturais Botucatuenses,  p. 28.
[2] Ibid, p. 36.

Marco Alexandre de Aguiar é professor de História da E.E. Cardoso de Almeida - EECA.
Em breve será publicada em forma de livro, com o título provável BOTUCATU: IMPRENSA E FERROVIA