RETEXTUALIZAR É PRECISO

A revisão de texto é um excelente ponto de partida para as reflexões

acerca da língua e da estrutura do texto escrito.

                                                                                                                   Por Eliete Carvalho

A produção de texto na escola sempre foi alvo de correção, crítica e preconceito. Sempre se questionou o erro do aluno como inaceitável ou mesmo comprometedor, na medida que os textos apresentam repetição, marcas interacionais, erros de ortografia, concordância, desarticulação de idéias, entre outros. Mas nunca deram a chance de os alunos revisarem os seus próprios textos, antes seus textos servem para ser expostos com comentários desnecessários, quando não são dados conceitos negativos que acabam afastando cada vez mais os alunos de sentirem vontade de escrever.

As redações consideradas fracas ou ruins recebem nota baixa, revelando a incapacidade do aluno de não saber redigir ou até mesmo de não saber português. É proibido errar na escola. Quando se erra, corre-se o risco de ser “mal” visto pelos próprios professores de língua portuguesa.

Em Rosa (1999: 168) encontramos a seguinte citação em relação aos erros dos alunos:

A escola tem dificuldade em lidar com os erros. Há uma tendência em não aceitar que o estudante escreva errado. Há premiação para quem escreve, anotações de parabéns, estrelas, carimbos...Quem vai mal, caneta vermelha, nota baixa e a célebre mensagem: cuidado, precisa estudar mais!

Fica claro que o aluno não pode errar, caso contrário, passará a receber conselhos de que precisa melhorar, ou então, de que merece estudar para poder passar de ano. Como se o aluno errasse por que quisesse. Geralmente o aluno recebe o texto todo riscado de caneta vermelha e esperar-se que ele memorize a forma correta de se escrever. Ou seja, ensina-se apenas a gramática pela gramática e nunca lhe é ensinado a refletir sobre seu erro, sobre a melhor forma de escrever, de estruturar, de organizar as idéias, enfim de reestruturar o texto quantas vezes for necessário. A preocupação não é com o conteúdo, isto é, as idéias e sim com forma, melhor dizendo, com a correção superficial do texto. Desta maneira, sugerem-se as substituições dos chamados “erros” em detrimento da forma correta de se escrever.

A esse respeito Fiorin (1999:9) nos alerta: A escola ensina os alunos a ler e a escrever orações e períodos e exige que interpretem e redijam textos”.

Desse modo, os alunos pagam por um mal que não cometeram e muitas vezes terminam sendo reprovados sem nenhuma outra chance de serem reavaliados. Mas como pode a escola cobrar que os alunos escrevam bons textos se ela não foi capaz de ensinar a pensar? É por esta e outras formas arbitrárias de se ensinar que os alunos têm medo, não gostam de português e muito menos das aulas de redação, pois o que lhes é ensinado serve muito mais para oprimir do que para libertar. Ou seja, o ensino da língua termina sendo inútil na medida que está distanciado das reflexões, das análises e das reais necessidades dos alunos.

A escola acredita que ensinando a língua a partir da análise de frases isoladas e fragmentadas, o aluno será capaz de colocá-la em prática, ou melhor, de usá-la adequadamente.

Dessa maneira, os textos dos alunos significarão pouco, pois o que vimos acerca da produção textual são comentários do tipo: “os alunos não sabem escrever”, “os textos são muito pobres”; do ponto de vista meramente gramatical.

Ora, quem escreve não está passível de cometer alguns erros. É natural que a primeira versão de um texto apresente falta de sentido em alguns parágrafos, que os parágrafos não se encaixem, que as idéias precisem ser melhoradas, quase sempre resultado de um trabalho feito às pressas na sala de aula. É aqui que surge o trabalho com a retextualização, solicitado pelo professor, mas, sobretudo, orientado por ele. Nele, os alunos podem discutir e refletir sobre a estrutura do texto escrito, afinal de contas é uma ótima oportunidade de se exercitar o pensamento lógico, de se encontrar o efeito desejado tanto para escritor como para leitor.

Com relação a   esta  questão  Rosa (1999:9) ainda nos diz:

É mexendo e remexendo, desmontando e remontando, recortando e    costurando que ele(o texto) vai tomando uma alma mais compreensível e harmoniosa.

Revisar texto é muito importante, principalmente quando se pretende ensinar ao aluno a estrutura do texto escrito. É bom lembrar que revisão nada tem haver com a chamada “correção”, pois ela difere na proporção que o texto não é visto fragmentadamente e sim como um todo, que estabelece sentidos e, conseqüentemente, mensagens. É também uma ótima oportunidade de se discutir a coesão e coerência, além de ser uma  possibilidade única de se praticar com o aluno o exercício do pensar. Nesse sentido, de nada adianta mostrar o texto ao aluno todo riscado, corrigido, é preciso dar-lhe a oportunidade de rever o seu texto. Nesse sentido, o texto deixa de ser entendido como uma estrutura acabada (produto), passando a ser abordado no seu próprio processo de planejamento, verbalização e construção (Koch, 2000:21)”.

Ainda de acordo com Rosa (1999:171), são necessárias atividades que incentivem os alunos a revisarem os seus textos, tais como:

    Definir o que vai ser discutido durante a revisão: pontuação, ortografia, separabilidade, início do texto

          Marcar onde pode entrar mais alguma coisa no texto;

          O aluno deve apresentar suas estratégias de revisão. Mostrar o texto antes das mudanças e contar como e por que mudou.

                            O texto a ser revisado pode seguir diversas orientações, através das quais a redação sofrerá alterações, principalmente quando houver: substituição de palavras, redução de uma oração, ampliação de uma idéia, eliminação de palavras repetidas, eliminação de chavões, ou ainda mudanças de parágrafos.

Assim, o trabalho de retextualização justifica-se porque:

Desenvolve a capacidade crítica do aluno;

Oportuniza os alunos a discutirem e a (re) criarem seus próprios textos;

Propicia momentos de reflexão acerca da língua e da estrutura do texto escrito;

Cria espaço para a troca de texto entre os alunos;

                           Nesse sentido, o aluno deixa de ser passivo para ser sujeito ativo de todo processo, desde a primeira versão do texto até o produto final (texto revisado).

O texto abaixo seguiu as atividades de retextualização, apresentando mudanças significativas:

 Texto – 1ª versão

A minha casa

Era um dia de sexta-feira, um dia de sol, eu fiu na casa vizinha, quando voltei começou a chover muito forte. Quando sair para fora minha mãe e meu pai estava sentado no banco do terraço olhando as coisas  de  Deus  fez. 

Eu falei para ela, mainha irmã Cícera mi falou que  tem dois  cara  atrás  das  casas,  e  ela entrou logo para dentro. 

Ipainho dice que mulher mole, e eu comecei a rir dela, era uma noite linda o ceu estava estrelado. Minha casa é grande e é branca mais pintei de rosa para não ficar sem cor, ela tem um terraço e têm flores na frente da minha casa. (redação da 6ª série).

                       Texto – 2ª versão

A minha casa

 

Era um dia de sol, numa sexta-feira.

Eu fui à casa da vizinha, quando voltei começou a chover muito forte.

Quando sair, minha mãe e meu pai estavam sentados no banco do terraço, olhando as coisas que Deus fez.

Eu falei para minha mãe:

- A irmã Cícera me falou que têm dois homens atrás da casa. Minha mãe logo entrou. Meu pai disse:

- Que mulher mole! Comecei a rir dela.

A segunda versão do texto “A minha casa” mostra mudanças significativas do ponto de vista da retextualização, pois o texto ganhou mais sentido, na medida que foi encurtado, os períodos ficaram mais bem elaborados, além das palavras terem sido corrigidas, como é o caso dos verbos “disse” e “fui”. Houve substituição da expressão “sair para fora”. Quanto à pontuação, o texto é marcado pelo dois pontos, como também o travessão.

Notou-se que o aluno não transcreveu o último parágrafo do texto, isto porque ele não achou necessário para a apresentação da redação. Isto prova que o aluno foi capaz de reordenar seu texto, garantindo uma melhor inteligibilidade do texto. 

O processo retextualização, portanto, é um excelente ponto de partida para as reflexões acerca da língua e da estrutura do texto escrito. Cabe à escola ensinar aos seus alunos a escreverem textos sem medo de errar, pois será a partir dele (o erro) que o professor ensinará a língua em uso. A idéia aqui de erro passa a ser substituída por processo de aprendizagem e passará a ser objeto constantemente de reflexão entre aluno e professor.   

 

BIBLIOGRAFIA 

FIORIN, José Luiz. Elementos de Análises do Discurso. São Paulo, Contexto, 1999. 

ROSA, Maria da Conceição de Carvalho. Salto para o Futuro. Volume 2. MEC. Brasília,1999. 

KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo, Contexto, 2000.

 Eliete Carvalho é professora na cidade dos Palmares-PE.