"Para que haja inclusão, deve-se também oferecer
condições ao diretor, aos professores, porque
não basta falar de inclusão e deixar a escola
como está". Robson (pai de aluno da Escola Plural)
Há muito tempo que a sociedade brasileira reconhece a premente
necessidade de educar nossas crianças e jovens.
Na 1ª década do século passado, Rui Barbosa já
discursava sobre a necessidade de investir na educação
por ser ela o motor da nação. Em 1932, educadores brasileiros
através do Manifesto dos Pioneiros nos dão mostra deste
reconhecimento ao vincularem a solução dos problemas educacionais
à reconstrução nacional:
"Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva
em importância e gravidade ao da educação.
Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar
a primazia nos planos de reconstrução nacional."
No século
passado, nos princípios gerais do plano formulado por Paul Langevin
e Henri Wallon para a educação francesa, os reformadores
estabelecem como necessárias medidas de caráter político
e econômico para que se viabilize as propostas do documento, nos
dando grandes pistas do que poderíamos fazer para democratizar
a educação :
"A reforma do nosso ensino deve ser a afirmação
nas nossas instituições do direito dos jovens a
um desenvolvimento completo. A legislação de uma
república democrática deve proclamar e proteger
os direitos do fracos, deve proclamar e proteger o direito de
todas as crianças, dos adolescentes, à educação.
...
Em especial o efetivo das classes deverá ser como o mestre
possa utilmente ocupar-se de cada aluno ele não deverá
em caso algum exceder 25. "
...
A reconstrução material da escola deve acompanhar
a sua reforma administrativa e a extensão do seu papel
na formação econômica, cívica e humana
da nação.
...
Além disso, o número de mestres em todos os graus
deverá ser aumentado. O prolongamento do tempo de escolaridade
obrigatório, a diminuição necessária
dos efetivos por classe, o papel novo atribuído a escola
para a divulgação geral da cultura, a formação
técnica e cívica, têm por conseqüências
uma nova distribuição do pessoal em atualmente função
e a criação de novos empregos.
...
Por último, o financiamento das medidas sociais (bolsas,
présalaire e salário do estudante) é indispensável
para tornar efetiva a reforma encarada." ( Plan
Langevin Wallon )
Atualmente,
como em vários municípios brasileiros, vimos que Niterói,
continua a busca por alternativas para sua educação, apesar
de parecer que seus políticos ainda não se apropriaram-se
da necessária dignidade nem do sábio bom senso exigidos.
Talvez por isso mesmo possamos sentir no "ar social" o descrédito
dado à educação pública, sendo até
desnecessárias estatísticas, é o senso comum que
nos faz formular a crítica a essa escola pública básica
municipal oferecida que ainda exclui muitos, inclusive os que nela conseguem
ingressar.
Pois bem,
Niterói é um município privilegiado neste nosso
país continental; os impostos dos cidadãos condôminos
(como alguns representantes legislativos gostam de denominar os moradores
de Niterói em suas plenárias), do comércio e das
empresas geram uma receita anual considerável. Caso os 25% dessa
receita fossem aplicados como manda a Lei e ainda acrescidos dos não
parcos subsídios federais exclusivos para educação,
certamente viveríamos em Niterói uma realidade educacional
invejável até mesmo para os países desenvolvidos.
Ora, o
que é que faz uma cidade com esse potencial cultivar em seus
quintais uma imensidão de analfabetos?
Acredito
que se perguntássemos aos pais de alunos da escola pública,
diriam na maioria que a "culpa" é dos professores....
Caso perguntássemos
aos patrões desses pais, creio que a resposta seria a mesma....
Eu não
imagino o que os alunos responderiam e de verdade não sei como
lhes perguntar: Por que vocês fracassam??? É no mínimo
deselegante....
Se me perguntassem,
eu diria a sociedade...
Da ignorância
do analfabeto político ao qual Berthold Brecht faz alusão
"nasce... o pior de todos os bandidos, o político vigarista,
pilantra e corrupto".
Quando a sociedade permite a existência deste bandido, faz com
que inexista o essencial na estrutura social capaz de alterar este quadro
de falência educacional: dignidade e bom senso político.
Tendo como
lanterna o bom senso e como força a dignidade, os nossos políticos
reverteriam o quadro educacional, levariam às escolas uma estrutura
física digna oferecendo assim lugar saudável para profissionais
e alunos interagirem; dobrariam, multiplicariam o quadro de professores
e demais profissionais necessários à manutenção
de uma boa educação escolar, abririam novas escolas para
que essas dessem conta de todas as crianças da nossa cidade,
reduziriam drasticamente o número de alunos por turma e ao invés
de continuar fomentando o ensino privado buscariam investir certeiramente
na formação de nossos profissionais de ensino e na ampliação
de vagas no ensino público. Dessa forma, estaríamos seguindo
as "dicas" deixadas por Wallon para que se consiga com êxito
reestruturar a educação.
Mas para
que existam tais homens públicos é necessário que
a sociedade abandone essa cômoda apatia e se perceba responsável
pela eleição e manutenção desses políticos
no poder público. É essencial que a sociedade civil se
descubra responsabilizada pelos mandatos exercidos por políticos
que por quatro anos têm como dever trabalhar para o bem estar
social.
Afora os
problemas políticos, não fosse o caráter autoritário
que a instituição da reforma educacional assumiu no município
de Niterói, poderíamos dizer que esta se encontra num
caminho de busca, de tentativa de acerto.
Um dos
pontos que compromete a tranqüila passagem do sistema seriado para
o sistema de ciclos em Niterói é exatamente a origem da
reforma. Ela não nasceu das discussões internas de professores,
não surgiu com a troca de experiências pedagógicas
e muito menos como uma real mudança de paradigma , mas sim foi
imposta à Rede Municipal de Niterói como a solução
para os problemas enfrentados na Educação. Como já
vimos, os ciclos não surgem para "solucionar" problemas
mas como uma nova visão da Educação. A Secretaria
deixa claro na sua Proposta Pedagógica a necessidade de se criar
um mecanismo para sanar o resultado de quatro anos de promoção
automática (a defasagem série/conhecimento) e dessa forma
opta pelo sistema de ciclos num movimento contrário à
concepção inicial dos ciclos, já que em Niterói
eles recuperam a prática da reprovação.
Tanto a
promoção automática, mecanismo da escola seriada,
quanto o sistema de ciclos implantado pela FME se encaixam na fala do
professor Arroyo quando este se refere a algumas propostas implementadas
atualmente que buscam "facilitar a passagem de série,
eliminar a reprovação por decreto, mas mantendo uma cultura
escolar seletiva, hierarquizadora, seriada e gradeada." (Arroyo,
1997:p19 )
Na formação
continuada ocorrida em outubro de 2002 , percebemos pela fala de uma
professora da Rede, referindo-se ao Seminário Externo realizado
em Teresópolis, que mesmo após quatro anos da implantação
do novo sistema, a sensação que fica na professora é
de exclusão - não só do decidir, mas também
do pensar o processo educativo:
"Na verdade aquele encontro foi um "convencimento"
de que o ciclo é uma boa proposta... Não é
um "pacotão" que a gente (a FME) tá
jogando, a gente quer que vocês(professores) participem.
Embora já esteja tudo decidido." (professora da
Rede)
Como o
movimento de reformulação partiu da Secretaria, os professores
que não tiveram participação na elaboração
das novas diretrizes educacionais para o município, estão
encontrando dificuldades na transposição da seriação
para os ciclos. E, como já vimos, não podemos classificar
esta dificuldade simplesmente em "resistência". Os procedimentos
usados na implantação do novo sistema se deram de tal
modo que os professores foram isentados do processo de reflexão.
Aliás, isso é no Brasil um processo histórico que
vem no decorrer das décadas retirando do professor a autonomia
necessária para um trabalho pedagógico independente e
criativo....reflexivo e construtivo.
Na organização
por ciclos em Niterói, imposta por um poder hierarquicamente
superior, o ano Letivo sofreu uma alteração, meramente,
quantitativa, passando a se organizar pelo "tempo" equivalente
ao de dois Anos Letivos (quando a organização dos ciclos
se dá por biênios) mas manteve sua estrutura seriada, com
a conseqüente compartimentalização das disciplinas
em seus tempos rijos. Esta passagem acabou escamoteando o pensamento
inicial que rege os ciclos, que é de permitir que o aluno se
desenvolva de acordo com suas possibilidades e particularidades e não
dentro de objetivos propostos para cada "série", sendo
assim, inicialmente esta mudança acaba se dando teoricamente,
já que na prática, os professores, supervisores , os próprios
alunos acabam estabelecendo que o 1º ciclo equivale à Alfabetização,
1ª e 2ª Séries do antigo 1º Grau e não
à uma nova forma de pensar / ver/ fazer a Educação.
Esse fato parece ocorrer por termos uma visão de Educação
a serviço de uma sociedade meritocrática, hierarquizadora
e excludente.
É
função da escola "ensinar" e ela não
tem como se isentar desta responsabilidade. Vejo os ciclos como uma
tentativa de garantir ao aluno um processo de aprendizagem mais coerente
e eficaz, de garantir que a escola cumpra sua "função".
No meu pensamento, ciclos não mudam simplesmente o "quê
se ensina, como se ciclo significasse "afrouxar", ao meu ver
muda prioritariamente o "como", o "porque" se ensina
e avalia. Essa alteração implica em revisão do
que entendemos por sociedade, por formação de indivíduo.
A questão
é que, no momento, os professores em sala de aula estão
tendo que adaptar os ciclos ao sistema que vigorava até dois
anos atrás (a progressão automática, que como nos
caso dos ciclos, isolou a professora do processo reflexivo), os resultados
aparecem em declarações de professoras que atestam a dificuldade
de se "adequar" e responsabilizam em grande parte a estrutura
organizacional oferecida à escola. Como uma escola com um quadro
incompleto de professores, com imensa defasagem idade/ano de escolaridade
conseguirá implementar um sistema inovador de Educação?
Um sistema que exige um grau de comprometimento (em relação
ao tempo que se necessita demandar para obter sucesso nas experiências
com ciclos) ainda maior que no sistema seriado, onde se pressupunha
que bastava estabelecer objetivos únicos para toda uma turma
e que trabalhar neles seria suficiente para atingirmos os níveis
desejados de aprendizagens individuais.
Com os
empecilhos estruturais elencados acima, a mudança que é,
a priori, conceitual, corre o risco de se perder em meio às várias
intervenções que são feitas, ou mesmo a ausência
delas, nas unidades escolares na tentativa de transpor para o cotidiano
escolar mudanças que foram gestadas para além de seus
limites físicos e/ou ideológicos. Não há
verdadeira práxis se os sujeitos que dialogam teoria e prática
não são os mesmos! Enxergar e referendar a escola como
receptora de conhecimentos produzidos em instâncias exteriores
a ela, é privá-la e a seus profissionais do papel de sujeitos
pedagógicos, de construtores de conhecimento.
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