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A escola!!

 


Como professora da rede a minha preocupação é definir em que sistema nós vamos educar nossos alunos para que possamos ter coerência em nossas ações. Acredito, sem dúvida, que a intenção de todos nós na escola é a melhor!

Apesar de saber que só nos é possível termos a visão dos fatos a partir de "montinhos de areia" diversos e singulares, tenho clara a idéia de que para "optarmos" por uma tendência, para estabelecermos o que queremos como Educação, precisamos estruturar o coletivo! Mas é aqui que entro em conflito com o pensamento que parece estar dominando nossa prática escolar: o coletivo "reflexivo", por não estar estruturado, submete-se ao olhar individual.

A escola está optando por um sistema de ciclos onde as competências vão sendo transformadas em conteúdos disciplinares, mantendo distante das discussões pedagógicas um estudo intencional e voluntário do que possa vir a ser um ciclo de ensino baseado no desenvolvimento global do sujeito e das transformações necessárias em nossa prática. Assim sendo, a opção pelo sistema no qual estamos trabalhando foi estruturada individualmente a partir de convicções já sedimentadas sobre Educação. A forma como foi definido empobrece sua opção. O grupo, apesar do contato com novas teorias e pensamentos educacionais, seja por iniciativa própria ou porque a Secretária proporcionou, se mantém resistente às mudanças usando inclusive o discurso de que "é necessário ser flexível, porém a mudança já provou ser errada."

Sempre que a equipe é pressionada em relação às mudanças, aparecem frases como:


- Já estamos trabalhando em ciclos!
- Já tentamos isso!
- Isso não dá certo!

 


"Quebrar hábitos e rotinas de trabalho exige esforço e o novo, e ainda desconhecido, pode criar certa angústia. Essas resistências de ordem psicológica, afetiva, epistemológica, material e pedagógico-didáticas vão do "medo de não ser capaz", às interações em desequilíbrio, vão do "não sabe" ao ter dificuldade em organizar e avaliar o trabalho até então executado de modo diferente."(Ernani Lampert,2000, 28)

 


Estas resistências, este "não-saber" nos levam a optar por ações que tenham sustentação em nossa formação cotidiana onde estão imbricadas nossa prática e nossa teoria.Pensa-se em "burlar as leis"¹ dos ciclos porque na realidade a idéia dos ciclos foi entendida e aceita como nada além de uma mudança na nomenclatura com o intuito de garantir índices de escolaridade mais elevados. Ninguém deixou de pensar em "séries", motivo que parece tornar legítimo ao coletivo da escola "burlar as leis".

Com esse pensamento, nossa escola coloca em prática um sistema que traduz ciclo de aprendizagem em aglutinação das antigas séries escolares, talvez, por este ser um movimento que possa ser entendido pelo corpo dos professores da escola.

Nas reuniões ocorridas no início de 2002 foram estabelecidos os conteúdos mínimos para cada ano de escolaridade pelos profissionais "responsáveis" pelos respectivos anos nos ciclos. Nesse processo participei como professora de uma turma do 2º ano de escolaridade fazendo um levantamento do que eu julgava importante para o 2º ano do 1º ciclo. A seleção dos conteúdos²foi feita com base na turma em que eu estava e o que julgava que eles estivessem dominando ao final do ano (na verdade as chamadas "competências" visando a aplicação de seus recursos cognitivos, porque os recursos afetivos foram alijados do processo). Seguindo a orientação do grupo, o priorizado foi um rol de conteúdos, dentre os estipulados pela Fundação Municipal de Educação, que eu julgava pertinentes à etapa que eles estavam cumprindo. A escolha dos "conteúdos" não partiu de uma definição prévia do "indivíduo" que a escola queria formar, o processo subverte um conceito inicial ao "formar" o indivíduo a partir dos conteúdos. Nesse movimento, a escola selecionou para cada ano de escolaridade as competências a serem aprendidas e exigidas na passagem de ano, vinculando claramente o sucesso do aluno à aprendizagem do conteúdo padronizado para cada período.

A escola utiliza largamente um artifício do ciclo em Niterói: a organização das turmas com base no conhecimento demonstrado pelo aluno, avançando-o, retendo-o e em alguns casos até atrasando-o, apesar de haver orientações contrárias a essa possibilidade. A escola durante o Ano Letivo tem como prática "avançar ou reter" o aluno dentro do ciclo, mudando as crianças de turma, separando-as de acordo com o seu nível de conhecimento e é nesse ponto que as professoras se sentem mais próximas da proposta - avançam ou retêm com base nos conteúdos definidos. A busca é sempre pela turma mais homogênea possível e os critérios de classificação e reclassificação são, como não poderiam deixar de ser, absolutamente subjetivos.

Quando questionadas se existe realmente necessidade de se buscar turmas homogêneas, a resposta é sempre a mesma:

 

- "Mesmo que quiséssemos nunca conseguiríamos, eles são muito diferentes!"

 

Nem a rede, nem a escola passou em qualquer momento por uma fase de questionamento da seriação, da sociedade, da formação do indivíduo. As alterações de nomenclatura se deram, mas não vieram acompanhadas de alterações na concepção de homem e mundo praticadas, as reflexões necessárias para isso foram postergadas para o futuro.

Com isso, a tendência de todos é tentar explicar os procedimentos dos ciclos, sua funcionalidade e necessidade a partir de nossos olhares seriados, dessa forma ao invés de procurarmos estratégias que possam dar conta da aprendizagem dos alunos, passamos os dias, as reuniões, buscando as estratégias de sanções aos alunos que não atingem os objetivos arbitrariamente estabelecidos para cada ano de escolaridade.

Para revertermos a situação de passividade vivida pelo professor que por conta de uma formação fragmentada tem seu olhar centrado no erro ou no acerto do aluno e por isso deixa passar desapercebidas as possibilidades por eles apresentadas no processo de aprendizagem (como a professora que se surpreendeu com a produção de uma de suas alunas), faz-se necessária a construção do profissional reflexivo. Aquele que será capaz de mediar o cotidiano da sala de aula com as informações que recebe e transformar! Um profissional capaz de refletir sobre sua própria prática e evitar assim a armadilha que o leva a dizer em tom de muxoxo:

 

- Nossa, eu já fiz tudo que sei. Como é que eles não aprendem?


Atuar na formação continuada dos professores revela-se uma prioridade; não uma formação qualquer, mas aquela que potencializa a dimensão reflexiva que a própria atuação docente traz em si. Apesar de todos os problemas que a implementação do sistema de ciclos em Niterói vem enfrentando, pode-se encontrar, no processo, alguns indícios de que vagarosamente ele está se tornando um objeto de reflexão para o corpo docente. As professoras expressam seu momento de reflexão, indagam, questionam, mesmo que para negar a proposta.

Segue abaixo, um depoimento escrito de próprio punho por uma professora (atual diretora) da unidade escolar lócus da presente pesquisa sobre a Educação em Niterói, que apresenta um discurso cuja linha exprime em grande parte o pensamento do grupo e revela alguns dos olhares possíveis dos profissionais ante as políticas educacionais oriundas da Secretaria de Educação:

 

"Como a promoção automática aconteceu?

Baseado ainda na lei 5692, foi determinado que o aluno não ficará mais retido por falta de conteúdos.

Acredito que a preocupação maior se dava em função do número de evasão escolar.

No município de Niterói, foi implantada a promoção automática em 94/95, junto com a avaliação continuada que colocava o aluno em avaliação constante e não somente através de provas com notas.

Mudou o Secretário de Educação, e então abriu-se a possibilidade de retenção do aluno ( com restrições), isto é, o professor "avaliado".

No caso de reprovação, o caso passaria por diversas análises. Para se reter um aluno, o professor deveria provar que ele não foi capaz de alcançar os objetivos de aprendizagem, apesar de todos os esforços por ele empreendidos ...

Mas tarde, surgiram os ciclos, em 1999.

Como aconteceram os ciclos?

Deu-se início aos estudos sobre os ciclos. Nas escolas houve a "comunicação" que, a partir desta data, se trabalharia com ciclos. Em alguns momentos, no decorrer do ano, aconteceram alguns poucos encontros entre os professores da escola para se discutir o que era o ciclo. O que acredito não ter ficado claro para ninguém.

Pois bem... os ciclos atualmente na nossa rede não funcionam como deveriam , pelo simples fato de que as séries não foram abolidas. E seriação com ciclos não combinam, a proposta de se trabalhar com ciclos compreende mudar a forma de avaliar o aluno, dar um período de tempo para que ele consiga chegar aos objetivos, e quando o aluno tiver dificuldade em alguma área, ele partiria da onde ele parou, ou avançaria caso houvesse condições para isso. Dentro do ciclo ocorre essa mobilidade, trabalhando com séries isso já não é possível, os objetivos se tornam mais específicos e menos abrangentes."

S. G. S. - Professora da Rede com 6 anos de atuação

 


É possível perceber em algumas passagens do depoimento o quanto o professor foi sendo alijado do processo decisório das políticas educacionais, mesmo quando a decisão dependia intrinsecamente da relação professor/aluno, como a questão da não retenção:

      • No município de Niterói, foi implantada a promoção
      • Mudou o Secretário de Educação, e então abriu-se a possibilidade de retenção do aluno.
      • Deu-se início aos estudos sobre ciclos. Nas escolas houve a "comunicação" que, a partir desta data, se trabalharia com ciclos.


Não vislumbramos em nenhum momento da fala da professora, a possibilidade de reflexão sobre o porquê das políticas públicas implementadas a cada troca de secretário. As concepções educacionais já estabelecidas não foram postas em discussão, o que subiu no palco foram as mudanças administrativas, mesmo que essa não fosse a intenção dos gestores da educação em Niterói.

O questionário (anexo VI) usado durante a etapa de coleta de dados também oferece informações relevantes para uma melhor percepção do processo reflexivo que a adoção do sistema de ciclos demanda. A análise dos dados me ajuda a compreender como os professores estão se inserindo no novo processo.

O que primeiro chama a atenção é o fato do reduzido número de questionários que retornaram (anexo VII). Do universo de vinte e três profissionais, que seriam o público alvo da pesquisa, apenas dez manifestaram opinião. Para efeito de pesquisa o número dá conta, mas também é revelador.

Se considerarmos como indicativos definitivos números que atestam que menos de 50% do universo pesquisado respondeu ao questionário e que desses , 70% acreditam que a mudança não se concretizou e 60% que a mudança não é boa para a Educação no município de Niterói, poderemos incorrer em erro. Em breve análise das respostas, pode-se perceber que a "resistência" passa muito mais por um "não saber" do que por convicções teóricas ou práticas de que a mudança proposta seja negativa.

As respostas parecem "tatear" em torno do discurso teórico oferecido aos profissionais pela Fundação Municipal de Educação, como já vimos, a FME em alguns de seus "espaços formais de aprendizagem para o professor", as chamadas Formações Continuadas, que inclusive são marcadas no calendário letivo no início do ano, ofereceram aos professores o que vou chamar de "palavras-chave". Todos as reproduzem: continuidade, processo, tempos adequados, avaliação, construção de conhecimentos, mas a prática reflexiva que preencheria o "vazio" das expressões não acontece na intensidade necessária. A pouca reflexão sobre o sentido pedagógico das palavras reproduzidas possibilita que 60% dos entrevistados afirmem que o sistema de ciclos não é uma boa opção. Ao mesmo tempo que, apenas 10% ateste que a mudança de série para ciclo mudou apenas a nomenclatura e que a prática continua a mesma, 30% acreditam que a mudança está acontecendo por conta de estarem havendo "discussões" e continuidade no processo de aprendizagem/ensino e os 60% que não sabem responder não se posicionam contrários aos ciclos mas afirmam que não acontece porque falta estudo, esclarecimento, gera muita confusão e , contrariando os 30% que acham que a mudança já está ocorrendo, porque a continuidade do ensino está apenas na tentativa, não ocorrendo realmente.

Podemos perceber um consenso entre os profissionais quanto ao aumento do tempo dado ao aluno para seu processo de aprendizagem : 50% afirmam ser este o maior significado dos ciclos e 60% atribuem ao projeto dos ciclos o que foi chamado de "continuidade" do ensino.

O que parece estar implícito no discurso apreendido pelas respostas ao questionário nas ações do cotidiano dos profissionais da escola que pude perceber através das minhas observações é: como? Como "praticar" o que no "discurso" teórico parece ter coerência e eficácia, mas que o dia a dia traz à tona as inúmeras dificuldades inerentes a qualquer mudança.

As respostas talvez já tenham sido enunciadas no questionário, pelas próprias professoras. Parece não haver entre os professores dúvidas quanto a necessidade de estudo, mas, ao que parece, um estudo descolado da reflexão, já que em suas falas eles afirmem que "ninguém ensinou a eles."

Entre os professores que acreditam nos ciclos e os que acham que esse sistema não é bom, todos acreditam que falta estudo, reflexão sobre o tema. A necessidade está, agora, em que o professor construa ele próprio seu conhecimento sobre ciclos e a partir daí coletivamente estipulem as possibilidades práticas. É necessário o professor assumir o seu papel de pesquisador e não somente de receptor de ideários preparados a sua revelia.

 

Notas:

¹. Em nossas reuniões pedagógicas esta é uma expressão recorrente: "Como podemos burlar as leis?" . E o repertório de sugestões é variado.

².Estes conteúdos tinham para mim a função de estratégias pedagógicas que seriam usadas para atingir um objetivo maior, a apreensão dos conceitos de leitura , escrita , lógico- matemáticos, ser vivo, ambiente, espaço- tempo, cultura que estipulei a partir da proposta pedagógica da fundação. Nunca abandonamos as receitas!

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