E cremos!
Cremos no fracasso, cremos na impossibilidade, cremos que a Educação
é a "solução", cremos que o pai é
o culpado, o aluno o coitado e o professor o prejudicado. Cremos que
o governo atrapalha e a comunidade acata. Cremos que a culpa não
é nossa, que fazemos o máximo, que enxergamos a realidade!
E cremos
ainda em tantos outros e tão diversos mitos em respeito à
Educação...
Poetizar
a história de uma cidade pode não prejudicar, ao contrário,
pode congregar sentimentos favoráveis a ela. Mas mitificar situações
referentes à Educação pode conduzir-nos a caminhos
equivocados e quiçá danosos.
Com este
trabalho busquei explorar um mito em particular, um mito estruturado
recentemente, aquele que no momento coordena minha visão sobre
a Educação e tentar, quem sabe, iluminá-lo .
Qual mito
?
As práticas
divinatórias (Antunes, vídeo:s/d)
que norteiam a visão dos professores em relação
à (im)possibilidade de alteração do sistema seriado
para o ciclado de ensino. Uma diretora perguntada sobre como estavam
os ciclos em sua escola, respondeu que: "quando os ciclos fossem
uma realidade ela se preocuparia, por enquanto o que importava era se
o aluno aprende ou não aprende o conteúdo". Ou seja,
quaisquer que sejam os motivos, existe a crença entre os profissionais
de que o sistema de ciclos não se efetivou.
Motivo ?
A cada
observação minha percebo o quão parcial estou/estamos
em relação às posições que vou/vamos
assumindo. Minhas reflexões sobre ações minhas
e de outros professores demonstram a dependência que nossas atitudes
têm em relação aos mitos estabelecidos. Nossas possibilidades
de intervir no sistema para efetivamente alterá-lo depende do
quanto conseguiremos flexibilizar a cultura que vivenciamos e pela qual
somos formados.
A mudança
do sistema seriado para o sistema em ciclos me parece exigir não
apenas uma revisão de termos pedagógicos ou uma nova safra
de jargões educacionais, mas uma verdadeira mudança de
paradigma educacional e social.
A primeira
impressão que guardo do assunto ciclos foi sentida em uma conversa
informal com uma amiga, também professora, que havia ingressado
na rede municipal no ano que em que os ciclos foram instituídos.
Em 1999, depois de uma reunião com os professores do pólo
ao qual pertencia, a professora me fez a seguinte colocação:
"- Hoje, o Secretário de Educação
disse que não queria mais ouvir a palavra série ,a
partir de 1999 a Rede trabalharia somente por ciclos . E que os
professores tinham que "aprender" a falar CICLO no lugar
de SÉRIE. Pois muito bem, eu dou aulas para terceira série
e vou continuar chamando de terceira série!"
Será que uma mudança como a pretendida com a adoção
do sistema de ciclos pode ser iniciada apenas mudando a nomenclatura
do que existe?
Será
que deve uma professora fincar o pé na seriação
se o trabalho não dá bons frutos?
A declaração desta professora poderia ser categorizada
como "resistência" de um profissional sedimentado a
uma saudável tentativa de melhoria da qualidade do ensino público.
Também poderia ser categorizada como saudável tentativa
de manter íntegra a Educação, mesmo com as vis
tentativas do poder público de achincalhá-la.
Como pode
não ser qualquer das duas possibilidades, o que eu tendo a acreditar,
talvez uma pincelada de cada e de mais algumas...
Talvez
este recorte da fala do secretário possa nos levar a incorrer
em erro de julgamento, mas também pode nos dar algumas pistas
de como ocorreu o processo em Niterói. Podemos perceber, pela
declaração, que os professores, reunidos em pequenos "grupos",
foram "informados" que um "coletivo" transcendente
a eles havia se reunido, estudado e deliberado que o sistema de ensino
na Rede Pública de Niterói mudaria e agora os professores
deveriam implementar o que a FME determinou.
Inicio
este trabalho com um "(pré) conceito" em relação
ao movimento inovador na Educação de Niterói já
estabelecido : " Faltou e falta, entre os professores, reflexão
e discussão no processo"!
O texto
apresentado é uma primeira aproximação do tema
que entre os profissionais das escolas da rede municipal de Niterói
demanda discussão, aprofundamento, exploração e
apropriação: a adoção do sistema de ciclos
nas escolas da rede pública municipal.Tem como base para minha
observação a Escola Municipal Eulália da Silveira
Bragança. Mais que apresentar soluções, este estudo
pretende levantar questões.
Num primeiro
momento procuro fazer uma discussão sobre as possibilidades de
ensino por ciclos, seu embasamento teórico, suas vertentes. Tomarei
como referência teórica (fundamentação) e
prática (depoimento de alguns professores) a experiência
dos ciclos de formação no município de Belo Horizonte,
cujo projeto foi intitulado "Escola Plural". Além dessa
visão, caminho pelo chamado ciclo de aprendizagem cuja elaboração
vem recorrendo ao trabalho de Phillipe Perrenoud como referência
significativa. O entendimento do que sejam as "competências
adquiridas" defendidas por Perrenoud é um ponto que me parece
levar as professoras a transformarem educação ciclada
em seriação flexibilizada. Ao que parece, essas competências
são compreendidas como listagens de conteúdos, deturpando
um pensamento inicial que vai em direção a uma construção
de saberes articulados e não à manutenção
da fragmentação do conhecimento.
A seguir,
desloco o foco para a adoção dos ciclos em Niterói
e tomo com campo de pesquisa o cotidiano da Escola Municipal Eulália
da Silveira Bragança, onde, realizei observações
formais (semanalmente no horário de planejamento, encontros de
formação continuada) e informais ( nos corredores, refeitório,
encontros,sala das professoras), entrevistas e um questionário
(realizado em 2001). Nessa escola foi possível perceber que parte
do discurso utilizado em favor dos ciclos foi incorporado ao vocabulário
das professoras, mesmo daquelas que ostensivamente se opõem ao
projeto, o que demonstra haver certo anacronismo. Posição
que eu pude constatar relacionando as observações realizadas
no cotidiano da escola e as respostas fornecidas pelas professoras em
questionário dirigido.
Priorizei o cotidiano escolar em minha pesquisa por me parecer o lócus
mais adequado para apreender a relação das professoras
com a nova organização escolar proposta. O cotidiano por
seu caráter social está constituído por profundas
contradições, de tal modo que há enormes diferenças
entre o falar e o pensar da professora sem que isso, a priori, invalide
suas ações e pensamentos. Ao contrário, esta divergência
é possibilitadora de uma dada realidade cotidiana que encerra,
ou não, as condições para uma efetiva mudança.
Parto da
hipótese de que não existe conflito entre as professoras
e o sistema de ciclos, pelo simples fato de que a inovação
foi encarada burocrática e administrativamente. Segundo escrito
em relatório no final de 2001 apresentado pela escola pesquisada
:
" As nossas escolas , até pouco tempo, eram organizadas
por séries. Desta forma,a tendência é apenas
trocarmos a nomenclatura para ciclos e continuarmos o mesmo processo".
Procuro
no desenvolvimento da monografia verificar a hipótese levantada,
que é baseada na forma como vivi o processo de adoção
dos ciclos nesta mesma escola.
O olhar
deste trabalho monográfico moveu-se em direção
à alteração de paradigma na Educação
(série/ciclos) provocada por alterações Político
Pedagógicas na Rede Municipal de Educação de Niterói,
realizadas através das intervenções feitas pela
Fundação Municipal de Educação na organização
das escolas. A abordagem desse trabalho busca analisar as tentativas
locais de trabalho com a concepção de educação
por ciclos oferecida aos educadores e a forma como esta se relaciona
com as concepções dos professores da escola pesquisada
e busca entender ou visualizar como esta se dando a apropriação
desta mudança pelo coletivo de professores em um lócus
específico.
"A
gestação do novo, na história, dá-se,
freqüentemente, de modo quase imperceptível para
os contemporâneos, já que suas sementes começam
a se impor quando ainda o velho é quantitativamente dominante.
É exatamente por isso que a "qualidade" do
novo pode passar despercebida. Mas a história se caracteriza
como uma sucessão ininterrupta de épocas. Essa
idéia de movimento e mudança é inerente
à evolução da humanidade. É dessa
forma que os períodos nascem, amadurecem e morrem".
(Milton Santos)
As reformas sociais, econômicas e culturais ocorridas no país
no último século poderiam apenas com sua enumeração
e brevíssima descrição compor um vasto documento,
já que inúmeras foram as tentativas no período
de minorar os problemas derivados de um sistema econômico capitalista
e de uma formação cultural marcada pelo privilégio
.
Poderíamos
imaginar neste longo documento, um grande espaço destinado às
mudanças na área da Educação que, seguindo
o gosto brasileiro pelas adaptações, não foram
poucas e norteada por "progressistas" ou "conservadores"
visavam uma melhoria substancial no cenário educacional, fosse
em busca do "desenvolvimentismo nacional" ou em torno da democratização
da escola.
Para este
trabalho a simples constatação dessas inúmeras
"mudanças" já é indicativo suficiente
de que o país está num caminho de procura, de construção
da Nação e para tanto necessita de interferências
políticas que quanto mais legítimas forem, maiores chances
terá o país de tornar-se "efetivamente" soberano.
Desde de
o início do século XX, mudanças educacionais foram
alterando a Educação brasileira através de Reformas,
constituições, LDB's . Essas alterações
foram sendo legitimadas e consolidadas ou mesmo descartadas ou "engavetadas".
Esses processos foram contribuindo para a construção da
estrutura educacional que vivenciamos hoje. Neste percurso, nota-se
que, desde o início do século, experiências próximas
do pensamento por ciclos foram se dando, mas estas não se desligaram
do pensamento que organizava a Educação, a estrutura seriada.
Surgiram,
dentro ainda da seriação, experiências nas Redes
educacionais, como a que instituiu o Bloco Único no município
do Rio de Janeiro em 1981, e que tinham um objetivo bem definido: através
da promoção automática ou progressão continuada
propiciar a escolarização com vistas a resolver o problema
do "fracasso", na verdade da distorção série/idade
apresentada na maioria das redes educacionais. O pensamento era de que
se as crianças não fossem retidas, o fenômeno da
evasão e da distorção nas séries seria eliminado.
O tempo mostrou que essa não era a solução para
o fracasso escolar!
No final
do século passado, mais exatamente em suas duas décadas
finais, surgiram no cenário educacional brasileiro experiências
municipais que caminhavam em direção a uma descentralização
da Educação e traziam em seu discurso a proposta de construção
de uma sociedade nova, livre da cultura seriada imposta pela lógica
da exclusão, fruto do modelo social no qual foi estruturada e
ao qual serve.
Todo esse movimento que compõe a história da Educação
brasileira indica que a educação está passando
por um momento de "gestação do novo". Em decorrência
do "gestar" desse processo histórico, vemos, por exemplo,
que hoje, por várias das Secretarias de Educação
do país, a concepção de Educação
por ciclos está se impondo sobre a concepção seriada,
alteração essa que influi e é influenciada por
uma lógica social que valoriza a coletividade e por isso se diferencia
da até então instituída onde o individualismo e
a exclusão são características constitutivas predominantes.
Dentre essas inovações, destaco os ciclos de formação,
que, das propostas que vão em direção a uma nova
estruturação escolar, é a mais radical no sentido
em que rompe completamente com a estrutura disciplinar dos conteúdos
escolares, procura reorganizar a escola tendo como referência
as fases do desenvolvimento humano, busca uma avaliação
processual onde é priorizada a constituição sócio-cultural
do indivíduo.
Os ciclos
de desenvolvimento humano ou de formação não têm
como objetivo a escolarização "estatística"
da população. A escola estruturada neste tipo de ciclos
está inserida num cenário político social que visa
a construção de uma sociedade mais justa e humana que
prioriza a coletividade e rompe com a lógica excludente imposta
pela sociedade do lucro. e o caminho para essa "nova possibilidade
social se dá, inclusive, através de um processo de escolarização.
As primeiras
Redes Públicas a buscarem esta nova
estruturação educacional foram as Prefeituras de Belém
do Pará ( 1992), São Paulo(1992), Belo Horizonte (Escola
Plural- 1993), Porto Alegre (Escola Cidadã - 1996) .
As Prefeituras
que promoveram e buscaram a implementação deste pensamento
educacional eram ligadas ao partido dos trabalhadores, o que justifica
pensar que o que está por trás do movimento ocorrido é
a expectativa de construção de uma outra sociedade.
As discussões
promovidas nestas redes escolares não tinham a função
de explicitar uma proposta gerada no gabinete do Secretário de
Educação e sim a intenção de construir coletivamente
um projeto educacional. O professor Arroyo(1996)
afirma que o trabalho coletivo esteve presente em todos os momentos
de estruturação da Escola Plural, demonstrando a importância
da constituição do coletivo no processo de construção
desta nova escola.
Na experiência
por ele relatada, realizaram-se encontros, alguns polarizados nas escolas
e outros abrangendo toda a Rede, para discutir esta construção.
Buscou-se nesses encontros a máxima participação
de toda a comunidade escolar (pais, professores, alunos) porque o princípio
que regia este fazer Educação previa alteração
das relações sociais e necessitava justamente desta participação
comunitária para efetivar-se.
Aqui chegamos
a uma verificação importante, como vimos, esses encontros
e experiências aconteceram em municípios comandados por
partidos populares, foram realizados antes da redação
final da nova LDB e da compilação dos PCN's, documentos
em que está facultado e sugerido o ensino por ciclos. Pode ser
sintomático a aceitação das Propostas Municipais
por parte das comunidades locais e também do Governo Federal.
Mas o que o Governo Federal pretende ao encampar várias das diretrizes
da Escola Plural / Cidadã e incorporando-as às Diretrizes,
aos Parâmetros Curriculares Nacionais ?
Justamente
porque a história é viva, temos a possibilidade de estar
vivendo uma mudança de paradigma na Educação, que
neste caso se explica através dos pares: série/ciclo,
indivíduo/coletivo. O pensamento sobre a Educação
(o que é, para que serve, qual o fim e tantas outras sentenças)
traz em si objetivos definidos de acordo com a ótica possível
aos educadores de cada época. No momento, para refletirmos a
Educação, nos valemos de um pensamento construído
num período de plena hegemonia das séries, da ordem, das
disciplinas, enquanto o momento atual está nos mostrando a necessidade
de "articularmos saberes" (Morin,
2000) , de buscarmos uma concepção de educação
onde a totalidade deixe de ser vista como algo que para ser compreendido
precise ser decupada em pequenas e lógicas unidades do conhecimento.
Esta mudança no processo de elaborar o conhecimento se articula
a mudança no modo de organizar o projeto educacional.
Os agentes
dessa mudança de paradigma na Educação se encontram
nos gabinetes, nas salas de aula, nos corredores, no refeitório,
nas salas de professor, enfim, na educação escolar e nessa
modalidade o pensar educacional recebe influência do Secretário
ao Servente, do Diretor à Merendeira, do Aluno ao Professor.
Mas dentro deste quadro é inquestionável a influencia
do professor no cotidiano escolar, vários teóricos, como
Schön (1992), Teresa Esteban(2000),
Miguel Arroyo(1999), entre outros,
alertam para a importância de uma prática reflexiva por
parte dos professores e essa é uma atitude que demonstra a relevância
deste profissional. A priori, todo ser humano reflete sobre suas ações,
mas no caso do professor esta reflexão é fator determinante
no processo de aprendizagem/ensino de outro ser humano: o aluno. A sua
reflexão tem interferência direta no caminhar do aluno.
Reconhecer a dimensão reflexiva da ação docente,
não significa colocá-la como figura central na elaboração
de um novo projeto educacional. Significa reconhecer que sua ação
cotidiana produz conhecimentos relevantes, que devem ser considerados,
no processo coletivo em que todos os sujeitos envolvidos na escola compartilham
seus conhecimentos, sonhos, projetos e propostas.
Miguel
Arroyo (1996) em entrevista
sobre a primeira implementação da escola Plural (que adotou
o ciclo de desenvolvimento humano) no município de Belo Horizonte,
afirma que o coletivo de professores contribuiu de forma determinante
para o surgimento de experiências inovadoras como as que fomentaram
a escola Plural:
"A categoria de professores avançou bastante mais
do que muitos governantes, conselheiros e técnicos que teimam
em controlar as políticas sociais. Os professores nos últimos
quinze anos se organizaram e tomaram consciência de seus direitos.
Avançaram na compreensão de que a escola é
um espaço de direitos, não somente dos professores
e funcionários, mas também dos educandos e das famílias.Se
os professores vêm lutando pelos seus direitos próprios,..Como
ser insensíveis ante uma escola que nem sempre garante esses
direitos por seu imobilismo, pela rigidez de suas grades curriculares,
pelo controle central dos órgãos normativos e de inspeção?"
Este recorte
da fala do referido professor parece indicar que a efetiva participação
docente na elaboração de uma mudança nos moldes
da pretendida com o advento do sistema de ciclo é fundamental
para o processo e requer a consciência crítica como elemento
propulsor. Um professor que não acredita, não muda! Sendo
assim, mesmo quando as mudanças são oriundas de instâncias
exteriores, se elas se dão em local onde os professores estejam
envolvidos num permanente processo de reflexão, a inovação
encontra uma crítica consciente e a conseqüente apropriação
das mudanças propostas é um ato integrador que tanto pode
incorporar as mudanças quanto negá-las, mas que certamente
contribui com o processo educacional.
Ora, o
que a escola Plural e a Cidadã propõem com os chamados
ciclos de formação é mais do que a escolarização
em si, é a interferência na sociedade através de
uma política sim de escolarização, tornando a escola
um lugar verdadeiramente capaz de criar, produzir e difundir cultura
. É a aceitação e o desejo por parte dos educadores
de que podemos construir uma sociedade onde a inclusão seja direito
inalienável dentro da escola e fora dela! Parece-me significativo
interrogar os movimentos que fazem com que os sujeitos individuais assumam
como seus desejos as transformações propostas pelas políticas
educacionais, mesmo quando o que é proposto se apresenta como
contraditório aos procedimentos dominantes na sociedade.
"É
bastante difícil livrarmo-nos do efeito hegemônico
das representações sociais sem um esforço intencional,
fundado no conhecimento e na reflexão sobre a prática.
Se os professores (ou qualquer outro sujeito, claro!) vivem seu
cotidiano automatizadamente, assumindo como definitivas as "verdades"
produzidas pela repetição, certamente estarão
bastante distantes da possibilidade de construírem outro
saber sobre si mesmos e seu trabalho." ²
O comentário
da Professora Hilda Alevato me leva a crer ainda mais na força
que nossas representações têm no nosso fazer cotidiano.
Quando vivemos este cotidiano de forma automatizante, olhamos para alguns
alunos e por esse ou aquele motivo - justificado pelo nosso "calejado"
olhar de professor -, "adivinhamos" quais têm maiores
chances de sucesso e quais estão fadados ao fracasso, é
muito provável que ao final do processo aconteça exatamente
o que "previmos" .... Esta prática "divinatória"
não é algo premeditado, acontece quase sem o professor
perceber. Quando recebe uma turma, em geral ela já vem com as
devidas recomendações: "- Aquele pode! Aquele faz
muita bagunça! Aquela é dispersiva! Aquele é muito
aplicado!..." Será que o professor tem autonomia suficiente
para se livrar desses "pré-conceitos?"
A professora Teresa Esteban nos dá pistas de como intervir neste
processo, onde reproduzimos as ações sem questionar nosso
olhar, ao nos colocar que "A reflexão tem o sentido de contribuir
com a construção de alternativas..." (Esteban,
2000:34)
O profissional
reflexivo, para existir, não basta "receber" formação
acadêmica, ele precisa "ter" condições
para que efetivamente torne "viável" a prática
da reflexão. Uma turma de 35 ou mais alunos, o pouco reconhecimento
da profissão, social e financeiramente, algumas teorias que conduzem
o processo pedagógico são alguns dos empecilhos desta
prática. Pensar na estruturação de um coletivo
reflexivo na Educação me remete ao filme MATRIX (Warner,
1999).
No filme,
a Inteligência Artificial domina Terra e os seres humanos passam
a condição de servidores do grande computador. Os humanos
nasciam em incubadoras e viviam numa espécie de software, numa
"vida" virtual. Um pequeno grupo formava a "resistência"
(eram capazes de refletir para além do óbvio) que lutava
em condições precárias pela liberdade e esperava
por um "escolhido" que lideraria a vitória. Enquanto
o pequeno grupo consciente de suas potencialidades lutava, todo o resto
da humanidade "vivia" virtualmente num programa de computador,
servindo de energia para manter as máquinas funcionando. A humanidade
nem sequer imaginava a possibilidade de que sua vida não fosse
realidade, ela "traduzia" a virtualidade em realidade sem
se dar conta de que coisas como o sabor e o cheiro do alimento que comia
simplesmente não existiam...
Algo semelhante
pode acontecer com o professorado. Como enxergar que a realidade posta
a ele é apenas uma das realidades possíveis e que alterar
a sua compreensão da realidade depende de muito esforço.
E, como em Matrix, a Força que impõe a realidade é
poderosa e, o que é grave, muitas vezes invisível!
Acredito
que a formação de uma "resistência", por
parte dos professores que consigam enxergar-se para além da realidade
imposta seja um caminho saudável para a Educação,
crie possibilidades para que a prática reflexiva se estabeleça
naturalmente , mas, ao contrário do filme, não podemos
depositar as esperanças da Educação nas mãos
de um "escolhido" ( seja um professor, a sociedade, o governo...)
porque isso nos levaria a um imobilismo fatal! Nós, professores,
não podemos abrir mão de uma resistência reflexiva.
Só uma prática reflexiva coletiva permite aos profissionais
da educação uma condição de não sedimentação,
que os mantêm aquecidos na busca de soluções para
as situações-problema e abertos às novas possibilidades,
permitindo o questionamento tanto das práticas já estabelecidas
quanto das inovações.
Esta compreensão do processo de proposição e implementação
do sistema de ciclos constituiu a referência a partir da qual
busquei realizar a análise da implantação deste
novo sistema em Niterói.
O sistema de ensino oficial da Secretária Municipal de Educação
de Niterói está acompanhando uma tendência nacional
de busca de escolarização através de tentativas
de procedimentos que visam manter o alunado freqüentando o espaço
físico das escolas públicas durante os 8 anos de escolaridade
obrigatória. Os gestores da educação municipal
identificaram como principal problema da rede a "distorção
nível de conhecimento/série" que ocorreu em decorrência
da promoção automática, e, como estratégia
para minorar este quadro, trouxeram o chamado sistema de ciclos:
"A distorção série/idade foi... assinalada
como principal problema a ser enfrentado pelas autoridades educacionais.
... A principal causa ... foi identificada como sendo a repetência.
Daí porque alternativas foram lançadas... . Niterói,
por exemplo eliminou a avaliação dos alunos para fins
de aprovação, ou não, nas séries, adotando
a progressão automática. ... Surgiu, em conseqüência,
a distorção nível de conhecimento/série,
... . A implantação ou reimplantação
de um sistema generalizado de reprovações, não
iria minimizar a gravidade da situação..., pois resultaria...
na retenção integral dos alunos da rede, nas séries
em que estivessem cursando. Surgiu, assim, como primeira opção,
a organização do nosso ensino em ciclos - ... ressaltando,
porém, que mudanças estruturais, de forma e nomenclatura,
unicamente, não levarão a resultados satisfatórios.
Há que haver um projeto coletivo... " (Proposta
político Pedagógica de Niterói,1999:17-18)
Em novembro
de 1998, através da Portaria SME/003/98 (anexo
I), a Fundação Municipal de
Educação de Niterói - FME alterou a estrutura organizacional
do ensino no Município. Dessa forma, a partir de 1999 Niterói
adotou nas suas escolas municipais, em lugar da promoção
automática até então praticada, o sistema de ciclos
normatizado pela Portaria de 98 e organizado na proposta político
pedagógica da rede. Desde então, seus profissionais vêm
buscando se apropriar dessa proposta para possibilitar a implementação
das mudanças.
Estar na
escola, no entanto, não significa que o aluno progride sempre,
há possibilidade de interrupção de fluxo, como,
por exemplo, as situações de retenção ou
reprovação. A existência legal dessas possibilidades
é um dado interessante por ser o oposto do que se ouve no cotidiano
escolar: o aluno agora passa, sabendo ou não. O Parágrafo
único da Portaria 003/98 faz uma distinção entre
o que representa um aluno retido e um reprovado, e acredito que o motivo
seja a tentativa de aproximação com um pensamento de educação
ciclada. Porém, o documento não deixa claro o significado
de cada categoria, o que permite que, na prática, não
exista diferença entre aluno retido e aluno reprovado. No texto
da Lei lê-se:
"Art.6
- Os alunos considerados retidos pelo Conselho de Classe da
Unidade Escolar, deverão receber no próximo ano, pelo
período máximo de 1 ano, ou 1 semestre, no caso de
Educação de Jovens e Adultos, atendimento especial
em classes de aceleração ou de reforço, a serem
instituídas nas escolas da rede municipal.
Parágrafo
único - Atribuir-se-á aos alunos retidos na série
ou fase pelo Conselho de Classe da Unidade Escolar, o conceito 5,
permanecendo o conceito 4, para os alunos que não atingiram
a freqüência mínima de 75%, sendo considerados
portanto reprovados."
Fica clara a tentativa de "humanizar" o processo em que terá
que haver a retenção, diz o Parágrafo citado que
o aluno retido por conteúdo receberia conceito D e apenas o reprovado
por freqüência teria que receber via de regra o conceito
E. Ocorre que na Portaria seguinte, este Parágrafo Único
foi suprimido e hoje o aluno para ser retido "não"
pode apresentar qualquer conceito melhor que E, pois não haveria
justificativa para sua retenção, que em última
instância é baseada no conteúdo.
O texto
legal que se seguiu a essa Portaria é de dezembro de 1998 (anexo
II) e torna ainda mais ambígua a interpretação
do que seja "retenção". Em seu Artigo 4º,
estabelece como indicador do rendimento escolar do aluno os conceitos
de A,B,C,D, E, sendo até o D considerado o aproveitamento satisfatório
e apenas o E aproveitamento insuficiente, pois atinge menos de 50% dos
objetivos propostos. Este trecho ratificaria o Art. 6 da Portaria 003/98
quando afirma que apenas os infreqüentes teriam conceito 4, ou
seja, menos de 50% dos objetivos por isso equivale ao conceito E- insuficiente,
e os retidos receberiam o conceito 5, 50% dos objetivos equivalendo
ao conceito D - satisfatório, dessa forma esses alunos estariam
automaticamente matriculados na próxima etapa recebendo atendimento
personalizado visando a otimização de seus estudos. Porém,
na Portaria FME/320/98 a alínea b, do inciso II, do art.2º
possibilita a interpretação de "aluno retido"
com igual significado de "aluno reprovado":
"b- possibilidade de retenção
ao final de cada um dos três primeiros ciclos, por freqüência
ou aproveitamento insuficientes, podendo os alunos que não
atingirem os objetivos propostos no ciclo ser atendidos em classe
de reorientação de aprendizagem, com duração
máxima de 1 ano letivo, no Ensino regular e de 1 semestre
letivo, na Educação de Jovens e Adultos;" (grifo
nosso)
A indefinição no uso das palavras nos documentos legais
não teria problema se não interferisse na prática
cotidiana. Resultado dessa inconstância foi um fator considerado
de grande ganho pelas professoras: o fato de após 2001, o aluno
poder ser retido por mais de um ano, sabendo-se que na leitura escolar
praticada reter significa reprovar.
Em dezembro
de 2002, a FME não permitiu a retenção de uma aluna
no ano escolar em que estava, alegando que para reter seriam necessários
pelo menos dois conceitos E, o questionamento que se seguiu na escola
foi quanto a equipe pedagógica da FME estar retomando uma avaliação
por média dos conceitos: E mais E dividido por E = E (professora
Silvana). Outro fator que também chamou atenção
foi o caso da aluna que pelo desempenho durante o ano estaria retida
mas que a professora no último bimestre atribuí-lhe o
conceito D pelo crescimento apresentado, a equipe pedagógica
da FME não permitiu afirmando que não podiam "reprovar"
um aluno com D de conceito final.
Observamos,
tanto nos documentos consultados quanto em práticas cotidianas,
uma grande indefinição sobre o que é ciclo, como
organizá-lo e como ocorre a movimentação do estudante
ao longo de sua escolarização.
Uma peculiaridade do ensino por ciclo no município de Niterói
está no fato de que este substituiu quatro anos de promoção
automática, sistema que a princípio exigiria a prática
da reflexão e avaliação continuada do processo
de ensino/aprendizagem do aluno. O ciclo, neste caso, trouxe consigo
o retorno da possibilidade de retenção ao final de determinados
períodos. Tal formulação gera uma contradição
conceitual: o ciclo no município rompe com a idéia de
processo contínuo e se apresenta às escolas da rede como
"estratégia" que permite a retenção de
seus alunos, não ao final de cada ano letivo, ainda visto como
série escolar, mas ao final de cada ciclo.
A Professora
Sandra Maria dos S. Teixeira (SEERJ/FME - Niterói), uma das profissionais
responsáveis pela implantação do sistema de ciclos
na Rede, acredita que se a promoção automática
tivesse sido bem apropriada pelo coletivo dos professores não
haveria necessidade de implantação dos ciclos, pensamento
esse acompanhado por outros vários profissionais da rede.
Juntamente
com o ciclo foi instituída através da Portaria FME/255/99
(anexo III)a Comissão
de Reorientação composta por 7 profissionais que teriam
"como competência acompanhar, dinamizar, planejar e replanejar
o processo de Reorientação de Aprendizagem sempre em parceria
com as equipes pedagógicas das Unidades Escolares" (Portaria
FME/255/99, Art.2º). Pelo projeto, as escolas teriam um professor
reorientador para cada turno e este profissional atenderia aos alunos
retidos nos fins dos ciclos, únicos com direito a esse apoio
pedagógico.
Na escola
pesquisada, a reorientação de aprendizagem é realizada
num espaço "adaptado" para receber os alunos contemplados
com o projeto. O professor reorientador divide períodos de tempo
dentro da carga horária semanal e em cada horário estipulado
recebe um grupo de alunos para reorientação que, para
isso, deixam suas classes originais, tornando assim a reorientação
uma espécie de aula extraclasse na qual o professor buscará
nivelar o aluno ao conhecimento esperado para a turma em que está
matriculado. Nota-se que a lógica da seriação se
mantém.
Com poucas
diferenças, a Reorientação é aplicada nas
demais Unidades Escolares da rede.
A reorientação
da aprendizagem chega como recurso para dirimir a distorção
série/idade atestada na proposta pedagógica como principal
problema da rede. Chega em caráter emergencial e com prazo para
terminar. Segundo a professora Sandra, a partir do momento em que o
sistema de ciclos estivesse dando conta da aprendizagem do aluno com
distorção série/conhecimento, atestado como principal
problema, a Comissão de Reorientação deixaria de
existir. Não foi o que aconteceu e hoje o professor regula não
admite que se questione a existência da Reorientação,
apesar de haver a recomendação através de ofício,
inclusive, de que a reorientação não poderia se
tornar um ensino paralelo. O que nos leva perceber que não basta
mudar para ciclo burocraticamente, é necessário trazermos
para "cima da mesa" não só os problemas dos
alunos que não conseguem aprender, mas também os problemas
dos professores que não conseguem ensinar.
O modelo
apresentado pela Fundação de Educação ao
corpo de profissionais docentes do município de Niterói
esteve em vários momentos respaldado em teóricos que participaram
das tentativas de remodelamento do sistema educacional de prefeituras
inovadoras, como as de Belo Horizonte e de Porto Alegre . Os dois seminários
externos realizados pela rede tiveram a Professora Elvira Lima como
principal palestrante e a formação continuada externa
ocorrida em 2001, contou com a presença da Professora Aparecida
Franco da rede municipal de educação de Belo Horizonte.
Houve também a discussão interna conduzida pela equipe
da escola com o texto de Vitor Paro sobre a sua última pesquisa
que trata da reprovação nas escolas paulistas.
A operacionalização
do novo modelo para a educação fundamental em Niterói
foi realizada a partir da proposta pedagógica compilada pela
FME e intitulada "CONSTRUINDO A ESCOLA DO NOSSO TEMPO". Apesar
de na sua página 24 citar a proposta pedagógica da E.
M. Vila Monte Cristo - Porto Alegre, uma das primeiras escolas da rede
a adotar os ciclos de formação, a proposta da FME seguiu
caminhos que a aproximaram da linha teórica defendida pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
Ora, a
linha adotada nas prefeituras citadas postulam o CICLO DE VIDA (Neidson
Rodrigues, 2002) e a formação humana de cada sujeito,
enquanto a linha difundida pelos parâmetros se afina com o ciclo
de aprendizagem, forma de organização pesquisada por Perrenoud
que tem na busca pelas "competências" necessariamente
a determinação de uma listagem de objetivos a serem alcançados
ao fim de cada período, apesar dos tempos escolares serem mais
dilatados que nas tradicionais séries escolares, esta concepção
permite uma visão reducionista dos ciclo fazendo-o caminhar em
direção a "flexibilização da seriação"
já que na prática seus "objetivos" são
diluídos por ciclos de escolaridades, contribuindo para uma prática
disfarçada de seriação dos conteúdos. E
é justo nesse ponto que encontramos um dos "nós"
na possibilidade de entendimento da proposta pelos profissionais da
rede. As séries não foram abolidas nem mesmo questionadas,
apenas realocadas.
Nos anos
de 1999, 2000 e 2001, a FME apresentou como referencial teórico
da sua proposta ("sua" porque veio de cima e a secretaria
tentou difundir entre os profissionais a nova "nomenclatura")
os conceitos que embasam o sistema de ciclos de formação
ou ciclos de desenvolvimento humano, sistema de ensino defendido pelas
escolas Plural e Cidadã. Trazendo, para as discussões
com os professores, profissionais que têm uma visão educacional
marcada pela concepção de desenvolvimento global do sujeito,
onde o ciclo de formação é "conseqüência
da reconceituação da escola como espaço de formação,
não só de aprendizagem". (LIMA,
2000:8)
O documento,
produzido originalmente em 1999 pela FME, traz em suas páginas
um elemento causador de um possível "não-entendimento"
do ciclo como "novidade" educacional ao teoricamente atribuir
aos ciclos o conceito de desenvolvimento humano e no mesmo documento
estipular como prática uma "flexibilidade real ... permitindo
que os alunos participem de mais de um grupo, com o nível desempenho
mais próximo... e com base em princípios pré-estabelecidos
pelo professor"(Niterói,1999)
.
Esses
princípios delimitados pelo professor, foram anteriormente delimitados
na própria pedagógica da rede que elenca para cada ciclo
os conceitos a serem trabalhados, decupando-os no mesmo quadro em conteúdos
que em última instância se tornam os objetivos almejados
pelo professor. O conceito de ciclo que parece possível a partir
dessa dualidade é aquele que estipula de antemão os conteúdos
para cada etapa, que determina a avaliação das competências
adquiridas através da demonstração pelo aluno de
domínio do conteúdo na perspectiva de uma prática
avaliativa estritamente mensuradora.
Segundo
Elvira Lima (referencial teórico apresentado aos professores
pela FME), ciclo "é,..., uma concepção de
formação humana que propõe rupturas com os modelos
internalizados sobre aprendizagem e desenvolvimento humanos que influenciaram
fortemente a prática pedagógica pós-guerra."
Mas o volume
que contém a proposta pedagógica da rede foge desta concepção
de desenvolvimento e recai num sistema de aglutinação
das séries existentes, mantendo a lógica da seriação
e da fragmentação dos saberes ao estipular as competências
mínimas para cada ano do ciclo, competências organizadas
a partir dos índices de livros didáticos que são
as referências encontradas para estipularmos os conteúdos/competências.
"...os
materiais de apoio para o processo de ensino e aprendizagem incorporaram,
também, uma divisão temporal artificial. Os livros
didáticos, em sua grande parte, organizam os conteúdos
por frações que "caibam" no tempo de aula
do professor e na carga horária da matéria. Além
de simplificarem, muitas vezes, as informações, tornando
impossível para o aluno construir um conceito, tal a falta
de elementos e de possibilidade de estabelecer relações
entre eles, muitos livros didáticos estabelecem uma relação
com o conhecimento que é utilitarista, pois serve à
estruturação das aulas, ao invés de servir
ao processo de aprendizagem do aluno, e , deste modo, não
promovem o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores (Vygotsky)." (LIMA,2000:6)
Mesmo que
estes conteúdos sejam agrupados em blocos num primeiro momento
(como foi feito da Proposta Pedagógica da FME) ou com algumas
falas da proposta apontando no sentido de uma educação
inclusiva pautada no sujeito, como a lógica da seriação
não foi superada quando se começa a discutir os anos escolares
e seus objetivos (novamente conteúdos) esses blocos são
decupados/fragmentados e a apreensão destas frações
de saber são eleitas como objetivos finais de cada ano de escolaridade!!
Considerando,
também, a primeira organização do sistema de ciclos,
válida em 1999 e 2000 (anexoV),
fragmentado em ano de escolaridade e Área de conhecimento e as
modificações implementadas a partir de 2001, quando passa-se
a poder reter mais de uma vez ao final de cada ciclo, o que se concretiza
na educação municipal se equipara aos ciclos de aprendizagem
e não aos de formação! A prioridade ainda é
o "quê" o aluno retém de conteúdo e não
seu desenvolvimento como sujeito.
Permanece
na Educação a tentativa de um modelo ideal, que pré-existe.
No caso
de Niterói, o processo de inovação foi gestado
no entorno dos professores e entregue como solução como
foi exposto. A prática da reflexão foi relegada para uma
fase posterior na implementação das mudanças, o
corpo de professores não participou do pensamento que originou
a implantação dos ciclos, a sua participação
se deu de forma "branda" após a oficialização
da proposta.
Visando
a tarefa de "informar" aos professores das novas diretrizes,
a FME realiza desde o ano de 1999 vários encontros com intenção
formadora que são chamados de formação continuada
e anualmente previstos no calendário escolar, porém mesmo
nos encontros específicos para discussão sobre ciclos,
a reflexão sobre o sistema implantado era secundarizada e nitidamente
transportada para o campo da mera informação, impossibilitando
ou dificultando o surgimento de um coletivo capaz de se tornar agente
construtor desta nova educação. Ou seja, a participação
do professor no processo se dá no mais tradicional tecnicismo,
a ele cabendo o papel de executor do que foi pensado por outro profissional.
Em 1999,
a Rede realizou dois encontros onde a principal palestrante professora
Elvira Lima, teórica dos ciclos de formação. Um
aconteceu num clube em Niterói com a presença de todos
os profissionais da Rede, durante um dia e o outro foi o VIII SEMINÁRIO
EXTERNO - ritos de passagem na escola e na vida - realizado em Teresópolis
- RJ para um grupo menor de professores, com a duração
de três dias.
Em outubro
de 2000, quando o sistema de ciclos completava dois anos de funcionamento,
a FME através de ofício realizou uma pesquisa entre as
escolas da rede sobre o sistema adotado, todas as escolas responderam
através de memorando. Depois disso, na formação
continuada externa de 2001, a FME trouxe como palestrante uma professora
do Ensino Fundamental da escola Plural de Belo Horizonte. O fato é
que continuou sendo pontual e dirigida a participação
do professor, sendo ele ainda encarado como sujeito executor de experiências
alheias ao seu fazer. Excluindo-o, como se possível fosse, da
realidade pedagógica ao iluminar e valorizar espaços ocupados
por outros que não ele. Esta forma de proceder parece isentar
o professor do "trabalho" de refletir sobre a inovação.
O pensamento
educacional de Niterói está mais para a origem plural
das propostas das Prefeituras citadas ou mais para a proposta pelo governo
federal em suas Diretrizes educacionais, que se afastam dos ciclos de
formação e recaem num ciclo de aprendizagem onde a lógica
da graduação não desaparece mas antes subsiste
com "artifício" para o caminhar do aluno nos ciclos?
O descrito
acima gerou indagações me motivaram a realizar esta pesquisa,
buscando ampliar meus conhecimentos, através de um estudo sobre
algumas propostas de ciclos já implementadas e procurando compreender
o processo de adoção dos ciclos em Niterói, particularmente
na Escola Municipal Eulália da Silveira Bragança, objetivo
primeiro desse trabalho.
A pesquisa
de campo se iniciou formalmente no mês de junho/2001, entre os
profissionais da Escola Municipal Eulália da Silveira Bragança
de Ensino Fundamental da rede pública de Niterói, situada
no bairro do Jacaré. A escola atendia na época à
Educação Infantil e aos dois primeiros ciclos do Ensino
Fundamental, hoje, seguindo orientação da FME a Educação
Infantil não é mais oferecida na escola. Até o
ano de 2002, a escola trabalha em dois turnos (manhã e noite)
e conta com um quadro de 15 professores, dos quais 06 dobram na própria
escola. Além de 03 professores que fazem dupla , mas são
de outras escolas.
São
ao todo 22 turmas regulares (12 pela manhã e 9 pela tarde) e
1 sala de leitura no turno da manhã e 1 sala de informática
para cada turno.
O ano de
2003, iniciará com a carência de 1 professor no turno na
manhã e 3 professores no turno da tarde. E contará com
uma turma para atender à Educação de Jovens e Adultos
no turno da noite.
O discurso
apresentado pelos professores no período da pesquisa, mesmo daqueles
que não responderam ao questionário aplicado ou não
foram entrevistados, constam direta ou indiretamente do texto de análise.
Considerando
que eu mesma faço parte do universo pesquisado, no momento da
análise crítica da pesquisa, o meu posicionamento tem
sido sem dúvida o mais isento possível, mas nem por breve
instante neutro.
No 2º
semestre de 2001, início da pesquisa de campo, estruturei um
questionário que trabalhei entre os profissionais da escola e
tinha como objetivo revelar a visão que os profissionais da escola
possuem sobre a nova proposta de educação.
Um total
de vinte e três profissionais, na época, entre corpo docente
e técnico-administrativo, foi o alvo da presente pesquisa(questionário).
Foram distribuídas fichas de questionários contendo, cada
uma, cinco questões.
Algumas
fichas foram respondidas na mesma hora e outras, a maioria, levadas
pelos profissionais e devolvidas depois de preenchidas .
Apenas
11 pessoas devolveram preenchidas, o que perfaz aproximadamente a metade
do total de pesquisados e em si já é um indicativo da
disposição dos profissionais diante da mudança
e revelador de uma resistência a ela.
Fez parte
também da pesquisa uma declaração escrita por uma
das professoras da escola sobre sua visão do processo de mudança,
vale dizer que partiu dela a iniciativa de redigir a carta. A relevância
do escrito reside em ter sido o primeiro relato de uma professora envolvida
na mudança e seu conteúdo auxiliou a delimitação
do meu olhar, no sentido em que indicou-me caminhos de busca e pesquisa
do "porquê" as práticas se sucediam sem grandes
alterações perceptíveis.
O trabalho
foi complementado por pesquisa bibliográfica e contou com a orientação
da professora Maria Teresa Esteban.
O estudo
vem sendo realizado através do entrelaçamento dos dados
obtidos dessas diversas fontes, buscando uma reflexão aprofundada
sobre a implantação do sistema de ciclos em Niterói.
Para melhor compreender o processo do qual estou participando tem-se
mostrado relevante visitar outros tempos e espaços em que o sistema
de ciclos é um tema relevante.