Contos, Causos e Crônicas
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Textos de Elza Souza Teixeira Silveira - Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 - Todos os direitos pertencem à Autora
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AS BOTAS DO COMPADRE
Todos nós, vez ou outra, já ouvimos a expressão: Esses meninos de hoje... O curioso é lembrar que ela não é tão de hoje assim.

Nesse sertão baiano havia outrora o costume dos amigos visitarem-se aos domingos, principalmente após a colheita da lavoura. As estradas eram péssimas, mas ninguém reclamava. Automóveis, nem pensar. Contudo, quando o tempo o permitia, lá se iam felizes em carros de boi e, às vezes, levando toda a família.

A estória que vou narrar aconteceu, segundo me contaram, no início do século passado.

Em uma bela manhã de domingo, Sr. Antônio, pequeno fazendeiro, olhou para o céu muito azul e pensou: "O sol ainda não está alto, dá tempo de ir visitar o compadre Zé e ver Joaquim, meu afilhado."

Trocou de roupa, calçou as botas de cano alto que havia comprado na véspera em sua ida à cidade próxima, selou o cavalo e foi-se.

Chegou à casa do amigo já quase meio-dia. Fazia calor, estava cansado e os pés queimavam dentro das novas botas.

Bateu à porta, que logo foi aberta.

_É o compadre! - disse Sr. José - Desça do cavalo e entre. Joaquim, vem pedir a bênção a seu padrinho.

Enquanto caminhavam para o interior da residência, o dono da casa notou algo estranho no andar do amigo.

_Que aconteceu, compadre, tá machucado?

_Não, as danada das bota ainda não amaciaro e fizero calo em meus pé. Tá doendo um bocado.

_Oh! Home, pois então tire. Calçado novo é assim mesmo. Tome minhas precata pra descansar.

_Vou aceitá mesmo, compadre, e muito obrigado pelo oferecimento.

Sr. Antônio sentou e começou a descalçar as botas devagar para não machucar os calos ainda mais.

_Vem cá, meu fio Joaquim, vem ajudá seu padrinho tirá as bota.
O menino não saiu do lugar.

Sr. Antônio era gordo, a barriga atrapalhava um pouco, mas conseguiu tirar as benditas e calças as alpercatas do compadre. Suspirou aliviado.

_Bom é passear em casa de amigo, a gente fica à vontade.

Sr. José olhou e não viu o filho.

_Compadre, Joaquim lhe ajudou a tirá as bota?

_Não foi preciso, eu mesmo tirei.

_Oxente, menino, onde já se viu uma coisa dessa? Não dá atenção seu padrinho e ainda desobedece o pai! Ocê lembra, compade, em nosso tempo não precisava nem mandá. O padrinho chegou já vinha tomá a bênção.

_Deixa pra lá, meu amigo, não tem importância. Eu tirei sozinho mesmo...

_Ah! Não, isso não fica assim. Tenho de educá esse menino enquanto tá pequeno, senão quando tivé grande como é que vai sê?

_Meu compadre me faz um favô. Calce as bota de novo. Ele tem de aprendê a tratá os mais véio com educação e respeito.

O compadre suou e calçou novamente.

_Vem cá, menino, tire as bota de seu padrinho.

O menino nem se mexeu.

_Anda, Joaquim!

O garoto continuou no mesmo lugar. Emitiu um som meio rouco lá no fundo da garganta - Rum! - mas não se moveu.

Sr. José voltou-se para o amigo e disse: _Meu compadre, sabe de uma coisa? Tire suas bota você mesmo porque quando meu fio Joaquim faz
rum!, danou-se e quando se dana pode largá que ninguém dá jeito. Esses menino de hoje...