Contos, Causos e Crônicas
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Textos de Elza Souza Teixeira Silveira - Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 - Todos os direitos pertencem à Autora
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O LEGADO DO SERTANEJO
Quando Ruy Barbosa afirmou que chegaria o tempo em que o homem teria vergonha de ser honesto parece ter feito uma profecia.

A ciência e a tecnologia progrediram, a sofisticação se intensificou, a violência cresceu, mas o que houve com o sentimento

Por que será que as pessoas têm vergonha de expressar seu amor, quando envergonhadas deveriam ficar as que não conseguem amar?

Trancamos em nossos corações as experiências simples e belas para não parecerem insignificantes.

Outro dia, lendo em nossa Selecta Acadêmica o slogan: respeito ao passado, rumo ao futuro, estimulou-me a contar um pouco do que vivi e ouvi.

A lembrança daquele lampião sobre a mesa até hoje ilumina meu ser porque com ela vem também a força transmitida pelo amor de meus pais, nossa vivência familiar, os conceitos por eles emitidos.

O mundo mudou. Muita coisa surgiu, outras perderam-se no tempo.

As casas são incontestavelmente mais bonitas, mas quantas serão também lares?

A família não é mais a célula mater da sociedade? Pai virou objeto descartável?

Alguns tentam com brinquedos caros preencher o vazio deixado por sua ausência.

Conforto material substitui o amor?

Será o sentimento de culpa que leva alguns pais se tornarem extremamente permissivos? Ou será a luta desigual entre o lar e a pressão exercida pela sociedade, a propaganda, o consumismo, que os empurra de um extremo ao outro? Para não serem repressores transformam-se em excessivamente liberais.

Deixar a criança crescer acreditando que pode fazer tudo o que desejar, é um desastre. Quando ela tiver de viver e conviver em sociedade, alguém lhe imporá limites, seja seu chefe, a polícia ou a justiça.

Nossos pais nos amaram mas também nos ensinaram o respeito ao direito alheio, estabeleceram critérios de comportamento e não foram menos queridos por isso.

No dia em que meu pai partiu, nós, os filhos, nos abraçamos unidos pela mesma dor. A lágrima que descia dos olhos de um, unia-se à do outro e formava uma lágrima.

Não deixou bens materiais: nem uma libra, nem um palmo de terra; não havia o que dividir, não houve briga de partilha.

Acredito que se tivesse havido herança, o amor que nos unia teria falado mais alto, mas quem sabe se teria sido assim?

Foi melhor não haver nada para herdar a passar pela dor de ver irmãos se desentenderem na hora da divisão de bens.

O legado que aquele sertanejo íntegro nos deixou trouxe conforto e paz.

Dividimos o exemplo de honradez, o amor à verdade, ao trabalho digno, a valorização da amizade sincera.

Algum tempo atrás, acompanhava meu neto fazer o dever de casa. Enquanto o garoto escrevia, meu pensamento vagava. Comecei a me questionar: Que valores terei eu transmitido a meus filhos? E eles, que estarão passando para os seus?

Então resolvi perguntar ao pequeno, que na época tinha 6 anos de idade:

Muca, como irá lembrar-se de sua avó? Do que digo e faço, o que você jamais se esquecerá?

E ele respondeu, de pronto:
Cadê meus óculos? Quem viu onde eu deixei?