Contos, Causos e Crônicas
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Textos de Elza Souza Teixeira Silveira - Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 - Todos os direitos pertencem à Autora
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PALAVRAS QUE NÃO FORAM DITAS
  "A palavra áspera suscita a ira, mas a palavra branda desvia o furor", assim afirmou Salomão, o rei sábio.
   Sr. Joaquim, antigo fazendeiro do sertão baiano, parecia acreditar no contrário.  Belos sentimentos, se os tinha, guardava-os bem escondidos; palavras carinhosas nunca pronunciava, mas as grosseiras trazia na ponta da língua e, assim, semeou mágoas e amarguras em torno de si.
   A esposa, Helena, era o oposto: educada, serena, pelo menos na aparência, pois poderia alguém permanecer  realmente tranqüilo ao lado de um brutamontes daquele?
   A bem da verdade, Sr. Joaquim era um lutador e de caráter íntegro. Filho de sitiante, fizera de tudo na vida: lenhador, peão de boiadeiro, agregado de fazendeiros, arrendatário de terras para lavoura, etc.
   Finalmente conseguiu ter sua própria fazenda. Estava feliz. Bem administrada seria como um filão de ouro, pensava ele.
   Naquele ano, os festejos de 7 de setembro seriam abrilhantados com a inauguração da nova escola. Sr. Joaquim foi à cidade próxima de sua fazenda para assisti-los.
   O prefeito fez um discurso sobre a importância da educação, apresentou o corpo docente e lá estava ela, Helena, entre os novos professores, destacando-se como estrela em noite escura.
   O fazendeiro ficou encantado e tanto fez que conseguiu aproximar-se da nova professora.
   Outras oportunidades vieram e quanto mais a conhecia mais se apaixonava.  Um ano depois estavam casados.
   Tiveram 2 filhos: Pedro e Ana. O primogênito tornou-se companheiro da mãe e Ana a boneca do pai.
   A azáfama na fazenda começava cedo. Todo mundo trabalhava, até Aninha recebia as tarefas que poderia dar conta.
   A mãe continuou ensinando. Ela ia com as crianças na charrete da fazenda.
   À medida que ia crescendo, Pedro amava sua mãe cada vez mais e o pai cada dia menos. Detestava seus modos rudes. Até suportava bem o trabalho pesado que era forçado a fazer, as reclamações constantes o irritavam porém tolerava mas, quando ouvia o pai falar grosseiramente com sua mãe, revoltava-se. Enchia-lhe o peito uma raiva silenciosa como fogueira de São João depois da festa: as chamas se apagam, mas as brasas sob as cinzas ainda queimam.
   Não aceitava a forma agressiva usada por seu pai até nas mínimas coisas. Por exemplo: pela manhã, em vez de perguntar se o café já estava pronto como qualquer cristão faria, ele berrava: "Este café sai ou não sai?"
   A mãe, por mais atarefada que estivesse, sempre respondia calmamente.
   Para que tanta agressividade contra alguém tão doce? Era o mesmo que usar bala de canhão para quebrar vidraça.
   Certa vez o garoto disse à mãe:
_Ele pode aproveitar para gritar com você, enquanto eu for menino; quando for um homem, ele não vai gritar mais, eu juro.
_Não odeie seu pai, filho. É seu jeito de ser. É bom quando conseguimos compreender as pessoas e aceitá-las.
_E ele compreende você? Já a vi chorando depois de uma grosseria. Por que não responde?
_Não gosto de jogar lenha na fogueira. Acho que devemos cultivar a paz enquanto pudermos. Cada dia de vida é um presente de Deus, por que estragá-lo com brigas? Procuro soluções para os problemas e não problemas para o que pode ser solucionado.
   Um dia, Pedro voltou da cidade entusiasmado:
_Mãe, aprendi tudo que você podia me transmitir. Há um grupo de Sampauleiros programando uma viagem para o próximo mês. Irei com eles. Não se preocupe, vou trabalhar e estudar e, quando estiver formado, voltarei para buscá-la.
   Pedro foi embora. Chegando em São Paulo procurou trabalho. Lutou muito, mas conseguiu. Trabalhando durante o dia e estudando à noite, preparou-se para o vestibular de medicina e foi aprovado.
   Quando concluiu o curso e com a vida estabilizada, voltou.
   Chegou à fazenda quase à noite.
   Sr. Joaquim, envelhecido, veio atender. Não reconheceu o filho. Pedro era, agora, um homem alto e forte.
   O visitante explicou que viera trazido pelo interesse de comprar gado. Foi convidado a entrar e pernoitar, pois só com a luz do dia poderiam ver as reses.
   Pedro entrou e entabulou conversa. Indagou  pela esposa e filha do dono da casa.
_Minha esposa faleceu e a filha está casada com um fazendeiro vizinho.
_O senhor não me achou parecido com alguém?
_Ë verdade, parece ser da família.
_Sou Pedro, seu filho. Prometi à minha mãe que voltaria um dia e aqui estou.
   O velho engoliu o soluço na garganta e segurou a lágrima que não chegou a descer.
_Vamos conversar como eu gostaria de ter feito quando menino, mas o medo me impedia. Eu admirava sua força e determinação, porém sua agressividade me ensinou a detestá-lo. Por que só se dirigia à minha mãe com rispidez? Sua bondade era o espelho onde o senhor via sua maldade, ou precisava agredir alguém para sentir-se importante? Nem a nós, sangue do seu sangue, conseguiu amar?
_Não, meu filho; adorei sua mãe. Ela foi a melhor coisa que a vida me deu e a vocês, só Deus sabe o quanto. Não recebi na infância demonstrações de carinho, não aprendi a dar. Cresci convencido que o homem tem de ser forte. Romantismo é coisa de fraco.
_Pois bem, quem semeia indiferença, colhe solidão. Agora, se quiser dizer o quanto nos amava, falar todas as palavras que não foram ditas, terá só as paredes para ouvi-lo.

Adeus, pai.