INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA EM CÃES E GATOS

Insuficiência cardíaca (ICC) é o estado de congestão circulatória anormal que resulta da retenção excessiva de sal e água pelo rim, quando o coração é incapaz de bombear uma quantidade adequada de sangue para as necessidades metabólicas do organismo. Com a congestão circulatória, desenvolve-se o aumento de transudação de líquido dos capilares para o espaço intersticial. No caso de ICC esquerda, o aumento de transudação de líquido dos capilares pulmonares resulta em edema pulmonar. É possível a ocorrência de tosse e dificuldade respiratória, podendo-se detectar estertores pulmonares audíveis ao exame físico. O edema pulmonar também pode ser detectado por meio de exame radiográfico do tórax. A ICC direita resulta em congestão venosa sistêmica passível de ser detectada ao exame físico sob a forma de ascite, hepatomegalia e edema periférico. As causas de ICC incluem anormalidade cardíacas congênitas, insuficiência cardíaca adquirida, cardiomiopatias e doenças pericárdicas.

O tratamento da ICC em animais geralmente tem o objetivo de aliviar os sintomas e proporcionar o conforto do paciente, mais que reverter ou corrigir a etiologia, porque muitas vezes a etiologia é desconhecida (p. ex. , cardiomiopatia dilatada) ou em geral não se dispõe de procedimentos corretivos, como a cirurgia de reposição de válvulas, em medicina veterinária. Portanto, a evolução da ICC costuma ser progressiva.

Tratamento Padrão

Diuréticos, agentes inotrópicos positivo e vasodilatadores formam a base das drogas utilizadas no tratamento da ICC em cães e gatos. Os objetivos gerais do tratamento são: 1)aliviar os sinais clínicos, como tosse e dispnéia; 2)melhorar o desempenho de bombeamento do coração; 3)reduzir a sobrecarga cardíaca; e 4)controlar a excessiva retenção de sal e água.

As estratégias para o tratamento da ICC possuem sete conceitos básicos: 1)restrição da atividade física; 2) restrição da ingestão de sal; 3) remoção da causa primária ou fatores precipitantes; 4) instituição de medidas gerais, como aumentar a concentração de oxigênio inspirado; 5) redução da pré-carga; 6)aumento da contratildade; e 7) redução da pós-carga. O clínico deve considerar o paciente individualmente ao desenvolver a estratégia terapêutica. Cada um dos componentes do tratamento pode não ser utilizado inicialmente em cada paciente. De forma geral, o tratamento da ICC com drogas não é iniciado até que os primeiros sinais atribuídos à cardiomegalia ou ICC se desenvolvam. A estratégia final é utilizar  medidas mais simples e progredir para medidas mais agressivas ou complexas se os sinais persistirem ou recidivarem.

1.Restrição da atividade física. A importância da restrição aos exercícios não deve ser subestimada. O exercício aumenta o trabalho cardíaco e também a demanda metabólica dos tecidos. Em pacientes com a função cardíaca deprimida, o exercício pode precipitar a gestão. Os clientes podem auxiliar a instituir a restrição dos exercícios, andando com os pacientes com um guia. O passeio deve ser limitado apenas à extensão que o paciente necessita para os hábitos de micção e defecação. Em casos avançados, os pacientes podem necessitar de ser carregados para fora ou para cima e para baixo em escadas.

2.Restrição da ingestão de sal. A atividade do sistema renina-angiostensina-aldosterona é aumentada, o que leva o rim a reter sódio e água em pacientes com ICC. Portanto, a excreção de sódio e água está comprometida. Grandes quantidades de sódio na dieta promovem retenção de água, que expende o volume sangüíneo, promovendo, em resposta, congestão e edema. A restrição de sódio na dieta pode ser obtida utilizando-se alimentos prontos como, k/d ou h/d (Hill’s Pet Products, EUA). Podem-se utilizar receitas caseiras.

3.Remoção das causas primárias ou fatores precipitantes. A remoção de causas primárias é a abordagem mais desejada, mas infelizmente em geral é impossível em animais. Existem algumas exceções notáveis. Por exemplo, certas malformações congênitas podem ser corrigidas cirurgicamente com alto nível de sucesso, com a persistência de duto arterioso. A valvuloplastia por balão tem sido utilizada com sucesso em cães para tratar estenose da válvula pulmonar. O hipertireoidismo é uma causa comum de ICC em gatos idosos (geralmente com mais de nove anos de idade). Felizmente, várias modalidades terapêuticas (drogas antitireoidianas, tireoidectomia, tratamento com iodo radioativo) têm sido empregadas com sucesso em gatos, para obter uma solução de longa duração do hipertireoidismo. A deficiência de taurina tem sido reconhecida como uma causa de cardiomiopatia dilatada em felinos. A suplementação da taurina está geralmente associada a melhora significativa ou resolução da ICC. A maioria das dietas comerciais para gatos é suplementada com taurina. A dose de taurina que tem sido recomendada em felinos com cardiomiopatia dilatada associada a baixas concentrações de taurina é de 250-500 mg VO a cada 12 horas. A taurina está disponível em lojas de alimentos dietéticos. Finalmente, a ICC secundária à doença pericárdica pode ser resolvida temporária ou permanentemente por periocardiocentese ou pericardectomia.

Incidentes específicos, como infecções ou arritmias cardíacas, podem exacerbar a ICC. O reconhecimento precoce, o tratamento imediato e, quando possível, a prevenção são críticos ao manejo bem-sucedido da ICC. Na presença de freqüência cardíaca alta, o coração precisa trabalhar mais e, portanto, consome mais oxigênio; além disso, o tempo disponível para o fluxo sangüíneo coronariano está diminuindo, o que reduz a distribuição de oxigênio para o coração. Assim, o desenvolvimento de taquiarritmias tende a piorar mais ainda a freqüência cardíaca. No entanto, o tratamento com antiarritímicos não é indicado para todas as arritmias cardíacas que se desenvolvem em pacientes com ICC. Por exemplo, despolarizações atriais ou ventriculares prematuras ocasionais podem ter pouco efeito sobre a freqüência cardíaca. Drogas antiarrítmicas podem Ter influência negativa sobre a força de concentração cardíaca ou desencadear efeitos pró-arrítmicos, razão pela qual seu uso deve ser justificável.

4.Instituição das medidas gerais. Aumentar a concentração de oxigênio inspirado é indicado em pacientes com edema pulmonar agudo. Isto pode ser feito inserindo-se e fixando-se uma cânula nasal a um fluxômetro e fonte de oxigênio. Um tubo calibre 5 a 8 de borracha flexível com vários orifícios nos 2 cm finais de seu comprimento é utilizado como um cateter nasal. O cateter é inserido pela narina até a região nasal média, aproximadamente no nível do segundo pré-molar. O cateter é fixado com sutura, e o oxigênio é administrado a uma taxa de fluxo de 100 a 200 ml/kg/min. A ventilação fica comprometida quando os pulmões estão comprimidos por grave efusão pleural. A remoção física do líquido pleural por toracocentese pode promover alívio da dispnéia e salvar a vida do animal. O sulfato de morfina (0,05-0,50 mg/kg de peso IV ou IM até fazer efeito) pode ser considerado em cães com edema pulmonar adulto grave. A ação narcótica diminui a ansiedade o paciente, reduz o trabalho de respiração e a atividade central do sistema nervoso simpático, resultado em venodilatação (redução da pré-carga). A morfina não deve ser utilizada em gatos.

5. Redução da pré-carga. O termo pré-carga refere-se ao grau de enchimento dos ventrículos cardíacos com sangue. Devido à excessiva retenção de água e sal pelo rim na ICC, a pré-carga cardíaca está geralmente alta, causando congestão e o edema o que melhora as trocas gasosas no pulmão no caso de ICC esquerda, e alivia a congestão sistêmica e a ascite na ICC direita. A pré-carga é determinada em grande parte pelo volume de líquido intravascular e pelo tônus venoso sistêmico (capacidade venosa ). Logicamente, a redução da pré-carga pode ser obtida de duas formas: pela diminuição do líquido intravascular (diurese) ou pelo deslocamento de sangue para longe do coração e em direção do reservatório venoso periférico, como a musculatura esquelética e as veias esplâncnias (venodilatação). A redução exagerada da pré-carga, utilizando-se diurese ou venodilatação, pode levar a sinais de baixo débito cardíaco (p.ex., fraqueza, síncope, azotemia), porque uma quantidade insuficiente de sangue está disponível para o coração bombear.

Os diuréticos continuam a ser a base fundamental do tratamento farmacológico da ICC. Eles proporcionam alívio dos sinais mais rapidamente que quaisquer outro agentes orais. Em geral, a terapia diurética não deve ser suspensa após o alívio dos sintomas de congestão. No entanto, sozinhos, os diuréticos costumam ser incapazes de manter um controle da ICC a longo prazo. A maioria dos diuréticos age diretamente sobre o rim, inibindo a reabsorção de sal e água. A furosemida (Lasix, Hoechst-Roussel; Disal, TechAmerica ) é um potente diurético e, provavelmente, mais utilizado em medicina veterinária. A furosemida é útil para o edema pulmonar grave associado à ICC aguda e crônica. Para o edema pulmonar agudo grave, a furosemida pode ser administrada na dose de 2-4 mg/kg IV ou IM, embora em gatos a dose não deve exceder 2mg/kg. O efeito máximo ocorre em cerca de 30 minutos, e a duração de ação é de aproximadamente duas horas, quando administrada por via intravenosa. Essa dose pode ser repetida a cada seis a oito horas. De preferência, deve-se utilizar a menor dose necessária para controlar os sinais clínicos. Inicia-se a administração de furosemida por via oral quando os sinais clínicos graves, como dispnéia, tiverem sido abolidos – em geral nas primeiras 24 horas de tratamento. A dose oral costuma ser de 1-4 mg/kg duas vezes ao dia em cães e 1 mg/kg uma ou duas vezes ao dia em gatos. Em pacientes com ICC crônica, a dispnéia discreta associada a edema pulmonar mínimo, ou tosse crônica devida a cardiomegalia esquerda, a administração de furosemida por via intravenosa é desnecessária, e o tratamento pode ser iniciado com furosemida oral. Aparentemente, a toxicidade associada à furosemida é baixa, mas pode ocorrer desidratação levando à azotemia, bem como alcalose metabólica desequilíbrio eletrolítico, em particular hipocalemia. A hipocalemia, por sua vez, promove arritmias cardíacas e aumenta a suscetibilidade à intoxicação digitálica. Tem sido descrita ototoxicidade em humanos, efeito que é sinérgico com os antibióticos aminoglicosídicos. A ototoxicidade não tem sido reconhecida em cães ou gatos, mas o bom senso indica que o uso concomitante de furosemida a antibióticos aminoglicosídicos ou outros antibióticos potencialmente ototóxicos devem ser evitados.

Ocasionalmente, diuréticos tiazídicos, como a clorotiazida (Diuril, Merck Sharp & Dohme) na dose de 12 a 25 mg/kg VO a cada 12 h, são úteis em pacientes que se tornam refratários à furosemida. Os diuréticos tiazídicos são menos potente que a furosemida na indução da diurese, e em geral são ineficazes quando a perfusão renal está comprometida, como no paciente com ICC grave. De forma semelhante, os diuréticos poupadores de potássio, como o triantereno (1-2 mg/kg VO uma ou duas vezes ao dia), são incomumente utilizados em medicina veterinária. Eles têm pouco efeito diurético e são relativamente ineficazes para tratamento da ICC, a menos que combinados com furosemida ou diuréticos tiazídicos. Os diuréticos tiazídicos podem ser utilizados em pacientes que se tornam hipocalêmicos devido ao uso de outros diuréticos.

Os nitratos são os venodilatadores mais notáveis e comumente utilizados. Estudos documentando o benefício e estabelecendo sua dosagem não foram relatados em cães ou gatos. O ungüento de nitroglicerina (Nitrol, Adria) está disponível em formulação a 2% para aplicação cutânea, sendo absorvido na circulação sistêmica. Deve ser espalhado sobre uma área relativamente sem pêlos; em geral corta-se o pêlo de uma área na parede torácica. A pessoa que trata o paciente deve utilizar luvas, para evitar absorção inadvertida. Em humanos, freqüentemente se desenvolve tolerância à nitroglicerina, em geral após apenas 24 horas após a suspensão do uso. Não se sabe se ocorre tolerância quando se utiliza a droga em cães e gatos. Ocasionalmente, utiliza-se a nitroglicerina para o tratamento imediato do edema pulmonar agudo grave durante as primeiras 12 a 24 horas e raramente para ICC crônica. A dose que tem sido utilizada em gatos é uma fita de 0,3 a 0,6 cm do ungüento a cada oito horas e 1,2 a 2,5 cm em cães, a cada oito horas.

6. Aumento da contratilidade. Contratilidade e inotropismo são sinônimos que se referem à capacidade cardíaca de gerar força. Drogas inotrópicas positivas aumentam a força de contração cardíaca, melhorando, assim, o desempenho cardíaco de bombeamento. Como resultado, a circulação torna-se menos dependente dos mecanismos compensatórios, p. ex., aumento da estimulação do sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona, para manter a perfusão dos órgãos. Os benefícios previstos incluem aumento da escresão de sal e água pelo rim (diminuição da pré-carga), redução da freqüência cardíaca e diminuição da vasocontrição periférica, todas reduzindo a congestão e o edema. Drogas inotrópicas positivas podem ser divididas em categorias como 1) drogas de administração venosa para suporte inotrópico agudo e 2) drogas de administração oral para suporte inotrópico crônico.

As drogas inotrópicas intravenosas são indicadas para suporte inotrópico a curto prazo de um paciente com disfunção ventricular grave. Evidências de ICC com base no exame físico (estertores pulmonares crepitantes) e em radiografias torácicas (edema pulmonar) e sinais de insuficiência cardíaca com baixo débito cardíaco (pulso femoral fraco, mucosas pálidas, síncope, fraqueza, ou colapso, hipotermia, extremidades frias e azotemia) no mesmo paciente sugerem disfunção ventricular grave. As indicações clínicas em que as drogas inotrópicas intravenosa exercem algum efeito incluem a ICC crônica decompensada (decorrente de cardiomiopatia dilatada ou insuficiência crônica avançada válvula mitral) e durante anestesia e ou no pós-operatório imediato de ducto arterioso persistente grave. Também pacientes com depressão grave da função ventricular associada à anestesia após parada cardíaca ou distúrbios metabólicos graves (p.ex., sepse, cetoacidose) podem beneficiar-se do suporte inotrópico intravenosa. Por exemplo, cães com insuficiência da válvula mitral modernamente avançada compensada podem desenvolver sinais de disfunção ventricular de ICC durante uma crise metabólica, com ceteacidose diabética. Em tais pacientes, o suporte inotrópico intravenoso temporário enquanto se trata a crise pode salvar a vida.

Drogas Inotrópicas positiva Intravenosas.

Catecolaminas. As catocolaminas são as mais comumente utilizadas para promover suporte inotrópico positivo a curto prazo. A dubotamina (Dobutrex, Eli Lilly) é uma catecolamina sintética e um potente inotrópico positivo. Sua meia-vida é de aproximadamente dois a três minutos, o que significa que deve ser administrada por infusão intravenosa contínua. A dose é de 5,0-15,0 mg/kg/min. Está disponível em frasco de 250 mg e, uma vez que tenha sido adicionada a uma solução de infusão deve ser descartada em 24 horas. Recomenda-se uma solução de dextrose a 5% como solução de infusão para minimizar a administração de sódio. Também, devido ao fato de os pacientes estarem com ICC, o volume de infusão deve ser minimizado: 5-25 mL/h, dependendo do porte animal. Como exemplo, 250 mg de dobutamina adicionados a 500 mL de solução de dextrose a 5% resultam em uma solução contendo 500 mg de dobutamina/mL. Uma velocidade de infusão de 10 mg /kg/min pode ser alcançada utilizando-se um volume de infusão de 1,2 mL/kg/h. A curta meia-vida assegura que quase toda a dobutamina administrada é metabolizada ou logo eliminada (10 a 12 minutos) após a administração Ter sido suspensa, e os principais metabólicos são farmacologicamente inativos. Esta característica da dobutamina é vantajosa e sugerem efeitos colaterais. Os efeitos colaterais geralmente estão relacionados à dose e incluem taquicardia, arritmias ventriculares, em especial se estiverem presentes antes da administração de dobutamina, inquietação e tremores. A dobutamina também facilita a condução atrioventricular, que acelera a resposta ventricular a fibrilação atrial, causando taquicardia grave. Pacientes tratados com dobutamina são mantidos em infusão por 24 horas. A taxa de infusão é então reduzida à metade pelas próximas 24 horas antes de suspendê-la. Há evidências em humanos de que a resposta farmacológica à dobutamina desaparece após 24 horas, portanto existe pouca vantagem em continuar a fornecê-la por mais de 48 horas. No entanto, pacientes recebendo dobutamina devido à descompensação de corrente da ICC requerem suporte inotrópico a longo prazo, iniciando-se portanto a administração de drogas inotrópicas positivas orais, p. ex., a digoxina, durante as primeiras 24 horas de infusão de dobutamina.

A dopamina (Intropin, American Critical Care; Dopastas, Parke-Davis) é uma catecolamina natural e precursora da noradrenalina. É semelhante à dobutamina em seu início rápido de ação e na meia-vida curta, razão pela qual deve ser administrada por infusão intravenosa contínua. A dose é de 2-5 mg/kg/min em cães e gatos para efeito inotrópico positivo. Diferente da dobutamina, em altas doses (>10mg/kg/min) desenvolve intensa vasoconstrição periférica), que aumenta o trabalho cardíaco prejudica a perfusão tecidual e orgânica. Os efeitos colaterais potências são semelhantes ao da dobutamina.

Glicosídios Digitálicos. Os glicosídios digitálicos estão disponíveis na forma intravenosa; a dobutamina e a dopamina são superiores para este papel. Administrado por via intravenosa, o digitálico tem pouco efeito inotrópico. A resposta hemodinâmica em humanos é altamente variável, e a dose necessária para atingir efeitos inotrópicos em geral dá origem a manifestação tóxicas. Além disso, a meia-vida da digoxina ( a forma de digitálico mais utilizada) é relativamente longa (oito a 12 horas), comparada a outras drogas utilizadas para suporte inotrópico agudo. Portanto, caso surjam efeitos colaterais, persistiram mais que com outros agentes inotrópicos positivos intravenosos. Ocasionalmente, o digitálico intravenoso é indicado em pacientes com ICC descompensada, devido a taquirritmias supraventriculares.

Drogas Inotrópicas Positivas Administrada por Via Oral.

Os glicosídios digitálicos continuam sendo a principal classe de drogas utilizadas cronicamente para melhorar o desempenho do bombeamento cardíaco. Os efeitos benéficos dos digitálicos são de início muito lentos, para pacientes com sinais graves, devem ser utilizados em combinações com diuréticos. A digoxina e a digotoxina são os dois glicosídios digitálicos mais utilizados em medicina veterinária, mais a primeira tem emprego mais amplo. Ambas as drogas possuem capacidade semelhante em termos de induzir um efeito inotrópico positivo na insuficiência cardíaca, mas a digoxina exerce maior atividade vagal, o que a torna preferível quando arritmias atriais complicam a ICC.

Antes de administrar glicosídios digitálicos a um paciente, vários fatores devem ser considerados:

1. Tamanho corpóreo. Como os cães e gatos de grande porte possuem uma razão superfície corpórea/peso menor, requerem proporcionalmente menos digoxina, não se distribui bem na gordura, e assim a dosagem deve basear-se na estimativa da massa corpórea magra, enquanto a digitoxina é lipossolúvel, de modo que a dose fica inalterada.

2. Função renal. A digotoxina é eliminada principalmente pelo rim. Portanto, se a função renal estiver comprometida ,a eliminação da digotoxina é reduzida, promovendo um aumento nas concentrações séricas e na possibilidade de toxicidade. Se a azotemia for leve (creatinina <2,5 mg dL), em particular se a causa for pré-renal e atribuida a função cardíaca deficiente, a digoxina pode ser utilizada, mas a dose é reduzida. Fórmulas para a redução da dose com base na concentração sérica de creatinina podem ser imprecisas, porque parece haver pouca correlação entre o grau de azotemia e a concentração sérica de digoxina no cão. Reconhecendo as limitações da utilização de fórmulas, uma forma de ajustar a dosagem em pacientes com azotemia é dividir a dose pelo valor da cretinina. Por exemplo, se a concentração sérica de creatinina for 2 mg/dL, a dose de digoxinia deveria ser dividida por 2. O ideal, em pacientes com disfunção renal, é que a concentração sérica de digoxina seja medida três dias após o inicio da terapia e, então, uma vez por semana no primeiro mês. A faixa terapêutica para a digoxina sérica é de aproximadamente 1,0-2,0 ng/mL, e para a digotoxina sérica de 15 a 35 ng/mL. Quando a azotemia for moderada ou grave, especialmente se decorrente de causas renais primárias, a digotoxina deverá ser considerada porque é metabolizada pelo fígado.

3. Concentração sérica de eletrólitos. A dose de digitálico deve ser reduzida na presença de hipocalemia; no entanto, não existem diretrizes para o cálculo da redução da dose. Em vez disso, a causa da hipocalemia deve ser determinada e corrigida.

4. função da tireóide. A dose de digitálico deve ser reduzida em pacientes com hipo ou hipertireoidismo, mas em cada caso a função tireóidea precisa ser restabelecida. Recomendações para ajuste da dose não têm sido publicadas para cães e gatos, mas a dose deve ser reduzida de 10-20%. A concentração sérica de digitálico deve ser determinada como base para o ajuste da dose.

5. Interações medicamentosas. A quinidina e os bloqueadores de canais de cálcio, em particular o verapamil, tendem a aumentar a concentração sérica do digitálico. Tais drogas devem ser evitadas em pacientes digitalizados, ou a dose de digitálico deve ser reduzida. Em geral, reduz-se  25% da dose e, então, periodicamente, medimos a concentração sérica de digoxina como base para o ajuste da dose.

A digoxina está disponível na forma de comprimidos de 0,125 e 0, 250 mg ou elixir com 0,05 mg/mL e 0, 15 mg/mL. A digitoxina está disponível em cápsulas (0,05; 0,10 e 0,15 mg). A biodisponibilidade da digoxina varia de acordo com a formulação (p.ex., comprimido versus elixir), e a dose recomendada para cães e gatos deve ser ajustada. A escolha de comprimido versus elixir se baseia no tamanho do paciente, na facilidade e na conveniência de administração. Aparentemente, gatos são mais sensíveis à digotoxina que cães, e recomenda-se uma dose menor. A dosagem de digoxina para gatos é mais difícil devido ao seu tamanho pequeno. Eles, em geral, salivam exessivamente quando o elixir é administrado. A digitoxina não deve ser administrada a gatos porque sua meia-vida é muito longa.

Os efeitos colaterais mais comuns dos digitálicos são gastrintestinais, em particular anorexia e vômitos. Podem desenvolver-se arritmias e distúrbios da condução de qualquer tipo. As arritmias podem ser precipitadas ou exacerbadas por distúrbios eletrolíticos, principalmente hipocalemia, assim como pelo uso excessivo de diurético. Quando se suspeitar de intoxicação digitálica, a droga deve ser suspensa pelo menos por 24-48 horas, ou até que os efeitos colaterais tenham sido abolidos; a concentração sérica de digitálico deve ser medida para confirmação, e as causas precipitantes de intoxicação digitálica, com azotemia, distúrbios eletrolíticos, mudanças no peso do animal e má comunicação com o proprietário a respeito da dosagem devem ser acompanhadas.

7.Redução da pós-carga. O termo pós-carga refere-se à resistência a ejeção ventricular de sangue imposta pelo grau de vasoconstrição arterial periférica, também denominada resistência vascular sistêmica. Com a ICC, a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona induz à vasoconstrição arterial, comprometendo a função bombeadora do coração e aumentando a carga de trabalho.  Drogas que agem como vasodilatadores arteriais possuem em comum vários efeitos colaterais potencialmente adversos, incluindo hipotensão, taquicardia reflexa e aumento na retenção de líquidos. Os sinais clínicos de hipotensão incluem fraqueza, síncope, colapso, taquicardia, azotemia e extremidades frias. O aumento da retenção de líquidos é provavelmente o resultado do equilíbrio dos mecanismos compensatórios; a hipotensão induz a estimulação reflexa do sistema nervoso simpático e leva a hipoperfusão renal, que aumenta a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Assim, a vasoconstrição e a retenção de líquido aumentam, contrabalançando os efeitos potencialmente benéficos da vasodilatação. O ideal é monitorizar a pressão arterial nos pacientes antes e durante o tratamento com vasodilatodor.

Utiliza-se o seguinte método para iniciar a terapia oral com vasodilatador. O paciente é hospitalizado, realizam-se avaliações basais, um vasodilatador é selecionado e metade da dose calculada é administrada. O paciente é avaliado nas primeiras três horas, para observação do efeito das drogas. Se nenhum efeito adverso significativo for observado novamente quanto a efeitos colaterais adversos.

Não existe documentação de que um vasodilatador seja preferível em relação a outro em cães ou gatos. Com base de estudos da eficácia em humanos, a hidralazina ou o captropil têm sido as drogas mais aceitas e usadas por cardiologistas veterinários. Evidências em humanos de que o captopril é capaz de prolongar a vida em pacientes com ICC podem induzir os cardiologistas veterinários a escolherem os inibidores da enzima conversora de angiotensina, como os vasodilatadores para tratamento da ICC. O prazosin não tem sido escolhido com vasodilatador para tratar ICC em humanos, devido ao freqüente desenvolvimento de tolerância e à resposta clínica deficiente.

A hidralazina está disponível em comprimidos de 10,25 e 50 mg, e a dose é de 0,5-1,5 mg/kg VO duas vezes ao dia, tanto em cães como em gatos. É um potente relaxante de ação direta na musculatura lisa arteriolar, mas os clínicos devem estar vigilantes para sinais de hipotensão. Algumas vezes, a dose de diuréticos deve ser aumentada, porque a tendência à hipotensão aumenta a relação de líquido. Para cães de pequeno porte (<5kg), ou gatos, a preparação intravenosa (20 mg/mL) de hidralazina pode ser utilizada por via oral, método que permite uma dosagem mais precisa em animais pequenos, e evita o ajuste das formulações em comprimido.

Inibindo-se a enzima que converte a angiotensina II, os inibidores da enzima conversora de angitensina (ECA) bloqueiam a ativação do sistema renina angiotensina-aldosterona, efeito que reduz a retenção de sódio e água pelo rim, por diminuir a concentração plasmática de aldosterona. A vasodilatação venosa e arteriolar também é induzida pela redução de angiotensina II, um potente vasoconstritor. Em humanos, há evidências de que os inibidores da ECA podem atenuar progressivamente o aumento ventricular e prolongar a vida em pacientes com ICC. Tradicionalmente o uso de inibidores da ECA era reservado para os estágios finais da ICC. Esta abordagem terapêutica para a ICC deve ser reavaliada, para considerar a vantagem potencial do uso de inibidores da ECA no início do processo patológico. O captopril é o inibidor da ECA mais utilizado em medicina veterinária. A dose para cães e gatos é de 0,5-1,5 mg/kg VO três vezes ao dia. Além da hipotensão, efeitos colaterais gastrintestinais, com anorexia e vômito, em geral ocorrem. O captopril pode Ter efeitos nefrotóxicos diretos, e tem sido relatada insuficiência renal em cães, associada à sua administração, portanto, é preciso monitorar periodicamente a urina (urinálise), a uréia e a creatinina. O enalapril (vasotec, Merck Sharp & Dohme) é uma nova geração de inibidor da ECA que parece Ter menos efeitos gastrintestinais e pode ser administrado com menor freqüência que o captropil.

Aplicação Clínica das Estratégias Terapêuticas.

O sucesso no tratamento de pacientes com ICC enquanto se induz um mínimo de efeitos colaterais adversos, é uma ciência e uma arte.  Nenhum protocolo satisfaz as necessidades de todos os pacientes com ICC; o tratamento deve ser adaptado às necessidades especiais de cada paciente. O que o clínico deve fazer?

1.Tratamento medicamentoso em etapas. Empregar o menor número possível de drogas para controlar os sinais clínicos. O clínico deve estar preocupado e sempre vigilante para reações adversas as drogas. Além disso, quanto mais drogas são adicionadas ao protocolo de tratamento, a oportunidade de interações medicamentosas imprevisíveis aumenta.

2.Monitorização da resposta ao tratamento. Em animais, a obtenção de dados hemodinâmicos objetivos é difícil na prática geral. Felizmente, vários parâmetros de fácil obtenção podem ser monitorizados para avaliar a resposta ao tratamento. Tais parâmetros incluem sinais clínicos (dispnéia, tosse), a auscultação torácica para detectar estertores pulmonares, palpação abdominal para ascite, avaliação do pulso venoso jugular e da artéria femoral, além de radiografia torácica.

3. Monitorização da terapia medicamentosa. Por exemplo, as concentrações séricas de glicosídeos digitálicos precisam ser rotineiramente determinadas. Amostras de sangue devem ser colhidas oito a 10 horas após a administração de uma dose. Antes de concluir que o tratamento com digitálico é ineficaz no paciente, nos asseguramos de que concentrações terapêuticas de digitálico tenham sido atingidas.

Em geral, é difícil saber quando e como intervir com drogas cardíacas.

Classe I: Pacientes que têm doença cardíaca, mas sem evidência de insuficiência cardíaca (assintomáticos). Em geral, possuem um sopro de discreta ou nenhuma cardiomegalia. O tratamento com drogas cardíacas não é necessário, mas a causa primária deve ser tratada, se possível (p.ex., infecção por dilofilária).

Classe II: Pacientes que demonstram intolerância aos exercícios e/ou tosse atribuídos a doença cardíaca. Uma cardiomegalia moderada sem insuficiência cardíaca congestiva costuma estar presente. São recomendados: restrição a exercícios, dieta hipossódica, bem como tratamento com diurético. Então, se ao sinais clínicos não forem controlados adequadamente, podem ser necessárias drogas cardíacas adicionais como um glicisídio digitálico, ou vasodilatadores.

Classe III: Pacientes que apresentam sinais de insuficiência cardíaca durante a atividade normal. Na insuficiência esquerda, a tosse em geral está presente e pode ser atribuída a cardiomegalia grave, causando compressão das grandes vias respiratórias, ou edema pulmonar peri-hilar (ou ambos). Na insuficiência cardíaca direita, a distensão da via jugular e hepatomegalia geralmente são detectáveis. O tratamento inclui restrição de sal e exercícios, e um inotrópico positivo ou um vasodilatador. Não está claro, em medicina veterinária, se é preferível o uso de inotrópico positivo, como o digitálico, ou vasodilatadores nesse estado de insuficiência cardíaca. Tradicionalmente, os digitálicos têm sido sido utilizados. Como a classe de vasodilatadores inibidores da ECA vem demonstrando atenuar o aumento ventricular e melhorar a sobrevivência de pessoas com insuficiência cardíaca, muitos cardiologistas veterinários recomendam os inibidores da ECA para pacientes da classe III de insuficiência cardíaca.

Classe IV: Pacientes que apresentam sinais de insuficiência cardíaca em repouso, ou com atividade mínima. Geralmente indica-se restrição aos exercícios e dieta hipossódica, diuréticos, inotrópicos positivo e vasodilatadores.  A terapia com vasodilatadores pode ser contra-indicada em pacientes com insuficiência cardíaca direita associada à resistência pulmonar estabelecida devida à dirofilariose. Também na insuficiência cardíaca direita devida à efusão (pericardiocentese ou pericardiotomia). Em pacientes com classe IV avançada ou aguda, a insuficiência cardíaca pode ser tão grave que constitua uma emergência clínica. Em tais pacientes, o tratamento intravenoso com inotrópicos é indicado, especialmente se estiverem presente sinais de baixo débito cardíaco. Outros tratamentos apropriados incluem oxigenoterapia, toracocentese para hidrotórax e parecentese abdominal para ascite.

Tratamento Experimental

A bumetanida é estruturalmente semelhante à furosemida, mais é mais potente em relação peso corpóreo. Os efeitos farmacocinéticos e farmacodinâmicos são semelhantes aos da furosemida. Ocasionalmente, observa-se um efeito terapêutico benéfico em pacientes humanos que não respondem ao tratamento com furosemida.

A amrinona é um inotrópico positivo com acentuada atividade vasodilatadora. Seu mecanismo da ação não está totalmente elucidado, mas acredita-se que o efeito inotrópico se deve à inibição da atividade de fosfodiesterase do monosfato cóclicode adenosina (AMPc) miocárdio, que aumenta os níveis de AMPc. A amrinona deveria ser administrada por infusão intravenosa constante (10-20 g/kg/min em cães) apenas sob rigorosa monitorização, devido ao seu efeito potencialmente hipotensivo.

A milrinona foi utilizada com sucesso como inotrópico positivo oral experimental em cães com ICC. A milrinona pode-se tornar disponível para uso clínico em cães. Parece Ter algumas vantagens distintas sobre os glicosídeos digitálicos. O início de ação após administração oral é de 30 minutos; sua potência inotrópica parece ser maior do que a da digoxina, com maior margem de segurança entra as concentrações terapêuticas e tóxica. A milrinona produz vasodilatação periférica (pós-carga diminuída), que pode melhorar mais o desempenho cardíaco, mas também pode causar hipotensão e taquicardia reflexa. A milrinona pode ser ainda arritmogênica, em particular em cães com arritmias preexistentes. A dose recomendada de milrinona durante o teste experimental foi de 0,5-1,0 mg/kg/VO, duas a três vezes ao dia.

Várias outras drogas inotrópicas positivas estão sendo submetidas a uso experimental em humanos. A ibopamina, o pirbuterol e o prenalterol são aminas simpaticomiméticas ativas por via oral. A ibopamina apresenta características hemodinâmicas semelhantes às da dopamina. Um grande obstáculo no desenvolvimento de qualquer agonista B-adrenérgico administrado continuamente por longos períodos e a tolerância aos efeitos hemodinâmicos favoráveis, de forma semelhante ao que se observa com a dobutamina ou dopamina. A enoximona e a piroximona parecem agir inibindo a fosfodiesterase, de forma semelhante à milrinona, mas possuem estrutura química diferente. A eficácia e a segurança a longo prazo não foram estudadas adequadamente.

Em humanos, o transplante cardíaco ou a substituição biventricular (coração artificial total) são considerados em pacientes selecionados com ICC refratária, em estágio final. Tais opções terapêuticas não estão disponíveis ou não são efetuadas na pratica clínica em medicina veterinária.

 

Luiz Bolfer
Coordenador GeCarDio - Grupo de Estudos em Cardiologia Veterinária Universidade Tuiuti do Paraná - UTP
luiz_bolfer@yahoo.com.br