Esquadrão Alvi-Negro      


GARRINCHA - A História a seus Pés 


        O garoto pisava pela primeira vez no gramado de General Severiano para um teste, mas não parecia abalado. Ninguém lhe dava a menor atenção, e a única coisa fora darotina no Botafogo parecia ser a ausência do técnico Gentil Cardoso, que, resolvendo problemas particulares, deixou o treino a cargo de seu filho, omédico alvinegroNílton Cardoso. Quando a bola começou a rolar, porém, o menino mostrou que aquele não era um dia qualquer na vida botafoguense. Sem se incomodar com a marcaçãode Nílton Santos, driblava como um gênio, passava-lhe a bola entre as pernas e dava a impressão de ter o diabo no corpo. O menino era Garrincha. Meio sem jeito por não definir a contratação do candidato a craque, Nílton Santos esperou o fim do treino e mandou todos descerem para o banho. Minutos depois, aliviado, viu o pai entrar no vestiário e, sem perder tempo, foi avisá-lo do que acontecera. "Tem um garoto aí que é craque", disse, apontando para Garrincha. "Quem ?", perguntou Gentil Cardoso sem entusiasmo. "Aquele torto ?", alfinetou. A curiosidade, porém, o fez se aproximar e questionar se o menino seria capaz de repetir a atuação que seu filho contara. "Claro, faço isso sempre em Pau Grande", afirmou Garrincha. Espantado, Gentil Cardoso fez todos os atletas retornarem ao campo e assistiu atônito a mais um espetáculo daquele garoto de pernas tortas. Aí, não teve mais dúvidas. Contratou Garrincha. Naquela tarde de outono de 1953 começava a trajetória do maior craque que já vestiu a camisa do Botafogo. A estréia, pelos aspirantes, aconteceu em 21 de junho de 1953, contra o Avelar, de Vassouras. Um mês depois, em 19 de junho, fez seu primeiro jogo oficial, marcando três gols na vitória de 6 x 3 sobre o Bonsucesso. Desde aquela época, a imprensa já lhe tratava de maneira especial, divulgando sua presença nas duas partidas, embora sem acertar seu nome. Na primeira, o chamava de "Garrinha"; na segunda, o tratava por "Gualicho".
          Dali em diante foram quase treze anos de amor ao clube, 581 jogos e 232 gols que mudaram a história botafoguense. Mesmo sem jogadores à sua altura no início - o único cobra inquestionável era Nílton Santos -, Mané ainda assim levou o time ao terceiro lugar em seu primeiro campeonato, fazendo vinte gols. Mas foi com a chegada de Didi, em 1956, que ganhou um companheiro que sabia explorar suas características. Com isso, seu futebol tornou-se ainda mais extraordinário. Convites para  excursões e torneios em todo o planeta chegavam a General Severiano, e o clube se exibiu desde a Volômbia até a Iugoslávia. Em qualquer lugar conhecia-se "O Time de  Garrincha". No Brasil, só havia um adversário - o Santos de Pelé. Assim, o clube conquistou com facilidade os títulos cariocas de 1957, 1961 e 1962 e os torneios Rio-São Paulo de 1962 e 1964 - o último ao lado dos santistas. No carioca de 1962, inclusive, apenas em cinco jogos o ponta pôde contar com a valiosa companhia de Didi, machucado.Garrincha era o Botafogo. Tornou-se o maior artilheiro da história alvinegra, desbancando o antigo centroavante Carvalho Leite, e virou um apaixonado pelo clube. Tão apaixonado que se dispôs a sofrer infiltrações para entrar em campo e garantir com seu prestígio a quota do clube em jogos internacionais. Tão apaixonado a ponto de adiar a operação do joelho, que o afastou dos gramados de 1964 a 1965, apenas para atender a um pedido do Botafogo. Só não imaginava que o clube viesse a se desinteressar por ele e vendê-lo ao Corínthians por 220 milhões de cruzeiros, cerca de 100 mil dólares na época, sem sequer comunicá-lo. Coube ao presidente corintiano Wadih Helou avisá-lo de sua transferência. Ao ouvir a notícia que não era mais jogador do clube, Garrincha não se conteve. Chorou.
 

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