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ÁGUA: A ÚLTIMA FRONTEIRA
*Estilac Xavier

O Brasil está sob a ameaça de mais uma medida de grande impacto que o Governo Federal tentará impor aos municípios brasileiros: a privatização dos serviços de saneamento básico. Em 1999, o presidente Fernando Henrique Cardoso comprometeu-se, junto ao Fundo Monetário Internacional,  a abrir ao capital privado a exploração dos serviços de água e esgoto. A promessa começa, agora, a transformar-se em realidade. O governo FHC encaminhou, recentemente, ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei 4147/2001 que  constituirá as condições políticas e materiais para deflagar, enfim, este processo de privatização. A vingar tal proposição, a titularidade da prestação de serviços de saneamento não pertencerá, praticamente, a nenhuma cidade brasileira e sim aos estados. Estes, por sua vez, serão compelidos à venda do setor nos seus ajustes fiscais. Portanto, o projeto que, aparentemente, se propõe a regulamentar os serviços,  na verdade, vai propiciar as condições para a entrega do setor a grupos privados, que podem vir a atuar de forma predatória e especulativa. Não estamos nos referindo, aqui, a apenas mais uma concessão e sim à possibilidade de se deixar nas mãos de terceiros um bem que é universal. Desenvolvo esta opinião com base em documentação das áreas de saneamento, especialmente do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (DMAE) da nossa Capital.

Também há que se considerar que, nos últimos anos, o Governo Federal tem adotado medidas que negam linhas de financiamento ao setor público, direcionando os recursos para financiar a iniciativa privada. Por exemplo: em 1997, o Conselho Curador do FGTS aprovou proposta que disponibiliza recursos do fundo para as concessionárias privadas de saneamento. Até então, os recursos do FGTS só podiam ser tomados pelos operadores públicos. Também no mesmo ano, BNDES e CEF assinaram convênio abrindo linha de crédito de R$ 30 milhões para financiar serviços autônomos que queiram conceder seus sistemas de saneamento à iniciativa privada. Note-se que o crédito é específico para consultores que auxiliem o processo de privatização.

Não há como esquecer, também, a direta vinculação que existe entre o saneamento e a saúde. Dados da Organização Mundial da Saúde revelam que cerca de 70% das internações hospitalares decorrem de doenças adquiridas por veiculação hídrica, e cada dólar aplicado em saneamento representa uma economia de quatro a oito dólares em medicina curativa. É evidente que empresas privadas – que se movem somente pela lucratividade – não irão investir em locais onde o custo de implantação dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto forem elevados e, portanto, desfavoráveis na relação custo/benefício.

O que está em discussão é uma arrecadação que envolve valores estimados em R$ 10 bilhões anuais e que, aliada a fatos concretos de escassez de água no planeta, torna este mercado extremamente atraente do ponto de vista econômico. No Brasil estão concentrados 12% da água doce mundial, dos quais 70% encontram-se na bacia amazônica. O mínimo que se poderia esperar é que o governo federal tomasse medidas que salvaguardassem nosso patrimônio hídrico,  para que a carência, que já assola outros países, não chegue até aqui e também para que nossa água não seja controlada por  empresas privadas, nacionais ou internacionais.

Esta discussão não se resume ao debate entre o público e o privado.  Minha intenção é provocar uma discussão partindo do princípio de que a água e, conseqüentemente,  o saneamento básico são, reconhecidamente, bens públicos de tutela intransferível.

A cobrança pela prestação dos serviços de saneamento deixará de ser relativa a um serviço essencial para tornar-se uma mera transação comercial, sem qualquer participação ou manifestação do poder concedente, ou seja, o município.

Porto Alegre, que tem a maior empresa pública municipal de saneamento, dá exemplo de que o poder público municipal pode ter uma política de saneamento de qualidade, com tarifas socialmente justas e economicamente viáveis e que possibilita a todos os cidadãos, independente da classe social, ter água tratada em suas casas. Na capital gaúcha, 99% da população recebe água tratada e 84% tem coleta de esgotos.

O direito de acesso universal à água não pode ser transferido à mão invisível do mercado. Para defender esta última fronteira, a Câmara Municipal de Porto Alegre está pautada para discutir e aprovar uma emenda à Lei Orgânica – a constituição do município – que estabelece que serviço público de água e esgoto será organizado, prestado, explorado e fiscalizado diretamente pelo Município, vedada a outorga mediante concessão , permissão ou autorização, exceto à entidade pública municipal existente ou que venha a ser criada para tal fim.   

* Engenheiro, Vereador e Líder da Bancada do PT e do Governo na Câmara Municipal de Porto Alegre. Foi Secretário Municipal de Obras e Viação de Porto Alegre de 1993 a 2000.

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