Necronomicon
O Necronomicon (literalmente: "Livro de Nomes Mortos")
foi escrito em Damasco, por volta de 730 d.C., sendo sua autoria atribuída a
Abdul Alhazred. Ao contrário do que se pensa vulgarmente, não se trata de um
grimoire (ou grimório), livro mágico de encantos, mas de um livro de histórias.
Escrito em sete volumes.
No original, chegou à cerca de 900 páginas na edição latina, e
seu conteúdo dizia respeito à coisas antigas, supostas civilizações
anteriores à raça humana, numa narrativa obscura e quase ilegível.
Abdul Alhazred nasceu em Sanaa, no Iêmen, tendo feito várias
viagens em busca de conhecimento.
Dominando vários idiomas, vagou da.Alexandria ao Pundjab, na Índia,
e passou muitos anos no deserto despovoado ao sul da Arábia. Embora conhecido
como árabe louco, nada há que comprove sua insanidade, muito embora sua prosa
não fosse de modo algum coerente. Alhazred era um excelente tradutor,
dedicando-se a explorar os segredos do passado, mas também era um poeta, o que
lhe permitia certas extravagâncias na hora de escrever, além do caráter
dispersivo. Talvez isso explique a alinearidade do Necronomicon.
Alhazred era familiarizado com os trabalhos do filósofo grego
Proclos(410-485 d.C.), sendo considerado, como ele, um neo-platônico. Seu
conhecimento, como o de seu mestre, inclui(matemática, filosofia, astronomia,
além de ciências metafísicas baseadas na cultura pré-cristã de egípcios e
caldeus. Durante seus estudos, costumava acender um incenso feito da mistura de
diversas ervas, entre elas o ópio e o haxixe. As emanações desse incenso,
segundo diziam, ajudavam a "clarear" o passado.
É interessante notar que a palavra árabe para loucura(majnum) tem
um significado mais antigo de "djinn possuído". Djilms eram os demônios
ou gênios árabes, e Al Azif, outra denominação para o livro de Alhazred,
queria dizer justamente "uivo dos demônios noturnos".
Como
determinar o limite entre a loucura e a sabedoria?
Semelhanças entre o Ragnarok, mito escandinavo do Apocalipse, e
passagens do Al Azif sugerem um vínculo entre ambos. Assim como os djinns árabes
e os anjos hebraicos, os deuses escandinavos seriam versões dos deuses antigos.
Ambas as mitologias falam de mundos sendo criados e destruídos, os gigantes de
fogo de Muspelhein equivalem aos anjos e arcanjos bíblicos, ou aos gênios árabes,
e o próprio Surtur, demônio de fogo do Ragnarok, poderia ser uma corruptela
para Surturiel, ou Uriel, o anjo vingador que, como Surtur, empunha uma espada
de fogo no Juízo Final. Da mesma forma, Surtur destrói o mundo no Ragnrok,
quando os deuses retornam para a batalha final.
Embora vistas por alguns com reservas, essas ligações tornam-se
mais fortes após recentes pesquisas que apontam o caminho pelo qual o
Necronomicon teria chegado à Escandinávia. A cidade de Harran, no norte da
Mesopotâmia, foi conquistada pelos árabes entre 633 d.c. e 643 d.c. apesar de
convertidos ao islã, os harranitas mantiveram suas práticas pagãs, adorando a
Lua e os sete planetas então conhecidos. Tidoa como neo-platônicos,
escolheram, por imposição, da religião dominante, a figura de Hermes
Trimegisto para representa-los como profeta. Um grupo de harranitas mudou-se
para Bagdá, onde mantiveram uma comunidade distinta denominada sabinos.
Alhazred menciona os sabinos .Era uma comunidade instruída, que dominava o
grego e tinha grande conhecimento de literatura, filosofia, lógica, astronomia,
matemática, medicina, além de ciências secretas relativas às culturas árabe
e grega. Os sabinos mantiveram sua semi-independência até o século XI, quando
provavelmente foram aniquilados pelas forças ortodoxas islâmicas, pois não se
ouve mais falar deles à partir do ano 1000. No entanto, por volta de 1041, o
historiador Miguel Psellus conseguiu salvar uma grande quantidade de documentos
pertencentes aos sabinos, recebendo-os em Bizâncio, onde vivia. Quem levou
esses documentos de Bagdá para Bizâncio permanece um mistério, mas é certo
que o fez tentando preservar uma parte da cultura dos sabinos da intolerância
religiosa da época.
Psellus, que além de historiador era um estudioso de filosofia e
ocultismo, juntou o material recebido num volume denominado "Corpore
Hermeticum". Mas haviam outros documentos, inclusive uma cópia do Al Azif,
que ele prontamente traduziu para o grego.
Por essa época, era costume os imperadores bizantinos empregarem
guarda-costas vikings, chamados "varanger". A imagem que se tem dos
vikings como bárbaros semi-selvagens não corresponde à realidade, eram
grandes navegadores que, já no ano mil, tinham dado inicio a uma rota comercial
que atravessaria milhares de quilômetros, passando pela Inglaterra, Groenlândia,
América do Norte e a costa atlântica inteira da Europa, seguindo pela Rússia
até Bizâncio. Falavam grego fluentemente e sua infantaria estava entre as
melhores do mundo.
Entre 1030 a 1040, servia em Bizâncio como varanger um viking
chamado Harald. Segundo o costume, sempre que o imperador morria, o varanger
tinha permissão para saquear o palácio. Harald servia à imperatriz .Zoe, que
cultivava o hábito de estrangular os maridos na banheira. Graças a ela, Harald
chegou a tomar Varie em três saques, acumulando grande riqueza.
Harald servia em Bizâncio ao lado de dois companheiros, Haldor
Snorrason e Ulf Ospaksson. Haldor, filho de Snorri, o Padre, era reservado e
taciturno. Ulf, seu oposto, era astuto e desembaraçado, tendo casado com a
cunhada de Harald e tornado-se um grande 1íder norueguês. Gostava de discutir
poesia grega e participava das intrigas palacianas. Entre suas companhias
intelectuais preferidas estava Miguel Psellus, de quem Ulf acompanhou o trabalho
de tradução do Al Azif, chegando a discutir o seu conteúdo como historiador
bizantino. Segundo consta, foi durante a confusão de uma pilhagem que Ulf
apoderou-se de vários manuscritos de Psellus, traduzidos para o grego. Ulf e
Haldor retornaram à Noruega com Harald e, mais tarde, Haldor seguiu sozinho
para a Islândia, levando consigo a narrativa do Al Azif. Seu descendente,
Snorri Sturluaaon(1179-1241), a figura mais famosa da literatura islandesa,
preservou essa narrativa em sua "Edda Prosista", a fonte original para
o conhecimento da mitologia escandinava. Sabe-se que Sturlusson possuía muito
material disponível para suas pesquisas 1ítero-históricas e entre esse
materia1certamente estava o Al Azif, que se misturou ao mito tradicional do
Ragnarok.
Felizmente, Psellus ainda pôde salvar uma versão do Al Azif
original, caso contrário, o Necronomicon teria sido perdido para sempre.
Ao que se sabe, não existe mais nem um manuscrito em árabe do
Necronomicon, o xá da antiga Pérsia(atual Irã) levou à cabo uma busca na Índia,
no Egito e na biblioteca da cidade santa de Mecca, mas nada encontrou. No
entanto, uma tradução latina foi feita em 1487 por um padre dominicano chamado
Olaus Wormius, alemão de nascença, que era secretário do inquisidor-mor da
Espanha, Miguel Tomás de Torquemada, e é provável que tenha obtido o
manuscrito durante a perseguição aos mouros. O Necronomicon deve ter exercido
grande fascínio sobre Wormius, para levá-1o a arriscar -se em traduzí-lo numa
época e lugar tão perigosos. E1e enviou uma cópia do livro a João Tritêmius,
abade de Spanhein, acompanhada de uma carta onde se lia uma versão blasfema de
certas passagens do Livro de Gênese. Sua ousadia custou-lhe caro. Wormius foi
acusado de heresia e queimado numa fogueira, juntamente com todas as cópias de
sua tradução. Mas, segundo especulações, ao menos uma cópia teria sido
conservada, estando guardada na biblioteca do Vaticano.
Seja como for, traduções de Wormius devem ter escapado da Inquisição,
pois quase cem anos depois, em 1586, o livro de Alhazred reapareceria na Europa.
O Dr. John Dee, famoso mago inglês, e seu assistente Edward Kelley,
estavam em Praga, na corte do imperador Rodolfo II, traçando projetos para a
produção de ouro alquímico, e Kelley comprou uma cópia da tradução latina
de um alquimista e cabalista chamado Jacó Eliezer, também conhecido como
,"rabino negro", que tinha fugido da Itália após ser acusado de práticas
de necromancia. Naquela época, Praga havia se tornado um ímã para mágicos,
alquimistas e charlatões de todo tipo, não havia lugar melhor para uma cópia
do Necronomicon reaparecer.
John Dee(1527-1608), erudito e mago elisabetano, pensava estar em
contato com anjos e "outras criaturas espirituais", por mediação de
Edward Kelley. Em 1555, já fora acusado, na Inglaterra, de assassinar meninos
ou de deixá-los cegos por meio de mágica. É certo que Kelley tinha grande
influência sobre as práticas tenebrosas de Dee, os anjos com os quais dizia
comunicar-se, e que talvez só existissem em sua cabeça, ensinaram a Dee um
idioma até então desconhecido, o enoquiano, além de outras artes mágicas. Se
tais contatos, no entanto, foram feitos através do Necronomicon, é coisa que
se desconhece. O fato é que a doutrina dos anjos de Dee abalou a moral da época,
pois pregava entre outras coisas, o hedonismo desenfreado. Em1583, uma multidão
enfurecida saqueou a casa de Dee e incendiou sua biblioteca.
Após tentar invocar um poderoso espírito que, segundo o vidente,
lhes traria grande sabedoria, Dee e Kelley se separaram, talvez pelo fracasso da
tentativa. Em 1586, Dee anuncia sua intenção de traduzir o Necronomicon para o
inglês, à partir da tradução de Wormius. Essa versão, no entanto nunca foi
impressa, passando para a coleção de Elias Ashmole(1617-1692), estudioso que
transcreveu os diários espirituais de Dee, e finalmente para a biblioteca de
Bodleian, em Oxford.
Por cerca de duzentos e cinquenta anos, os ensinamentos e escritos
de Dee permaneceram esquecidos. Nesse meio tempo, partes do Necronomicon foram
traduzidas para o hebreu, provavelmente em 1664, circulando em forma de
manuscritos e acompanhados de um extenso comentário feito por Nathan de Gaza.
Nathan, que na época contava apenas 21 anos, era um precoce e brilhante
estudante da Torah e Talumud. Influenciado pelas doutrinas messiânicas judaicas
vigentes na época, ele proclamou como o messias esperado a Sabbatai Tzavi, um
maníaco depressivo que oscilava entre estados de transcendência quando se
dizia que seu rosto parecia reluzir, e profunda frustração, com acessos de fúria
e crueldade. Tais estados de ânimo eram tidos como o meio pelo qual Sabbatai se
comunicava com outros planos de existência, como um Cristo descendo aos
infernos, ou Orfeu, numa tradição mais antiga.
A versão hebraica do Al Azif era intitulada Sepher ha'sha'are
ha-Da'ath, ou o "Livro do Portal do Conhecimento". Tratava-se de um
comentário em dois capítulos do livro de Alhazred. A palavra para
conhecimento, Da'ath, foi traduzida para o grego na Bíblia como gnosis, e na
Cabala tem o significado peculiar de "não-existência", sendo
representada às vezes como um buraco ou portão para o abismo da consciência.
Seu aspecto dual parece indicar uma ligação entre o mundo material, com sua
ilusão de matéria física e ego, e o mundo invisível, obscuro, do
conhecimento, mas que seria a fonte da verdadeira sabedoria, para aqueles que
pudessem suportá-la. Isso parece levar ao Astaroth alquiímico e à máxima da
magia, que afirma que o que está em cima(no céu) é como o que está em
baixo(na terra). A ligação entre os dois mundos exigiria conhecimento do
Abismo, abolição do ego e negação da identidade. De dentro do Abismo, uma
infinidade de portões se abre. É o caos informe, contendo as sementes da
identidade.
O propósito de Nathan de Gaza parece ter sido ligar o Necronomicon
à tradição judaica da Cabala, que fala de mundos antigos primordiais e do
resgate da essência sublime de cada ser humano, separada desses mundos ou
submergida no caos. Ao lado disso, criou seu movimento messiânico, apoiado em
Sabbatai Tzevi, o qual criou cisões e conflitos na comunidade judaica,
conflitos que persistiram por pelo menos um século. Há quem afirme que uma cópia
do Sha'are ha-Da'ath ainda existe, em uma biblioteca privada, mas sobre isso não
há qualquer evidência concreta.
O ressurgimento do Necronomicon é constantemente atribuído ao
escritor Howard Phillip Lovecraft, que fez do livro a base de sua obra literária.
Mas não se explica como Lovecraft teve acesso ao livro de Alhazred.
O caminho mais lógico para esse ressurgimento parece indicar o
mago britânico Aleister Crowley(1875-1947). Crowley tinha fama de charlatão,
proxeneta, toxicômano, promíscuo insaciável e bissexual, além de traidor da
pátria e satanista. Tendo se iniciado na Ordem do Amanhecer Dourado em 1898,
Crowley aprendeu práticas ocultas no Ceilão, na Índia e na China. Mais tarde,
ele criaria sua própria ordem, um sistema mágico e uma nova religião, da qual
ele seria o próprio messias. Ao que tudo indica, essa religião denominada
"Lei de Thelema" se baseava nos conhecimentos do "Livro da
Lei", poema em prosa dividido em três capítulos aparentemente ilógico,
que segundo ele, lhe havia sido ditado em 1904 por ua espírito chamado Aiwass.
Sabe-se que Crowley pesquisou os documentos do Dr. John Dee em
Bodleian. Ele próprio se dizia uma reencarnação de Edward Kelley, o que
explica em parte, seu interesse. Apesar de não mencionar a fonte de seus
trabalhos, é evidente que muitas passagens do Livro da Lei foram plagiadas da
tradução de Dee do Necronomicon. Crowley já era conhecido por plagiar seu
mestre, Allan Bennett(1872-1923), que o iniciou no Amanhecer Dourado, mas há
quem sustente que tais semelhanças foram assimiladas inconscientemente seja
como for, em 1918 Crowley viria a conhecer uma modista chamada Sônia Greene.
Aos 35 anos, judia, divorciada, com uma filha e envolvida numa obscura ordem mística,
Sônia parecia ter a qualidade mais importante para Crowley naquele momento:
dinheiro. Eles passaram a se ver durante alguns meses, de maneira irregular.
Em1921, Sônia Greene conheceu H.P. Lovecraft. No mesmo ano,
Lovecraft publicou o seu primeiro romance "A Cidade Sem Nome", onde
menciona Abdul Alhazred. Em1922, no conto "O Cão de Caça", ele faz a
primeira menção ao Necronomicon. Em1924, ele e Sônia Greene se casam.
Nós só podemos especular sobre o que Crowley contou para Sônia
Greene, e não sabemos o que ela contou a Lovecraft, mas é fácil imaginar uma
situação onde ambos estão conversando sobre uma nova história que ele
pretende escrever e Sônia comenta algumas idéias baseadas no que Crowley havia
lhe contado, sem nem mesmo mencionar a fonte. Seria o bastante para fazer
reluzir a imaginação de Lovecraft. Basta comparar um trecho de "O Chamado
de C`Thullu"(1926) com partes do Livro da Lei, para notar a semelhança.
"Aquele culto nunca morreria... C`Thullu se ergueria de sua
tumba e retomaria seu tempo sobre a Terra, e seria fácil reconhecer esse tempo,
pois os homens seriam livres e selvagens, como os "antigos", e além
do bem e do mal, sem lei ou moralidade, com todos gritando e matando e
rejubilando-se em alegria. Então os "antigos" lhes ensinariam novos
modos de gritar e matar e rejubilar-se, e toda a Terra arderia num holocausto de
êxtase e liberdade"(O Chamado de C`Thullu).
"Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei... Todo homem
e toda mulher é uma estrela... Todo homem tem direito de viver como quiser,
segundo a sua própria lei... Todo homem tem o direito de matar quem se opuser
aos seus direitos... A lei do forte, essa é a nossa lei e alegria do mundo ...
Os escravos servirão"(Lei Thelemita).
Não há nem uma evidência que Lovecraft tenha visto o
Necronomicon, ou até mesmo soube que o livro existiu. Embora o Necronomicon que
ele desenvolveu em sua obra esteja bem próximo do original, seus detalhes são
pura invenção. Não há nem um Yog-Sothoth ou Azathoth ou Nyarlathotep no
original, por exemplo . Mas há um Aiwass...
O
QUE É O NECRONOMICON?
O Necronomicon de Alhazred trata de especulações antediluvianas,
sendo sua fonte provável o Gênese bíblico e o Livro de Enoch, além de
mitologia antiga. Segundo Alhazred, muitas espécies além do gênero humano
tinham habitado a Terra, vindas de outras esferas e do além. Alhazred
compartilhou da visão de neoplatoniatas que acreditavam serem as estrelas
semelhantes ao nosso Sol, cada qual com seus próprios planetas e formas de
vida, mas elaborou essa visão introduzindo elementos metafísicos e uma
hierarquia cósmica de evolução espiritual. Aos seres das estrelas, ele
denominou "antigos". Eram sobre-humanos e podiam ser invocados,
desencadeando poderes terríveis sobre a Terra.
Alhazred não inventou a história do Necronomicon. Ele elaborou
antigas tradições, inclusive o Apocalipse de São João, apenas invertendo o
final(a Besta triunfa, e seu número é 666). A idéia de que os
"antigos" acasalaram com os humanos, buscando passar seus
conhecimentos para o nosso plano de existência e gerando uma raça de aberrações,
casa com a tradição judaica dos nephilins(os gigantes de Gênese 6.2-6.5). A
palavra árabe para "antigo" deriva do verbo hebreu para
"cair"(os anjos caídos). Mas o Gênese é só um fragmento de uma
tradição maior, que se completa, em parte, no Livro de Enoch. De acordo com
esta fonte, um grupo de anjos guardiões enviados para observar a Terra viu as
filhas dos homens e as desejou. Duzentos desses guardiões formaram um pacto,
saltando dos ares e tomando as mulheres humanas como suas esposas, gerando uma
raça de gigantes que logo se pôs a pecar contra a natureza, caçando aves, répteis
e peixes e todas as bestas da Terra, comendo a carne e bebendo o sangue uns dos
outros. Os anjos caídos lhes ensinaram como fazer jóias, armas de guerra, cosméticos,
encantos, astrologia e outros segredos. O dilúvio seria a consequência das
relações entre os anjos e os humanos.
"E não vi nem um céu por cima, nem a terra firme por
baixo, mas um lugar caótico e horrível. E vi sete estrelas caírem dos céus,
como grandes montanhas de fogo. Então eu disse:"Que pecado cometeram, e em
que conta foram lançados?" Então disse Uriel, um dos anjos santos que
estavam comigo, e o principal dentre eles:"Estes são os números de
estrelas do céu que transgrediram a ordem do Senhor, e ficarão acorrentados
aqui por dez mil anos, até que seus pecados sejam consumados".(Livro
de Enoch).
Na tradição árabe, os jinns ou djinns seriam uma raça de seres
sobre-humanos que existiram antes da criação do homem. Foram criados do fogo.
Algumas tradições os fazem sub-humanos, mas invariavelmente lhes são atribuídos
poderes mágicos ilimitados. Os djinns sobrevivem até os nossos dias como os gênios
das mil e uma noites, e no Corão eles surgem como duendes e fadas, sem as
qualidades sinistras dos primeiros tempos. Ao tempo de Alhazred, os djinns
seriam auxiliares na busca de conhecimento proibido, poder e riquezas.
No mito escandinavo, hoje bastante associado à história do
Necronomicon, os deuses da Terra(aesires) e o gênero humano(vanas) existiam
contra um fundo de poderes mais velhos e hostis, representados por gigantes de
gelo e fogo que moravam ao norte e ao sul do Grande Girnnunga(o Abismo) e também
por Loki(fogo) e sua descendência monstruosa. No Ragnarok, o crepúsculo dos
deuses, esses seres se ergueriam mais uma vez num combate mortal. Por último,
Siurtur e ou gigantes de fogo de Muspelheim completariam a destruição do
mundo.
Essa é essencialmente a profecia de Alhazred sobre o retorno dos
"antigos". É também a profecia de Aleister Crowley sobre o Àeón de
Hórus. Os gigantes de fogo de Muspelheim não diferem dos djinns, que por sua
vez se ligam aos anjos hebraicos. Como Surtur, Uriel carrega uma espada de fogo,
e sua sombra tanto pode levar à destruição quanto a um renascimento. Assim,
tanto os anjos e seus nephilins hebraicos quanto os "antigos" de
Alhazred poderiam ser as duas faces de uma mesma moeda.
COMO
OS ANTIGOS SÃO INVOCADOS?
É inegável que o sistema enochiano de Dee e Kelley estava
diretamente inspirado em partes do Necronomicon, onde há técnicas de Alhazred
para a invocação dos "antigos". Embora o Necronomicon fosse
basicamente um livro de histórias, haviam alguns detalhes práticos e fórmulas
que funcionavam quase como um guia passo a passo para o iniciado entrar em
contato com os seres sobre-humanos. Dee e Kelley tiveram que preencher muitas
lacunas, sendo a 1inguagem enochiana um híbrido que reúne, basicamente, um
alfabeto de 21 letras, dezenove "chaves"(invocações) em linguagem
enochiana, mais de l00 quadros mágicos compostos de até 240l caracteres além
de grande quantidade de conhecimento oculto. É improvável que esse material
lhes tivesse sido realmente passado pelo arcanjo Uriel. Bulwer Lytton, que
estudou a tradução de Dee para o Necronomicon, afirma que ela foi transcrita
diretamente do livro original, e se eram ensinamentos de Uriel, o mais provável
é que ele os tenha passado a Alhazred.
A ligação entre a linguagem enochiana e o Livro de Enoch parece
óbvia. Como o livro de Enoch só foi redescoberto no século XVII, Dee só
teria acesso à fragmentos do mesmo citados em outros manuscritos, como o
Necronomicon de Alhazred, o que mais uma vez reafirma sua provável fonte de
origem. Não há nenhuma dúvida que Alhazred teve acesso ao livro de Enoch, que
só desapareceria no século IX d.C., sendo até então relativamente conhecido.
Outra pista para essa ligação pode ser a chave dos trinta Aethyrs, a décima
nona das invocações enochianas. Crowley chamava-a de " a maldição
original da criação". É como se o próprio Deus a enunciasse, pondo fim
à raça humana, à todas as criaturas e ao mundo que ele próprio criara. Isso
é idêntico ao Gênese 6.6, onde se lê: "E arrependeu-se o Senhor de ter
posto o homem sobre a Terra, e o lamentou do fundo de seu coração". Esse
trecho segue-se à descrição dos pecados dos nephilins, que resulta na destruição
do mundo pelo dilúvio. Crowley, um profundo conhecedor da Bíblia, reconheceu
nisso a chave dos trinta Aethyrs, estabelecendo uma ligação.
Em resumo, a chave(ou portão) para explorar os trinta Aethyrs é
uma invocação no idioma enochiano, que segundo Dee seria o idioma dos anjos, e
esta invocação seria a maldição que lançou os nephilins(ou
"antigos") no Abismo. Isto se liga à práticas antigas de magia negra
e satanismo: qualquer meio usado pelo mago no passado para subordinar uma
entidade pode ser usado também como um método de controle. Tal fórmula existe
em todo grimoire medieval, em alguns casos de forma bastante explícita. A
entrada no trigésimo Aethyr começa com uma maldição divina porque esse é um
dos meios de afirmar controle sobre as entidades que se invoca: o nephilin, o
anjo caído, o grande "antigo". Isso demonstra, além de qualquer dúvida,
que o sistema enochiano de Dee e Kelley era idêntico, na prática e em cadência,
ao sistema que Alhazred descreveu no Necronomicon.
Crowley sabia disso. Uma das partes mais importantes de seu
trabalho mágico(registrou-o em "A Visão e a Voz") era sua tentativa
de penetrar nos trinta Aethyrs enochianos. Para isso, ele percorreu o deserto ao
norte da África, em companhia do poeta Winner Neuberg. Ele já havia tentado
fazê-lo no México, mas teve dificuldade ao chegar ao 28º Aethyr, e decidiu
reproduzir a experiência de Alhazred o mais proximamente possível. Afinal,
Alhazred levou a cabo seus estudos mais significativos enquanto vagava pela região
de Khali, uma área deserta e hostil ao sul da Arábia. O isolamento o ajudou a
entrar em contato com os Aethyrs. Para um plagiador como Crowley, a imitação
é o primeiro passo para a admiração, não é surpresa essa tentativa, além
do que ele também pretendia repetir os feitos de Robert Burton, explorador,
aventureiro, escritor, lingüista e adepto de práticas obscuras de magia
sexual. Se obteve sucesso ou não, é desconhecido pois jamais admitiu suas
intenções quanto à viagem, atribuindo tudo ao acaso.