Fonte: Gazeta Mercantil, (página A3) - 10.07.2000 |
||
Falhas no diagnóstico dos bancos federais Fernando Nogueira da Costa (*) O governo colocou em audiência pública o Relatório de Alternativas para a Reorientação Estratégica do Conjunto das Instituições Financeiras Públicas Federais (IFPFs), constituído pelo Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal (CEF), BNDES, Banco do Nordeste (BNE) e Banco da Amazônia (Basa). Louvamos essa iniciativa. Porém, também desconfiamos. Por que só agora submete seu programa de desestatização ao crivo da opinião pública? Por que esta já revela, através de pesquisas de opinião, seus primeiros sintomas de rejeição? Por que a privatização de ícones do nacional-desenvolvimentismo carece de legitimidade política? Por que um plebiscito seria, na prática, um grande risco? Cauteloso, o governo alerta que 'o elenco de alternativas elaborado pelo consórcio contratado serve tão-somente ao propósito de balizar a discussão, jamais podendo ser interpretado como preferência do governo por uma ou outra sugestão apresentada'. No entanto, o relatório elaborado pelo consórcio integrado pela consultoria Booz Allen & Hamilton e Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe), contando também com o apoio subcontratado da auditoria Price WaterhouseCoopers, em decorrência de um contrato de prestação de serviços celebrado com o BNDES, contém um vício de origem. Tanto a consultoria quanto a fundação têm como clientela empresas privadas. Seu público-alvo é composto daquele desejoso de maior espaço no mercado hoje ocupado pelo Estado. Este é visto como mero apoiador de iniciativas privadas e não como ente público para atender aos interesses da sociedade. Assim, quando esse consórcio analisa as IFPFs, cujas características comuns são ter uma função social, sob o mesmo critério de avaliação de gestão privada, demonstra incompetência técnica para entender a coisa pública. Na verdade, permeia o relatório uma parcialidade de administrador de empresas. Qual é a conseqüência disso? O relatório desconhece história, não mede efeitos sociais, ignora limites políticos, desdenha problemas jurídicos, provoca reações psicológicas de massa adversas, não enfrenta as próprias questões econômico-financeiras! O que faz então? Limita-se a apresentar uma metodologia de análise do problema de gestão de empresas de maneira indiferenciada. Sob forma similar à de uma sintética apresentação oral (o que leva a uma superficialidade analítica), em uma linguagem 'pseudomoderna' de consultoria na qual repetidamente usa chavões ou lugares-comuns sem conteúdo (como eficiência, eficácia, transparência, flexibilidade, sinergia, etc.), o relatório mistura 'alhos com bugalhos' ao fazer seu diagnóstico do conjunto de IFPFs. Por exemplo, avalia o desempenho das IFPFs como conjunto e não de forma individual. Assim, confunde os números do maior (BB) e do segundo maior banco de varejo (CEF) da América Latina, respectivamente, com forte atuação em agricultura e como agente do Tesouro Nacional e em financiamento imobiliário, com os do BNDES (banco de segunda linha sem rede de captação, mas com atuação nacional), do BNE e do Basa (bancos de desenvolvimento regional). Os primeiros têm dimensões gigantescas em todas as esferas. Os últimos têm escala meramente regional. Mas suas despesas administrativas (inclusive com pessoal) são inadvertidamente somadas e colocadas como proporção de receitas operacionais para serem cotejadas com as de um grupo de comparação privado composto por Bradesco, Itaú, Unibanco e Real - os maiores e os melhores do setor nacional privado. Dessa forma, 'naturalmente', o diagnóstico do conjunto de IFPFs chega à conclusão de que a manutenção de um nível de provisionamento de perdas de crédito comparável com 'o resto do sistema financeiro' (leia-se os quatro 'maiores & melhores') agravaria ainda mais esse quadro. Despesas potenciais foram calculadas aplicando-se a diferença entre o porcentual de provisionamento do grupo de comparação privado e o das IFPFs, assumindo-se a hipótese totalmente irrealista de terem operações de crédito com características semelhantes. Curiosamente, escamoteia (ou desconhece) que, no período considerado (1996-1999), esses bancos privados se notabilizaram por fazer provisões acima do limite legal. Mas hoje, infelizmente, o próprio Banco Central desconsidera as especificidades de cada IFPF e exige classificação de créditos e provisões uniformes, provocando um problema enorme para o Tesouro ou para o sistema financeiro nacional. Não leva em conta o princípio bancário do 'too big to fail', isto é, 'demasiado grande para falir'... Outro absurdo metodológico, sob o ponto de vista da ciência econômica, são as receitas e os custos operacionais projetados com base na 'informação histórica' das IFPFs arbitrariamente escolhida. Em sua projeção para o período 2000-2009 (sic), o relatório projeta o resultado operacional corrente líquido com base na média do período 1995-1999, ou seja, caprichosamente incorporando os anos de 1995 e 1996, quando elas obtiveram resultados negativos, posteriormente corrigidos. Aliás, as fontes de dados e evidências empíricas quase nunca são citadas. Sem rigor científico, o relatório deduz a sentença 'encomendada': 'A gravidade dos desequilíbrios projetados exige uma reestruturação profunda das IFPFs'. As alternativas para a reorientação estratégica, decisão que envolve profundas conseqüências sociais (na medida em que mexe com financiamento à alimentação, habitação, saneamento, infra-estrutura, etc. e o emprego de mais de 130 mil funcionários), são apresentadas de maneira engenhosa. Abstratamente, ignorando-se a história institucional do sistema financeiro nacional, são colocadas como 'alternativas de modelo'. É feita uma comparação do 'modelo brasileiro atual' com 'modelos de outros países' como se fossem facilmente intercambiáveis. Afirma, de maneira genérica e ideológica, que 'o reposicionamento dos países com relação a suas instituições é motivado pela busca da redução de custo e pela maximização da contribuição do mercado privado'.
Nove alternativas principais foram desenvolvidas para discussão
de um novo 'modelo institucional e organizacional' do sistema
financeiro público. As quatro formas básicas identificadas de ação das
IFPFs - ação comercial, de acesso bancário, de desenvolvimento, reguladora
- são submetidas a uma análise combinatória sem nenhuma advertência para o
irrealismo de várias alternativas resultantes. Isso porque os autores do
relatório não enfrentam e omitem problemas cruciais, entre outros, do
funding necessário para os financiamentos de longo prazo, do estoque dos
contratos remanescentes, dos direitos adquiridos, das fusões de empresas
de culturas diversas, da desnacionalização bancária, enfim, de quais
seriam os custos e os benefícios sociais (e não privados) de
tal - o - (*) Fernando
Nogueira da Costa, Professor associado do Instituto de Economia da
|
||
|