EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL DE SÃO PAULO.
NOME,
brasileiro, solteiro, desempregado, portador da cédula de identidade RG nº XXXXXXX,
residente e domiciliado em Taubaté, São Paulo, na rua NOME nº , Parque,
assistido pela Procuradoria de Assistência Judiciária Cível de Taubaté da
Procuradoria Geral do Estado, por intermédio do Procurador do Estado
infra-assinado, no mister de defensor público, vem, respeitosamente, perante
Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição da
República, e artigo 1º e seguintes da Lei nº 1.533/51, interpor
Mandado de Segurança,
com
pedido de liminar,
em defesa de direito líqüido e certo,
contra ato ilegal do Ilmo. Sr. SECRETÁRIO
ESTADUAL DA SAÚDE, com gabinete em São Paulo, Capital, na avenida Dr. Enéas
de Carvalho Aguiar nº 188, CEP.: 05403-000, pelos motivos de fato e de direito
aduzidos a seguir.
I
- Dos fatos.
O
Impetrante sempre residiu com os pais e outros seis irmãos em casa própria, e,
embora não houvesse fartura, recebeu assistência material e educação adequadas
nos moldes da boa família brasileira.
Apesar
da favorável estrutura familiar, sem qualquer relevante motivo, precocemente o
Autor tomou contato com os prazeres e perigos das drogas. Aos dezesseis anos de
idade experimentou pela primeira vez cocaína inalada, logo em seguida
utilizou-a injetada na corrente sanguínea, sempre acompanhada pelo consumo da
maconha e ingestão do álcool, e conviveu com o vício durante longos dezessete
anos.
Agravou
imensamente sua situação a descoberta de ser portador do vírus da AIDS,
síndrome da imunodeficiência adquirida, após constatação da soropositividade
(HIV positivo) em exame hematológico patrocinado pelo SUDS-SP, em 28 de abril
de 1989.
Deste
momento em diante nada mais fazia diferença! Ao Impetrante restaram apenas as
drogas como meio mais cômodo de fugir de sua triste realidade, participando
assiduamente do frenético ritual noturno de injeção compartilhada de cocaína
com outros colegas viciados, “canos silenciosos”.
A
doença instigou o vício e o vício exacerbou a doença em um literal círculo
vicioso!
Deteriorou
rapidamente sua capacidade física e mental, expirou seu desempenho
profissional, eliminou seus vínculos sociais, com o afastamento dos amigos e da
família, e, por fim, sucumbiu diante do inapelável vício, clamando pela morte
purificadora...
Neste
catastrófico instante de sua vida o Autor requereu a exoneração do cargo
público que ocupava, indubitavelmente, sem mensurar as conseqüências nefastas
de seu “ato”. Ademais, não havia como o toxicômano refletir ou raciocinar,
dominado completamente pelo vício e pelo medo.
Milagrosamente
o Autor não morreu, apesar de conviver (rectius, sobreviver) com as
drogas e a maligna doença da modernidade durante tantos anos. A sua notável
resistência física, deu-lhe condições de suportar os males da doença, do vício
e da discriminação, talvez o pior, pois subjuga o adoentado, lançando-o ao
ostracismo silencioso do preconceito.
Lutou
bravamente desde o início do ano de 1999, contra o uso desenfreado das drogas,
e a partir de 2000, deixou o vício. Quando retornou à lucidez, restaram-lhe
apenas todos os arrependimentos do mundo, e a vontade de viver!
O
Autor não sucumbiu diante das vicissitudes, e embora não tenha derrotado a
AIDS, passou a utilizar a medicação com a regularidade ministrada pelos
médicos, o que lhe propiciou melhores condições físicas.
Todavia,
por motivo ignorado pela ciência médica, de meados do ano 2000 em diante, o
Impetrante não se beneficia mais do tratamento e medicações conferidas
gratuitamente pelo Estado.
Sua
imunidade arrebatada, propicia a eclosão de doenças variadas, surtos indescritíveis
de sofrimento e dor, solapando sua capacidade sobrenatural de resistência.
Declaração
médica de especialista da Fundação Universitária de Saúde de Taubaté,
integrante do SUS, esclarece que o vírus da AIDS incidente sobre o organismo
claudicante do Impetrante adquiriu resistência a uma das substâncias indeterminadas
do complexo de medicamentos recebido.
Só
existe uma solução viável para a continuidade de sua existência: a elaboração
de caríssimo exame clínico GENOTIPAGEM para HIV, prestado exclusivamente pelo
Laboratório Fleury, sediado em São Paulo, Capital, na avenida Brás Leme nº 201,
Ponte da Casa Verde.
Em
virtude da debilidade progressiva de seu estado de saúde, o hipossuficiente
Impetrante compareceu em várias entidades estatais de prestação de assistência
médica, sem obter sequer uma certidão ou declaração de negativa da prestação
necessária.
Por
derradeiro, como último esforço, compareceu desesperado na Procuradoria de
Assistência Judiciária Cível de Taubaté da Procuradoria Geral do Estado no dia
8 de maio de 2001, solicitando a URGENTÍSSIMA prestação estatal.
O
Estado, por meio do Sistema Único de Saúde – SUS, não presta direta ou
indiretamente o exame necessário para o correto diagnóstico e tratamento
conferido gratuitamente, embora pudesse ao menos efetuar convênio ou acordo
para fornecê-los gratuitamente. Odiosa omissão!
Referido
exame identificaria a substância retroviral inócua, possibilitando a
substituição por outras fornecidas gratuitamente pelo Estado, o que
possibilitaria ao Impetrante uma sobrevida, talvez com melhor qualidade.
Diante
da urgência que a causa impõe, o signatário, no mister de defensor público, e
consoante o estabelecido no artigo 103 da Lei Orgânica da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo, enviou infrutiferamente por correspondência eletrônica
ofício à DD. Ouvidora da Secretaria de Saúde do Estado.
Não
há mais tempo para rogar pela vida e pela observância de seus direitos mais
fundamentais, portanto, o Impetrante vem perante o Judiciário invocar o “writ”
necessário e urgente.
II – Direito.
Há
anos o sistema de saúde pública nacional disponibiliza aos portadores do vírus
HIV (vírus da imunodeficiência humana) tratamento e remédios com enorme
eficiência, merecendo o “status” de melhor sistema de saúde específico
mundial.
A Lei Federal n.º 9.313, de 13 de novembro de 1996, dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS.
Art. 1° Os portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doenças de AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento.
Impossibilitam o tratamento e a oferta dos remédios da terrível doença a dubiedade do diagnóstico e a incerteza da substância inadequadamente ministrada pelos médicos públicos, especificamente quando o vírus da imunodeficiência humana cria resistência.
A omissão no fornecimento do exame laboratorial GENOTIPAGEM para HIV essencial a integral prestação do serviço médico estatal impossibilita o cumprimento da lei federal referida. Evidente a impossibilidade de fornecimento dos remédios retrovirais sem o exato diagnóstico da doença!!
No âmbito do Estado de São Paulo, o DD. Sr. Secretário Estadual da Saúde, apontada autoridade coatora, coordena o Sistema Único de Saúde, devendo prestar assistência integral à saúde dos indivíduos, direta (artigo 17, inciso I, alínea “a”, Lei Complementar Estadual nº 791, de 9 de março de 1995), ou indiretamente, mediante a transferência de recursos e tecnologia aos Municípios, ou por meio de convênio ou contrato administrativo com entidades privadas de saúde (artigo 15, incisos I e II, artigo 20 e parágrafo 1º, da mesma lei).
Lei Complementar Estadual nº 791, de 9 de março de 1995.
Art. 17. Compete, ainda, à direção estadual do SUS:
I - coordenar e, em caráter complementar, executar ações e
serviços de:
a) assistência integral à saúde;
Art. 15. Compete à direção estadual do SUS, além da
observância do disposto nos arts. 2.º e 12 deste Código, fundamentalmente:
I - transferir aos Municípios, com os recursos
correspondentes, os serviços de saúde próprios do Estado que atuam
preponderante ou exclusivamente na área do Município, ou cuja complexidade
interessa para garantir a resolutividade dos sistemas municipais;
II - prestar assistência técnica e apoio financeiro aos
Municípios para a execução dos serviços e das ações de saúde de âmbito local;
Art. 20. O SUS poderá
recorrer à participação do setor privado quando a sua capacidade instalada de serviços
for insuficiente para garantir a assistência à saúde da população.
§ 1.º A participação complementar do setor privado no SUS será efetivada mediante convênio ou contrato administrativo de direito público.
Para cumprir os mandamentos legais suso apontados a autoridade coatora deveria contratar a única entidade particular do Estado que presta o serviço de laboratório essencial para o correto diagnóstico e aplicação do tratamento adequado nos casos de doentes de AIDS portadores do HIV, ou efetivá-lo diretamente.
A omissão da autoridade coatora malfere os princípios e comandos constitucionais imbricados nas normas citadas, especialmente o princípio da dignidade humana e o direito à vida:
Constituição da República Federativa do Brasil.
Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;
Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde,
o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O
sistema normativo nacional albergou convenções internacionais referentes ao
tema, conferindo direitos ao Impetrante não respeitados pela omissão da
autoridade coatora.
Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Artigo 12. 1. Os Estados-partes no presente Pacto
reconhecem o direito de toda a pessoa de desfrutar o mais elevado nível de
saúde física e mental.
2. As medidas que os Estados-partes no presente Pacto
deverão adotar, com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito,
incluirão as medidas que se façam necessárias de assegurar:
a) Omissis;
b) Omissis;
c) Omissis;
d) A criação de condições que assegurem a todos
assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade.
Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de San José
da Costa Rica).
Artigo 4º - Direito à vida.
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida.
Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da
concepção...
A jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acolhe entendimento de prestígio às normas indicadas, e em vários momentos revela o apreço ao valor máximo VIDA.
MEDIDA CAUTELAR -
Plano de saúde - Alegada exclusão de moléstia do limite de cobertura -
Possibilidade de discussão interpretativa do ajuste - Risco de vida para o
contratante - Presença dos requisitos legais à concessão da cautela -
Recurso não provido. (Agravo de Instrumento n. 273.604-2 - São Paulo - 10ª
Câmara de Direito Privado - Relator: Souza José - 27.02.96 - V.U.)
MEDIDA CAUTELAR - Liminar - Tratamento médico-hospitalar
a aidético em estado terminal - Revogação pleiteada pela empresa do plano
de saúde - lndeferimento - Inocorrência de direito líquido e certo em
oposição ao direito à vida do segurado - Cabimento, ademais, de
ressarcimento pelas vias próprias no caso de ser acolhida sua defesa na medida
cautelar - Segurança denegada JTJ 160/268
MEDIDA CAUTELAR INOMINADA - Liminar - Prestação de serviços
médicos e hospitalares - Contrato - Seguro - Pretensão de cobertura médica
de portador do vírus HIV positivo - Admissibilidade - Primazia do bem
jurídico "vida" em relação ao bem patrimonial - Liminar
concedida. Em se cuidando de medida cautelar, o exame da situação fática
há de ficar adstrito à aparência do bom
direito fumus boni iuris e a presença do perigo do dano periculum in mora
consubstanciado no prejuízo que possa advir durante o curso regular do processo
- Recurso provido. (Agravo de Instrumento n. 273.236-1 - São Paulo - 7ª Câmara
de Direito Privado - Relator: Mohamed Amaro - 13.12.95 - V.U.)
AÇÃO CAUTELAR - Liminar contra o estado - Fornecimento de
“coquetel ” de medicamento para tratamento da AIDS - Admissibilidade. Estando
presente as condições especiais do processo cautelar, do fumus boni iuris e do
periculum in mora, posto que o direito à vida é o maior deles e que a droga é
de comprovada eficácia, porém custosa e fora das possibilidades econômicas dos
enfermos, é de dever do Estado custeá-la. Inteligência do artigo 196 da
Constituição da República. Liminar mantida Recurso não provido. (Agravo de
Instrumento n. 22.239-5 - São Paulo - 8ª Câmara de Direito Público - Relator:
Felipe Ferreira - 18.12.96 - V.U.)
AÇÃO - Cautelar - Liminar contra o Estado -
Fornecimento de "coquetel" de medicamentos para tratamento da AIDS -
Admissibilidade - Estando presente as condições especiais do processo cautelar,
do fumus boni iuris e do periculum in mora, posto que o direito à vida é o
maior deles e que a droga é de comprovada eficácia, porém custosa e foro
das possibilidades econômicas dos enfermos, é dever do Estado custeá-la -
Inteligência do artigo 196 da Constituição da República - Liminar mantida -
Recurso não provido. (Agravo de Instrumento n. 29.837-5 - São Paulo - 8ª Câmara
de Direito Público - Relator: Felipe Ferreira - 19.03.97 - V.U.)
Importante
ressaltar que o dever de fornecer a medicação contra AIDS não é cumprido com a
mera distribuição aleatória de medicamentos, mas com a entrega do remédio
recomendado após um diagnóstico exato fundado, se preciso, em exames
laboratoriais.
Por
todo o exposto, o Impetrante, portador do
vírus da imunodeficiência humana - HIV, assevera ocorrência de omissão
ilegal da autoridade coatora em afronta ao seu direito líqüido e certo de
receber a ADEQUADA medicação contra a síndrome da imunodeficiência adquirida –
AIDS, negando-lhe o exame laboratorial apto ao diagnóstico preciso e tratamento
eficiente.
III - Conclusão.
Diante do exposto, o Impetrante pede a concessão do “writ”, com o deferimento de liminar “inaudita altera pars”, para possibilitar-lhe a fruição do direito à vida, determinando-se a confecção do exame laboratorial GENOTIPAGEM para HIV, custeado pela Fazenda do Estado de São Paulo, junto ao Laboratório Fleury, com sede em São Paulo, Capital, na avenida Brás Leme nº 201, Ponte da Casa Verde, com fundamento no “fumus boni iuris” e no “periculum in mora” apresentados nas argumentações reveladas acima, e comprovadas documentalmente.
Repise-se, devido a
extrema urgência, a medida liminar pode ser concedida independentemente de
audiência da pessoa jurídica de direito público (RT 637/80).
O impetrante requer, após a concessão da liminar, a notificação da autoridade coatora apontada acima por ofício enviado pelo correio ao endereço declinado, para apresentar informações ao douto Juízo, e, após o pronunciamento do douto membro do Ministério Público, o julgamento procedente do presente Mandado de Segurança, pelos fundamentos fáticos e jurídicos mencionados, em defesa de seu direito líqüido e certo de viver, contando com a assistência médica estatal adequada, e recebendo os corretos medicamentos e tratamentos, após diagnóstico fundado no exame laboratorial GENOTIPAGEM para HIV, conforme suso argumentado.
Defendem em mandado de segurança a notificação epistolar os consagrados doutrinadores Celso Agrícola Barbi (Do Mandado de Segurança, 3ª edição, Forense, página 222) e Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança, 14ª edição, Malheiros, página 54), o que vem sendo consagrado na prática forense (Despachos do Des. Adriano Marrey, na Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos Mandados de Segurança 273.709-SP e 280.739-SP), em decorrência da celeridade do rito no mandado de segurança.
Requer,
ainda, a concessão dos benefícios da justiça gratuita, nos termos do artigo 2º
e 4º da Lei nº 1.060/50, por ser pessoa pobre na acepção jurídica do termo, não
podendo arcar com as despesas do processo, sem prejuízo de sua mantença e de
sua família, conforme declaração anexa.
O
Autor pugna pela contagem dobrada de todos os prazos processuais e a intimação
pessoal do signatário Procurador do Estado, exercendo o mister de defensor
público estadual, classificado na Procuradoria de Assistência Judiciária Cível
de Taubaté da Procuradoria Geral do Estado, com sede em Taubaté, São Paulo, na
praça Cel. Vitoriano nº 113, Centro, CEP.: 12020-020.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Por ser medida de JUSTIÇA, pede deferimento !
De Taubaté para São Paulo, Dia
das Mães, 13 de maio de 2001.