**FeRnAnDo PeSsOa**
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É necessário agora que eu diga que espécie de homem eu sou. Meu nome não importa, nem qualquer outro pormenor exterior meu próprio. Devo falar de meu caráter.
A constituição inteira de meu espírito é de hesitação e de dúvida. Nada é ou pode ser positivo pra mim, todas as coisas oscilam em torno de mim, e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo está cheio de significado. Todas as coisas são "desconhecidas", simbólicas do Desconhecido. Em consequência, o horror, o mistério, o medo por demais inteligente.
Pelas minhas próprias tendências naturais, pelo ambiente que me cercou a infância, pela influência dos estudos realizados sob o impulso delas (dessas mesmas tendências), por tudo isto meu caráter é da espécie interiorizada, concentrada, muda, não auto-suficiente, mas perdida em si mesma. Toda a minha vida tem sido de passividade e de sonho".

Fernando Pessoa (1888-1935)
SE ESTOU SÓ, NÃO QUERO ESTAR
Se estou só, não quero estar
Se não estou, quero estar só,
Enfim, quero sempre estar
Da maneira que não estou.

Ser feliz é ser aquele
E aquele não é feliz
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que eu quis.

Agente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se não o fizer,
Fica perdido na estrada.
CARTA DE AMOR

"
Quanto a mim...
O amor passou .
Eu só lhe peço que não faça como a gente vulgar,
e não me volte a cara quando passe por si,
nem tenha de mim uma recordação
em que entre o rancor.
Fiquemos, um perante o outro,
como dois conhecidos desde a infância,
que se amaram um pouco quando meninos, e,
embora na vida adulta
sigam outras afeições,
conservam num escaninho de alma,
a memória do seu amor antigo e inútil"





POEMA EM LINHA RETA
Nunca conheci quem tivesse levado porrada
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência pra tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado o pé publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços dos fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedindo emprestado, sem pagar,
Eu, que quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu, que verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofre enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que me contasse não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos
Arre ! Estou farto de semideuses. Onde é que há gente no mundo ?
Então só eu que que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os teram amado? Podem ter sidos traídos
Mas ridículos, nunca ! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído.
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil.
Vil, no sentido mesquinho e infame da vileza.
O AMOR
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar
Sabem bem olhar pra ela
Mas não sabe lhe falar
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer
Fala: Parece que mente.
Cala: Parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que estão a amar
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quando sente
Fica sem alma nem fala
Fica só, inteiramente.

Mas se isso puder contar-lhe
O que não ouso lhe contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar....